Jogador do Cruzeiro Matheus Pereira  -  (crédito:  Ramon Lisboa/EM/DA Press)

Jogador do Cruzeiro Matheus Pereira

crédito: Ramon Lisboa/EM/DA Press

 

“Um time não pode depender só do camisa 10.” Meu pai, o cruzeirense-corneteiro Zé Paulo, possui dezenas dessas teorias boleiras. Esta, talvez, seja a menos furada. Em um esporte coletivo, o time não pode ter como diferencial apenas um componente, sob o risco de se tornar presa fácil quando esse estiver ausente. Mas meu velho que me perdoe... No estado de alegria que nós, cruzeirenses, voltamos a estar, a minha resposta é: NÃO ESTOU NEM AÍ..rs!

Como é extraordinária a sensação de ver um craque de bola envergando a camisa 10 do Cruzeirão!

A posição de “camisa 10” tem toda uma ligação com a escola do futebol-arte que marcou o Cruzeiro a partir da década de 1960. Da classe no tocar a bola. Do antever a ação a ser executada antes da bola chegar ao domínio dos pés. Do “quem pede recebe; quem desloca tem a preferência”. Do ser genial. Do ser magistral.

 

 

A expressão boleira “camisa 10” é quase um apelido para as variações de “meia esquerda” ou “ponta de lança”. Ela define o armador clássico. Aquele que possui habilidade com os pés acima da média; visão de jogo extraordinária; pensamento surpreendente capaz de lançamentos inexplicáveis pelas leis da física e ao mesmo tempo, capacidade de marcar gols de placa, como o anotado por Matheus Pereira, no último sábado, ao deixar dois marcadores sentados no chão.

Porém, o 10 pregado às costas do Manto Sagrado é apenas um simbolismo numérico, pois, na verdade, na história do Palestra/Cruzeiro, essa função foi ocupada por grandes nomes mesmos nos idos tempos em que nem se usava a numeração no uniforme (que só foi obrigatória a partir da década de 1950). Também porque, depois disso, muitos desses armadores clássicos, apesar de desempenharem a “função do 10”, vestiam outra numeração às costas.

Um bom exemplo é do “camisa 8” Marco Antônio Boiadeiro, um dos mais habilidosos armadores que já vestiram a camisa do Cruzeiro. Ele atuou de 1991 a 1993, chegando a defender a Seleção Brasileira nesse período. “Boi, Boi, Boi / Boi, Boiadeiro / Vê se faz um gol / pra torcida do Cruzeiro / E se não fizer / não tem problema, não / toca pro Renato / o terror do Mineirão.”

A garganta (pausa: se a crônica fosse dos atleticanos, estaria escrito aqui “caixinha JBL”) chega a doer só de lembrar quantas vezes cantamos essa música no Mineirão, durante a épica conquista do bicampeonato da Supercopa Libertadores de 1992.

Na Academia Celeste de 1966, era Dirceu Lopes, o “Príncipe”, que envergava o número 10 de pano azul costurado na camisa branca, mas muitas das vezes, Tostão, o “Maioral”, com a 8, desempenhava a função de armar. Fazia isso até mesmo sem a bola nos pés.

Na Máquina Azul da Libertadores de 1976, a camisa 10 ficou com o maior ponta-esqueda da nossa história: Joãozinho, “O Bailarino”. Mas a função de armação ficava com Eduardo Amorim, o “Rabo de Vaca”.

Já nos tempos modernos, das numerações com cara de time de basquete (01, 50, 99 e outras barbaridades), o simbolismo da “camisa 10” também teve seus craques, como Everton Ribeiro, no surpreendente Cruzeiro tetracampeão brasileiro.

Mas, obviamente, também tivemos armadores geniais que propriamente vestiram o número 10. Palhinha foi o maestro do escrete que consolidou a década de ouro do Cruzeiro, a dos anos de 1990.

Mas dentre todas as definições modernas do verbete “camisa 10” nos dicionários da boleiragem, o mais fidedigno é: Alexsandro de Souza, Alex “O Talento”. Sua idolatria é tamanha que antes mesmo da torcida nas arquibancadas eram os próprios números às suas costas que pareciam vibrar a cada passada desse gênio da bola.

Matheus Pereira ainda possui uma longa e incerta caminhada para (talvez) entrar nesse seleto escrete. Mas esse menino-moleque-cruzeirense, vestindo a nossa camisa 10, já devolveu à Nação Azul a sensação de que finalmente o Cruzeiro voltou! Tem feito isso com sua perna esquerda, uma espécie de varinha a bater em uma cartola, de onde tira raposas, passes, assistências e gols. Esse é Matheus Pereira, o “Mágico Azul”.