BRT significa Bus Rapid Transit, um conceito originalmente implantado em Ottawa, no Canadá, ainda na década de 1970, mas cuja grande vitrine fica no Brasil, ali em Curitiba. Como todo sistema, exige a combinação de vários “componentes” para funcionar bem e entregar um bom volume de transporte numa intensidade determinada, e com uma boa dose de regularidade nos horários.
Os principais componentes do sistema são as pistas segregadas em corredores rápidos e de alta capacidade, os equipamentos especiais (ônibus bi e tri-articulados) e as estações com cobrança antecipada, construídas para operar em nível com os ônibus.
O ideal são rotas mais longas e menos paradas, menos cruzamentos e menos sinais de trânsito, sem os quais o sistema padece, inexoravelmente, dos mesmos sintomas que o restante dos veículos: um eterno arranca, freia e espera, engarrafamentos, imprevisibilidade, falta de regularidade nos horários. Todos os componentes do sistema precisam estar presentes, nas condições idealizadas e no padrão exigido.
E, como os ônibus bi-articulados (ou tri-articulados) são pensados para corredores longos, não funcionam num sistema viário tradicional, cheio de cruzamentos, pistas estreitas, não exclusivas, sinais de trânsito a cada esquina, estacionamentos, entradas e saídas de garagem. É meio como colocar um transatlântico na Lagoa da Pampulha.
Imagine o quão sedutor o sistema do BRT não pareceu aos olhos de administradores municipais em cidades desprovidas de sistemas de metrô subterrâneo (aquele que é, de verdade, o único sistema de transporte público de massa por excelência, e que permite a redução do sistema viário), sobretudo em países pobres e em desenvolvimento? Não por acaso, a maior parte desses sistemas estão implantados na América Latina.
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Só tem um detalhe: como todo sistema, há um limite de flexibilidade, adaptação e avacalhação possíveis, além dos quais o sistema deixa de funcionar como idealizado, e com a performance necessária. Se Medellín, com seus corredores e viagens longas e rápidas, é um bom exemplo, Belo Horizonte é a antítese, tal a falta de critério, o volume de adaptações e a avacalhação no sistema implantado).
Ônibus normais se movimentam a velocidades médias que variam entre 6 e 10 km/hora, enquanto um bom sistema de BRT deve se movimentar a 35 km/hora, mas apenas se todos os seus componentes estão certinhos e bem dimensionados. Se, ao invés de rotas exclusivas e segregadas em corredores de alta velocidade, você utiliza as ruas da cidade, a velocidade média passa a ser a mesma dos ônibus, e já não há qualquer benefício e, no final do dia, ao invés de um sistema, o que se tem são caminhões disfarçados de ônibus, com câmbio manual, piso alto e suspensão dura. No final do dia, o que sobra é a mesma baixa qualidade, mas com equipamentos mais longos e mais impróprios para o trânsito.
E, como o município já gastou um dinheirão e décadas evitando encarar de frente um sistema de metrô subterrâneo, a mobilidade não avançou, o investimento se perdeu e as cidades estão ainda mais defasadas e obsoletas em termos de mobilidade.
O que o gestor teima em não compreender é que medicar sintomas e curar a doença são coisas diferentes. A insistência em, ao invés de tratar, apenas medicar os sintomas (sem realizar as intervenções necessárias), levará o paciente à invalidez, ou à morte. É somente uma questão de tempo. O BRT está para a mobilidade das cidades como a medicação de sintomas para a saúde: mascara a doença, desperdiça tempo, desperdiça valiosos recursos e manda a mensagem errada. Pior, sem a menor chance de solucionar o problema real.
O que as cidades brasileiras sempre precisaram era de redes de metrô subterrâneo, aliadas a sistemas auxiliares para a “última milha”; ao invés, receberam apenas os sistemas de “última milha”, assim em versões desidratadas e avacalhadas, como se fossem a espinha dorsal de um esqueleto que, natural e previsivelmente, não tem como parar em pé.
O Brasil tem 50 anos de BRT, e todas as cidades que investiram no BRT atrasaram (ou dispensaram) os investimentos em suas redes de metrô subterrâneo, apenas para, hoje, constatarem o tempo perdido e a urgência de sistemas de metrô. O paralelo com a medicina e a saúde é mais do que apropriado. Afinal, as cidades são organismos complexos e “vivos”, se considerarmos seu dinamismo, os impactos de um sistema em outros sistemas, as ações e reações desencadeados a cada instante.
A título de comparação, num tema menos árido, imagine uma medicina dedicada não ao tratamento das doenças, mas atuando apenas nos sintomas. Poderia ser pela simples razão de que medicar os sintomas seja muito mais lucrativo para a big pharma, mas pode ser, também, por conta de uma política de importação de profissionais sem formação adequada, formados em cursos insuficientes, obsoletos, com bibliografia do século passado.
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Num caso ou noutro, são escolhas e políticas de Estado, a opção por soluções 'milagrosas', rápidas e baratas, apenas porque o público não tem conhecimento suficiente para distinguir uma coisa da outra, não é certo. Nos tornamos PHDs em projetos criados para distrair ou para campanhas políticas, com foco em medidas pequenas, de curto (ou nenhum) alcance, cortinas de fumaça que empurram o problema para a frente, desperdiçando décadas e recursos públicos.
Recebi, recentemente, um “meme” que diz que os cargos eletivos são como um grande concurso público onde, ao contrário de qualquer outro concurso público ou contratação privada, os candidatos não precisam ter qualquer qualificação geral, específica, titulação ou, sequer, qualquer experiência. Assim é a democracia, o sistema em que pessoas capazes ajudam a selecionar pessoas despreparadas para tarefas importantíssimas e com impacto na vida de todos.
Mas essa é a regra, e não há o que discutir. O que nos sobra é uma torcida para que sejam, pelo menos, corajosos.