Gustavo Nolasco
Gustavo Nolasco
DA ARQUIBANCADA

Vovô Jairo, o pé quente

Amigo, Gustavo, eu avisei que o Cabuloso ia ganhar hoje. Quando eu venho, não falha!

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Algumas partidas de futebol têm a capacidade de nos trazer de volta momentos e pessoas inesquecíveis. Memórias afetivas que, quando ativadas, nos deixam ainda mais apaixonados por nosso time do coração. No último domingo (1º/6), ao apito final do árbitro, enquanto uma China pintada de azul festejava a vitória maiúscula sobre o Palmeiras, nós, cruzeirenses, experimentamos um pouco disso.

Eu ergui os punhos em direção ao céu. Fechei os olhos umedecidos. Senti Vovô Jairo agarrado no meu ombro, e mesmo com a explosão ensurdecedora de alegria nas arquibancadas do Mineirão, ouvi nitidamente sua voz em tom de alegria incontida: “Amigo, Gustavo, eu avisei que o Cabuloso ia ganhar hoje. Quando eu venho, não falha! Quero ver me chamar de pé frio agora”.

Tudo começou bem cedo. O sol ainda estava tímido, esquentando apenas as partes mais altas da nossa linda cidade, Mariana. Entre elas, o bairro São Gonçalo, onde Vovó Sônia já estava de pé. Preparando tudo para a ida de Vovô Jairo ao Mineirão. Com muito carinho, perto do guarda-roupas, lhe fez cafuné com as lembranças. Com jeitinho de quem já sentia saudade antes da partida.

Gargamel, Guilherme e Antoninho desistiram de ir ao jogo. A missão de levar Vovô Jairo ficou com o amigo Bernardo “de Vanderlei”. Tudo tranquilo até a entrada no Anel Rodoviário. O trânsito aparentemente parado fez lembrar as memoráveis partidas da década de 1990, quando milhares de cruzeirenses vinham do interior de Minas Gerais para empurrar o Cruzeiro nas pelejas da Supercopa dos Campeões da Libertadores.

“Eu não gosto da camisa com o escudo. Prefiro as estrelas soltas”, sempre dizia Vovô Jairo. Lembranças para passar o tempo, que realmente passou rápido. A fila de carros fluiu. Ansioso e com o coração hipertenso batendo mais forte do que devia – como sempre –, ele chegou às imediações do Gigante da Pampulha bem antes dos portões serem abertos.

Eu e minha companheira, Geisa, o encontramos à mesa do Restaurante Farroupilha. Rodeado de amigos. Todo alinhado, como roupa passada e dobrada. Feliz e azul celeste. Eu lhe toquei com as mãos. “É, pé frio... Você veio. Agora que o Cruzeiro não ganha mesmo”, não deixei de repetir a brincadeira de sempre. Ele abriu um sorriso solto como as cinco estrelas na camisa.

A noite caiu linda. Ainda na esplanada, eu, Geisa, Bernardo e Vovô Jairo paramos para uma foto. Atravessamos as catracas do setor Vermelho Superior até iniciarmos a subida das escadas. Quem não se emociona quando atinge a boca da arquibancada e vê a imensidão do gramado emoldurado pela Nação Azul?

O escrete de Leonardo Jardim entrou em campo sob uma festa primorosa. Cantávamos “a imagem do Time do Povo Mineiro resplandece”, quando a fumaça azul e branca transformou tudo em mágica. Enlouquecido de amor pelo Cruzeiro, peguei Vovô Jairo e o joguei para o alto. Estávamos prontos para pelear contra o líder do certame brasileiro.

Não tive tempo nem de sofrer. O Cruzeiro foi avassalador. Kaio Jorge! Beijei o sorriso lindo da minha menina e abracei todos os (des)conhecidos ao redor, como é costume nas arquibancadas quando se explode em gol.

Kaio Jorge de novo! Já tínhamos dois tentos de frente com poucos minutos de peleja. Parecia um sonho! Foi quando me agarrei a Vovô Jairo, o rodei e o joguei para o alto. O nosso Cruzeiro voltou.

O gol do Palmeiras veio para me apavorar. Pessimista por natureza que sou, temi pelo pior. Implorei pelo apito derradeiro, pois essa história não merecia um final triste. O árbitro pediu a bola.

Punhos erguidos. Olhos umedecidos. Vovô Jairo no meu ombro...

***

Jairo Antunes, o Vovô Jairo, faleceu no dia 22 de dezembro de 2024. No último domingo, completaria 77 anos de uma vida que viveu intensamente. Foi uma honra levar sua camisa do Cruzeiro até o Mineirão. Seja onde estiver, ele continua o pé quente que sempre foi.

 

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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