Torcida do Galo fez a festa no Morumbi, na vitória sobre o São Paulo por 1 a 0, pelas quartas de final da Copa do Brasil de 2024 -  (crédito: Pedro Souza/Atlético)

Torcida do Galo fez a festa no Morumbi, na vitória sobre o São Paulo por 1 a 0, pelas quartas de final da Copa do Brasil de 2024

crédito: Pedro Souza/Atlético

Tantas décadas de estádio de futebol, e precisei do alerta de um amigo, no Morumbi, quarta-feira passada: “Você já experimentou xingar o torcedor adversário na divisa da arquibancada?”. Segundo ele, existiria algo de terapêutico na vociferar ensandecido de todos os impropérios. “É como cachorro no portão. Ele late daqui, o outro late de lá, e os dois ficam satisfeitos.” Eu estava próximo à estrutura de vidro que separava as torcidas. Não é de hoje que preciso de terapia, reconheço. Resolvi experimentar.

 

 

Bem perto do vidro, apenas o cordão de policiais a nos separar, fiz como um bolsominion, preenchendo de ódio o coração carcomido desse atleticano sofredor. Lati alto e forte, igual um cachorro louco: “%$#%$@#%&*@&%!!!”. A gratuidade daquele discurso desprovido de qualquer virtude incendiou o canil do outro lado do vidro, como se fosse um canavial no interior paulista.

 

Coitada da senhora minha mãe. Também faltariam orifícios para as variadas sugestões da turba adversária, naquela triste manifestação da virilidade dos machos, a prova de que o problema reside mesmo no patriarcado. Vencidos pelo ar rarefeito de nossos pulmões esfumaçados, sentamos enfim, pacíficos e realizados, cada um na parte que lhe cabia daquele incrível latifúndio.

 

 

Sim, o Morumbi é incrível. Nem vou chamá-lo de MorumBis, esse infame trocadalho, pra não estragar sua condição de estádio-raiz, de concreto sujo e comida porca, o povo saindo pelo ladrão, de bombeta e camisa falsificada. Que sorte deu o São Paulo quando escapou de ver o estádio transformado em “arena” para a Copa de 2014, quando os políticos preferiram dar ao Corinthians o seu presente de grego. E assim se foi o Pacaembu, ainda melhor que o Morumbi, hoje uma festa para 40 mil todo santo jogo.

 

A gente há de convir que o sujeito que fica viajando atrás de time de futebol tem um grauzinho a mais na escala Richter do mais doidão. De modo que só tem maluco quando o Atlético joga fora de casa. Junte-se a isso o Morumbi, e se eu fosse você guardava dinheiro para a peculiar aventura de ver o Galo por essas plagas onde estou exilado há 28 anos. Vale, vale!

 

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Ainda mais que somos agora essa pedra na chuteira do São Paulo. A coisa não tá legal, tem uma crise qualquer, vai cair o professor? A sorte grande é aparecer o São Paulo, esse apaziguador de ambientes, esse Bom Ar para todas as merdas.

 

O problema desse pessoal com a gente começa com um trauma: o segundo jogo das oitavas de final da Libertadores de 2013, aquele Atlético 4 São Paulo 1, disputado no Independência com hat-trick do Jô e o Ronaldinho comendo a bola. “O maior amasso do qual fomos vítimas em toda a nossa história”, disse um influencer são-paulino, a lamentar o sorteio que de novo botava aquela pedra no meio do caminho.

 

Se o Galo tirar o São Paulo, a freguesia se confirmará e não terá sido nada menos do que merecimento. Um acerto de contas com o passado, quando o São Paulo deu início ao período de perseguições e “azares” que fizeram do atleticano o sofredor em estado de arte.

 

 

No Brasileiro de 1977, terminado em março de 78, o Galo tornou-se o primeiro e único vice-campeão invicto, com 10 pontos a mais do que o São Paulo. Obviamente, o campeonato não era de pontos corridos. Numa manobra de bastidores que visava punir o jogador que passara a erguer o punho cerrado contra a ditadura, Reinaldo foi suspenso da finalíssima. No mais justo dos critérios, sua média de gols aquele ano jamais foi superada. Perdemos nos pênaltis, em pleno Mineirão, naquele que o Rei considera “o dia mais triste da história de Belo Horizonte”.

 

 

O atleticano reserva o ódio do cachorro louco ao Flamengo, porque os assaltos de 80 e 81 foram de um descaramento pornográfico, filmados para um país inteiro sem tapa-sexo nem tarja preta. Mas é o São Paulo a pedra inaugural de toda a sacanagem que se fez com um dos melhores times da história do futebol mundial. Engolir sua torcida em pleno Morumbi, como fez na quarta a Galoucura, é só o justo acerto de contas que a história sempre reserva aos que ficam do lado certo. O Morumbi é nosso, tem que respeitar.