Leon Myssior
Leon Myssior
Leon Myssior é Arquiteto e Urbanista, sócio da incorporadora CASAMIRADOR, fundador do INSTITUTO CALÇADA e acredita que as cidades são a coisa mais inteligente que a humanidade já criou.
GELEIA URBANA

Sobre cotas, regras e zoneamento

Quando as regras espantam a espontaneidade, as relações precisam ser mediadas por regras draconianas e autoritárias, impostas e mantidas pelo poder público

Publicidade

Mais lidas

O primeiro caso de zoneamento do solo foi criado em uma pequena cidade da Califórnia (Modesto), em 1885, como uma medida “legal” para impedir a instalação de negócios chineses em bairros (mantendo nas periferias). Com o “sucesso” da medida, a “proibição legal” ganhou corpo e passou a limitar a construção de prédios com múltiplas habitações e edificações de uso misto nos bairros residenciais (a partir do advento do zoneamento, exclusivamente residenciais, e unifamiliares). Com essa restrição, “conquistaram” a segregação por nível social, impedindo habitações de mais acessíveis para as populações de menor poder aquisitivo. De quebra, mantiveram longe as famílias negras vindas do Sul em busca de melhores empregos (falei disso no texto de maio de 2025).

Fique por dentro das notícias que importam para você!

SIGA O ESTADO DE MINAS NO Google Discover Icon Google Discover SIGA O EM NO Google Discover Icon Google Discover

Vendida como uma moderna ferramenta para organizar o território, o mito do zoneamento é pura instrumentalização “legalizada” da segregação enquanto política urbana.

Em um caso descrito por Malcom Gladwell em “O outro lado do ponto de virada”. “No fim da década de 1940, um grupo chamado Palo Alto Fair Play Comittee passou a se preocupar com a situação imobiliária de sua cidade. Negros estavam se mudando para a área, e um dos poucos lugares onde podiam morar era um trecho densamente povoado da Ramona Street, na parte mais antiga da cidade. Os membros do comitê levaram em consideração a crise que ocorria em outras cidades americanas e resolveram que em Palo Alto seria diferente.”

"Não tínhamos ilusões sobre solucionar o problema imobiliário, mas queríamos tomar alguma atitude", diria Gerda Isenberg, uma das líderes do grupo, muitos anos depois. "Eu tinha tanta noção sobre como organizar aquilo quanto de como mandar o homem à Lua. As reuniões eram um pesadelo. Meus advogados disseram que era melhor desistir."

Mas o grupo insistiu. Outro membro do comitê, um estudante negro chamado Paul Lawrence, que fazia pós-graduação na Universidade de Stanford, recebeu a tarefa de encontrar um terreno. Localizou um espaço próximo a uma fazenda de produtos lácteos na fronteira da cidade. O preço foi 2.500 dólares. Dez membros do grupo colaboraram com 250 dólares cada. Dividiram o espaço em 24 lotes residenciais e um parque, e elaboraram um conjunto de regras.

Os lotes do terreno seriam divididos em três, seguindo rigidamente a Lei do Terço Mágico: uma proporção igual de brancos, negros e asiáticos. Proprietários negros só poderiam vender para negros, brancos só poderiam vender para brancos e assim por diante. Foi acordado que a população negra jamais passaria de um terço dos residentes.

A comunidade chegaria ao limite do ponto da virada, mas não o ultrapassaria.

Uma fileira de pequenos imóveis foi construída ao longo da rua. Os primeiros moradores foram Ethel e Reo Miles, negros.

Os segundos foram Elizabeth e Dan Dana, brancos. Os terceiros foram Melba e Leroy Gee, asiáticos. Para maximizar o contato entre os grupos, duas famílias da mesma etnia não podiam ser vizinhas de porta.

Os moradores se reuniam mensalmente.

Marcavam eventos sociais. Os homens saíam juntos para caçar. "Quando me mudei para o bairro, fiquei muito impres-sionado", disse um morador. "Vizinhos de todas as cores vieram, carregaram meus móveis, me ajudaram a guardar as coisas. As mulheres da vizinhança levaram minha esposa para tomar chá enquanto os homens me ajudavam a ajeitar a casa."

Isso aconteceu na década de 1950: em algumas partes dos Estados Unidos, racistas brancos colocavam fogo nas casas de pessoas negras que ousavam viver perto deles queimavam cruzes em seus gramados, atiravam pedras em suas janelas. O bairro Lawrence era uma tentativa de mostrar ao mundo que diferentes etnias podiam viver em harmonia.

Mas o experimento era sustentável? Os moradores das áreas próximas achavam que não. O bairro Lawrence tentava fazer brancos, negros e asiáticos morarem lado a lado. Por quanto tempo isso daria certo?

Enquanto havia as regras, irredutíveis e nada maleáveis, sem qualquer espaço para a espontaneidade, enquanto draconianamente observadas, a bolha se manteve estável, a comunidade de 24 famílias manteve a coesão.

Até perder.

A conclusão (a minha, ao menos, após 35 anos), é que apenas um sistema de poucas (muito poucas) regras, onde essas (regras) sejam obstinadamente claras e objetivas, e estimulem a espontaneidade, pode prosperar, se desenvolver e se regenerar continuamente.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

Tópicos relacionados:

california estados-unidos literatura

Acesse o Clube do Assinante

Clique aqui para finalizar a ativação.

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay