Leon Myssior
Leon Myssior
Leon Myssior é Arquiteto e Urbanista, sócio da incorporadora CASAMIRADOR, fundador do INSTITUTO CALÇADA e acredita que as cidades são a coisa mais inteligente que a humanidade já criou.
GELEIA URBANA

A sabedoria de Dona Maria Carmen

Quem nasce numa gaiola acha que está protegido, e não percebe que está confinado

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Conheci Dona Maria Carmen nos idos de 2008. Mulher da maior inteligência e ponderação, Dona Maria Carmen era da família a quem pertenciam as terras ali ao lado de onde está, hoje, a Arena MRV, no bairro Camargos, em Belo Horizonte.

Naquela época, muito antes de existir a Arena, concebemos um Centro de Convenções do porte do Anhembi, pensando na vocação de Belo Horizonte para o turismo de negócios.

Teve estudo de arquitetura, diagnósticos de todos os tipos, pesquisa de mercado, project finance e algumas viagens para visitar e conhecer equipamentos semelhantes no sul, sudeste e nos EUA.

Não houve tração suficiente e o projeto atolou e morreu, mas foi um período de grande aprendizado. Dentre o que então aprendi, um pensamento de Dona Maria Carmen sobre o insucesso do empreendimento me marcou.

Segundo Dona Maria Carmen, a culpa é da Serra do Curral, que está logo ali, muito perto, e “não deixa com que a gente veja longe, e a gente se acostuma a ter um olhar curto, poucas ambições, perde a vontade e aceita qualquer coisa, e de qualquer jeito”.

Não gostei de escutar, porque sempre adorei a Serra do Curral mas, sobretudo, porque eu sabia que Dona Maria Carmen tinha toda a razão, porque a Serra não iria sair dali, porque eu estava assistindo a cidade piorando a olhos vistos, os prédios cada dia mais feios, o planejamento urbano cada dia mais engessado, o planejamento urbano cada dia mais na mão dos engenheiros de tráfego (e não dos urbanistas).

Mas ela estava certa, certíssima. Estamos longe do mar, e insulados de outras culturas, com um horizonte curto por entre os nossos mares de montanhas, com um pôr do sol que chega sempre antes, porque vai se esconder cedo atrás das serras. Estamos longe do mar, e das culturas estrangeiras que passam pelos portos; a vontade de abraçar o mundo e se lançar não existe, e amedronta o belorizontino. Aqui, o que a gente procura é se proteger, e se cercar de segurança, de velhas ideias, daquilo que já deu certo. O estrangeiro assusta, a ousadia ofende, as novas ideias são recebidas com um nariz torcido.

Sim, a Serra do Curral pode ser um abraço e uma muralha de proteção, mas não deixa de ser um muro que isola, da mesma forma que uma gaiola protege o passarinho do gato; o passarinho vive, mas… Engraçado porque houve uma época em que a Serra do Curral não afastou os forasteiros, nem as boas ideias, nem os estrangeiros. Belo Horizonte cresceu, muito, cresceu rápido e cresceu com qualidade e ousadia, com seus 70 quilômetros de trilhos interligando toda a cidade com uma rede de bondes que poderiam ser, hoje, uma rede ainda maior de VLTs e metrô. Cresceu com belos exemplares da arquitetura art déco, neoclássica, moderna e brutalista, em ruas extensamente arborizadas, praças e parques.

E foi assim até a cidade alguma coisa acontecer nos anos 1970 e 1980. O pano de fundo pode ter sido ideológico, com gente que confundiu utopia com conhecimento, mas também pode ter sido a transição, de gerações empreendedoras e ousadas, de gente sem medo de fazer direito e orgulhosa de suas realizações, para uma geração acomodada, assustada e sem coragem. Difícil saber.

De lá para cá, planos diretores errados, provocando o espalhamento, o desadensamento e o encarecimento dos lotes e dos apartamentos produzidos, empurrando as classes mais baixas para muito longe do centro, não para bairros afastados, mas para outros municípios.

Se a nossa população se mobiliza, hoje, por meia dúzia de árvores arrancadas, por trechos de ciclovias, por mais vagas de estacionamento, ao invés de se mobilizar por questões modernas e realmente importantes, ou por uma visão de futuro melhor, algo precisa ser feito, e urgentemente.

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O tempo não para, e não fazer nada já é um atraso danado, porque as cidades do planeta estão em busca de se tornarem cada dia mais atrativas para atração de novos moradores, de pessoas inteligentes. O tempo não para, para ninguém.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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