Eleonora Cruz Santos
Eleonora Cruz Santos
Economista, com mestrado em Demografia, doutorado em Administração e pós-doutorado em Economia, trabalha como consultora para organismos internacionais, atuando nas áreas sociais, de mercado de trabalho, migração e desenvolvimento humano; também leciona p
Economês em bom português

Rosas, bombas e acordos

Penso na única e indelével experiência que o mundo assistiu, no final da Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos jogaram duas bombas atômicas no Japão

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Próximo ao final da Segunda Guerra Mundial, em meio à grande questão sobre “o que vamos fazer com tudo isso”, 44 países reuniram-se e traçaram as linhas do que acreditavam poder vir a ser a reconstrução da Europa, a retomada das atividades comerciais transnacionais e a estabilidade financeira. Essa discussão aconteceu na cidade de Bretton Woods, nos Estados Unidos, e deu nome ao acordo ali traçado. O mundo entrava em uma era de reconciliação entre parte das nações.

O Acordo de Bretton Woods tinha o objetivo de criar uma nova ordem econômica global pós-Segunda Guerra Mundial, que permitisse a estabilidade financeira, garantisse a expansão das trocas comerciais e os investimentos estrangeiros para reconstrução da Europa e para projetos voltados ao desenvolvimento de países mais pobres.

Bretton Woods deu origem ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento – atualmente parte do Banco Mundial – e estabeleceu o dólar norte-americano como principal moeda de troca. Em agosto de 1971, o presidente Nixon criou o que ficou conhecido como “Nixon Shock” – a suspensão da conversão do dólar em ouro para transações internacionais. Essa decisão deu fim ao sistema de Bretton Woods.

De forma análoga a Nixon, ouso dizer que o atual presidente dos Estados Unidos está criando o “Trump Shock”, que, dado o poderio norte-americano e a rede de interconexão constituída ao longo de décadas, impacta diretamente as relações comercias entre países, provoca instabilidade política, gera inflação e desconfiança devido à quebra de contratos e acordos entre Estados.

As práticas autoritárias são características comum entre aqueles para quem o poder parece intocável e infindável. Vale lembrar que, cerca de um ano após o “Nixon Shock”, o presidente Nixon renunciou em meio ao escândalo de Watergate. Já o atual presidente dos EUA pode se valer de uma era em que escândalos e fake news não mais abalam os princípios da ética e das boas práticas, já fragilizados em regimes democráticos cada vez mais desacreditados por suas próprias sociedades.

É nesse contexto de falta de princípios, de escrúpulos e da ausência de politicas públicas mais voltadas para o bem-comum que despontam déspotas e oportunistas disfarçados de salvadores da pátria. Mas engana-se quem pensa que eles surgem do nada: são construções estratégicas de longo prazo, estruturadas com requintes de frieza, manipulação e desmedida ambição pessoal.

O “Trump Shock” vem com outros requintes: cria falsas expectativas de apaziguamento na guerra entre Rússia e Ucrânia, no massacre de Israel contra a população de Gaza e, agora, traz riscos amplificados ao Oriente Médio, com possíveis efeitos mundiais, ao apoiar Israel em seus ataques ao Irã. Vale lembrar que Bush usou o argumento de enriquecimento de urânio para destruir o Iraque, deixando o país em situação caótica até os dias de hoje.

A discussão sobre o enriquecimento de urânio parece-me, à luz da minha ignorância sobre o tema, uma estratégia altamente sensibilizadora. Penso na única e indelével experiência que o mundo testemunhou, no final da Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos lançaram duas bombas atômicas no Japão. Lembro-me da poesia “Rosa de Hiroshima”, de Vinícius de Morais, transformada em música.

Quando os poderosos conseguirão pensar nas crianças mudas telepáticas, nas meninas cegas inexatas, nas mulheres rotas alteradas, nas feridas como rosas cálidas? Quando se lembrarão da rosa de Hiroshima, da rosa hereditária, da rosa radiotiva estúpida e inválida, da rosa com cirose, da antirrosa atômica, sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada?

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Outra rosa também marcou nossa história: Rosa Luxemburgo. Próximo do terceiro Natal que passava na prisão de Breslau, escreveu uma carta para uma amiga do qual destaco um trecho: “(...) estou aqui estendida, sozinha e em silêncio, enrolada no múltiplo e negro lençol da obscuridade desta prisão, em pleno inverno, contudo meu coração pulsa de uma alegria interior desconhecida e compreensível, como se caminhasse sob um sol radioso num prado em flor (...)”.

Rosa Luxemburgo perguntava-se o porquê dessa alegria interior e completa: “Não sei de outro segredo a não ser a própria vida”. Às vésperas de ser executada, Rosa foi capaz de sublimar a injustiça e a crueldade do poder em esperança. Em tempos de retomada de discussões sobre enriquecimento de urânio e de crescente impotência diante das desumanidades, sigamos o exemplo de Rosa Luxemburgo: sublimemos a dor em corações nutridos pela esperança, para dar sentido à vida.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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