As "cidades-esponja" dão adeus ao seu criador
As cidades perdem a principal mente por trás das "cidades-esponja", com a morte de Kongjian Yu num acidente de avião em Mato Grosso do Sul
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Havia um rio, um rio qualquer num país qualquer. À beira desse rio, uma vila se formou. Vilas evoluíram para cidades, e algumas cidades para metrópoles.
Nesse processo, as cidades despejaram, por décadas, séculos, seu esgoto nesse rio, até que o próprio rio se transformasse num esgoto a céu aberto.
A segunda metade do século XX precipitou a convergência entre uma demanda inesgotável por cada vez mais vias para automóveis, com os canais de esgoto a céu aberto. Dessa convergência nasceram as avenidas sanitárias, figura inescapável da infraestrutura urbana, transformando um sistema vivo de artérias e veias num sistema de tubulações rígidas e escondidas.
Maiores - e mais espalhadas - as cidades, maior a área impermeabilizada, e maior o volume de água pluvial a ser recolhida e transportada de forma eficiente. Mas, se o sistema vivo, expansível, adaptável e regenerativo foi substituído por um sistema rígido e limitado, o caos passa a ser uma constante, com alagamentos, prejuízos e riscos à população em todos os pontos desse sistema que não estejam corretamente dimensionados (e superdimensionados, para ocorrências extraordinárias).
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Isso tudo parece meio óbvio, mas chegamos até aqui trocando conhecimento vernacular e bom senso por diretrizes de gestão urbana centradas em carros, mas desprezando a água.
Embora antigo, esse debate ganhou importância pelas mãos de um Arquiteto e Urbanista nascido em 1963 na vila Dongyu, Jinhua, província de Zhejiang, China, numa família de agricultores. Kongjian Yu, professor da Universidade de Pequim e diretor do escritório de arquitetura paisagística Turenscape, concebeu o conceito das “cidades-esponja”, onde a água, ao invés de ser transportada, deve ser absorvida prioritariamente onde cai.
Para isso, a necessidade de criação de um tipo de infraestrutura urbana focada com alta capacidade de absorção, como parques alagáveis (áreas verdes projetadas para serem alagadas, com passarelas suspensas), telhados verdes (edifícios com jardins nos tetos), calçamentos permeáveis (pisos com material poroso, sobre terra) e praças-piscina (áreas esportivas e de lazer que, nos dias de chuva, se comportam como reservatórios temporários), tudo em grandes escalas, escala de cidade.
Inteligente, não? reter e resolver ao invés de transportar.
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E tem sido, pelas pranchetas de Kongjian Yu e da Turenscape que cidades chinesas e europeias tem superado o desafio do crescimento, da drenagem urbana e dos eventos de tempestades torrenciais, prevenindo enquanto embelezam as cidades, ao invés de corrigindo e lamentando desastres e tragédias evitáveis.
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E foi para falar sobre o conceito - e os casos - das “cidades-esponja” que Kongjian Yu veio ao Brasil, para a Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, com uma apresentação na abertura no evento ocorrido em 19 de setembro no Parque do Ibirapuera, no Pavilhão da Oca, cujo tema central foram os desafios da vida urbana contemporânea como habitação, mobilidade, inclusão social e integração com a natureza.
A vinda de Kongjian Yu coincide com um momento em que as cidades brasileiras, ainda sob os impactos das enchentes de Porto Alegre (RS), se voltam para abordagens como as - suas - “cidades-esponja”, com o olhar grave de quem insistiu nas mesmas técnicas por décadas, sempre esperando resultados diferentes.
Fica aqui a torcida para que o terrível acidente que resultou na morte de Kongjian Yu, na queda de um avião no Mato Grosso do Sul, funcione como uma fagulha para que as cidades brasileiras se inspirem em seus projetos ensinamentos.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.