Renato de Faria
Renato De Faria
Filósofo. Doutor em educação e mestre em Ética. Professor.
FILOSOFIA EXPLICADINHA

Música para não desistir do Brasil

Assim me salvei da indústria fonográfica que serve capim sonoro a burros raquíticos, mas sempre famintos

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Enquanto o país se afoga em boçalidade, falcatrua, ignorância, perversidade, mesquinharia, terraplanismo e outras doenças do espírito, eu escolhi escutar Villa-Lobos ((1887-1959). Foi como recorrer àquele remédio antigo esquecido no fundo da gaveta: herança de bisavó para avó, que cheira a colo de mãe e funciona justamente porque não precisa de bula.

Triste constatar que as crianças passam pela escola sem ouvir Villa-Lobos. Talvez aí esteja a raiz da apatia coletiva, dessa insensibilidade que bloqueia qualquer sentimento real de pertencimento. Fosse eu presidente, decretaria: às seis da manhã, em vez de despertadores histéricos e jingles publicitários, todos acordariam com “O trenzinho do caipira”. Quem sabe, assim, aprenderíamos a ouvir antes de falar.

Villa-Lobos é o brasileiro que não cabe em caricatura. Entre torresmos, cachaças e violas, ele reaparece, com seu charuto aceso, soprando fumaça como quem sopra incenso. E essa fumaça não encobre — revela. Revela o peso de uma dívida impagável, de escolhas malfeitas, de um país que insiste em se desconhecer. Seus prelúdios são como espelhos: nos mostram o futuro que já está atrasado.

Ouvir Villa-Lobos é sentir na carne. E é por isso que dói pensar que nos acostumamos a uma dieta de sons enlatados, embalados em trinta segundos, prontos para serem engolidos sem mastigar. Música de micro-ondas para uma sociedade de microafetos.

O sábio, contudo, guarda sempre um Villa-Lobos à mão. Porque mesmo sem saber o caminho, é possível se orientar — como quem segue o compasso das águas de um rio, ou como quem se perde olhando uma lua cheia que insiste em nascer inteira, mesmo em noites de país mutilado.

Talvez seja por isso que essa noite eu tenha dormido melhor. Não porque Villa-Lobos seja calmante — ele não acalma, ele inquieta. Mas porque sua música é a lembrança de que a vida ainda pode ter profundidade.

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A filosofia sempre buscou responder ao que é a beleza e ao que é o bem. Talvez Villa-Lobos tenha dado sua resposta sem uma única palavra: beleza é o que nos salva do ruído, e bem é o que nos restitui humanidade.

Difícil não lembrar de Nietzsche: sem a música, a vida seria um erro.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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