
Cidades vencedoras e perdedoras, cidades que atraem e que expulsam
Viver numa cidade boa pode ser estimulante e prazeroso; numa ruim, apenas estressante e cansativo, mas na disputa por bons cérebros, apenas as boas cidades tem
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Não faltam declarações e trabalhos sérios mostrando que prédios murados segregam, isolam os pedestres e contribuem para a insegurança pública. Não faltam, também, informações dando conta que apenas o uso misto consegue garantir segurança, vitalidade econômica e social para os bairros.
O nível de informação disponível hoje é de tal ordem que é mais difícil ser desinformado do que mal informado, ou até mesmo bem informado (a diferença entre mal informado e bem informado está mais na curadoria e baixa doutrinação do que na dificuldade em acessar informação de qualidade).
Mas foi no livro que tem “feito a minha cabeça” nos últimos tempos (“Metrópole: A história das cidades, a maior invenção humana” por “Ben Wilson) que achei uma citação que, além de confirmar a lógica, faz todo o sentido: a importância dos bares, dos cafés e dos clubes sociais na vida social da cidade.
“Em 1737, estimava-se que existiam 531 cafés na cidade, mas também 207 estalagens, 447 tavernas e 5975 cervejarias, ou seja, um estabelecimento licenciado para cada 13,4 residências particulares em Londres. E isso não incluía cerca de 7 mil locais que vendiam gim entre as décadas de 1720 e 1750. De forma muito semelhante aos cafés, os pubs de Londres eram espaços de convívio, conversa e notícias; eram bolsas de emprego para todos os tipos da cidade, incluindo mercadores e profissionais liberais, pequenos comerciantes, artesãos e trabalhadores em geral. Além disso, uma das principais funções dos pubs era abrigar clubes nos fundos de suas dependências. O início do século XVII viu uma proliferação de clubes onde pessoas de todos os tipos podiam se associar e beber um bocado. Havia o Clube do Peido, o Clube dos Feios, o Clube dos Pequenos (para homens com menos de 1,5 metro), o Clube dos Altos, o Clube da Luta, o Clube dos Gordos, o Clube dos Caolhos, clubes para pessoas de nariz grande e assim por diante. Havia clubes literários, científicos, políticos e filosóficos.”
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Mas não apenas os bares, cafés e clubes sociais importavam. Importava é que fossem muitos e estivessem entremeados e distribuídos pelo uma cidade dotada dos demais equipamentos urbanos e institucionais: “Um arquiteto da época chamou o planejamento urbano georgiano de “teatro do mundo educado”, uma série de praças, ruas, jardins, parques, cafés, centros de convenções, teatros, museus, igrejas e passeios que coletivamente compunham uma esfera pública civilizada, que incentivava a sociabilidade e o convívio.”
Embora os clubes sociais já tenham ficado, de uma forma geral, para a história (exceto, talvez, na Inglaterra), os locais de convívio continuam tão ou mais relevantes na vida de uma cidade, influenciando até mesmo a sua atratividade para novos moradores, e para os ecossistemas integrados por startups, pesquisa e desenvolvimento, ensino e novos negócios: “A energia que impulsiona a economia do século xxi vem da conectividade — da velocidade de seus downloads e da capacidade de seus aeroportos, que determinam o acesso de uma cidade aos lucrativos e inconstantes fluxos globais de conhecimento, pessoas, capital e dados. Um dos lugares mais poderosos do planeta é o Vale do Silício, que prospera por causa das mentes, não das coisas. E o que o torna bem-sucedido é o empreendedorismo gerado pelo contato cara a cara e pelo networking. Apesar de o Vale do Silício produzir tecnologias de comunicação virtual de longa distância, o ciberespaço não suplantou o espaço da cidade. A competição por talentos exigiu que as cidades criassem um ecossistema urbano adaptado especificamente à economia do conhecimento. Elas precisam ser capazes de oferecer cafés e restaurantes de primeira qualidade, internet rápida e aeroportos eficientes; precisam de boutiques, comida de rua, vitalidade cultural, feiras de agricultores, eventos esportivos de alto nível, entretenimento ininterrupto e uma vida noturna vibrante; e devem oferecer bairros elegantes, uma bela paisagem urbana, boas escolas, transporte eficiente, ar puro e universidades dinâmicas. As cidades devem ter uma estratégia publicitária agressiva que as venda como lugares desejáveis e estimulantes para se viver e trabalhar, exibindo seus ativos em fotos brilhantes, vídeos promocionais e filmes, tudo isso para obter a maior de todas as mercadorias: o capital humano.”
E segue com números impactantes (e verdades inconvenientes): “Um punhado de regiões urbanas espalhadas pelo mundo — contendo pouco menos de 20% da população mundial — gera 75% da produção econômica global. Essas mesmas cidades monopolizam novas patentes tecnológicas, digitais e farmacêuticas, inovações relacionadas a software, entretenimento, finanças, seguros e pesquisa. Com grande parte da riqueza do globo concentrada em poucas áreas urbanas, as cidades tornaram-se mais uma vez os motores da prosperidade global. No passado, cidades como Lisboa, Lübeck, Bagdá ou Amsterdam prosperavam quando conseguiam atrair rotas comerciais para dentro de sua órbita; hoje, as cidades se sagram incrivelmente bem-sucedidas quando são capazes de atrair, e de continuar atraindo, o intangível: indivíduos talentosos, startups de tecnologia, serviços financeiros, fluxos de dados e investidores do mercado imobiliário.”
E, se o principal fator gerador de riqueza é o capital humano, como ignorar que as cidades estejam, efetivamente e há vários séculos, numa competição aberta para atração de cérebros, de talentos, e do melhor material humano possível?
Pode ser que a maior parte dos prefeitos e vereadores brasileiros ainda não tenha percebido a competição em curso. Continua acreditando que o seu trabalho se limite à uma zeladoria básica, algum “pão e circo" (uma virada cultural ou um show de réveillon), aquele mínimo constitucional de equipamentos de educação e saúde, aquele transporte público à beira da indigência, aquela mobilidade zumbi. Sintomas dessa doença são a diminuição da população e o encolhimento do PIB per capita, fechamento de negócios, o êxodo de talentos, possivelmente um aumento da insegurança pública.
A estratégia mais comum nas últimas décadas tem sido fomentar cursos de formação em convênios com o poder público (governos recorrendo ao poder público, ignorando o setor privado), imaginando que a ampliação da oferta de formação técnica e profissional colocará a roda da vitalidade em marcha.
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Mas não é assim que acontece; a realidade é outra, e começa com as boas cidades atraindo bons cérebros e bons braços, empresas sendo criadas ou se mudando para essas cidades - atrás dos cérebros e braços, comércio e o serviço prosperando, numa espiral positiva e crescente.
Está se perguntando o que são “boas cidades"? Pense em cidades bonitas, com boa arquitetura, limpa, espaços de lazer, praças, parques, espaços e equipamentos culturais, diversidade, facilidade de negociar, mobilidade e segurança. Pense na Belo Horizonte das décadas de 1940 a 1970, talvez 1975.
A beleza disso tudo é que, da mesma forma que um prefeito ruim (com um legislativo municipal fraco) estraga uma cidade num mandato, um prefeito muito bom e um legislativo municipal porreta mudam - para melhor - uma cidade, no mesmo prazo.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.