
Mais lidas
compartilhe
SIGA NO

Por Isabel Gonçalves
A Fernanda sempre sonhou em fazer uma cirurgia plástica no nariz. Não era urgência médica, mas algo que ela queria há anos. Quando descobriu que existia consórcio para cirurgia plástica, achou que tinha encontrado a solução perfeita. “Se dá pra comprar carro e casa parcelando com consórcio, por que não dar um upgrade na autoestima?”, pensou.
A ideia parecia genial: parcelas acessíveis, sem juros e a promessa de que, em algum momento, receberia a carta de crédito para pagar o procedimento. Só depois ela descobriu que o consórcio pode ser tanto uma ferramenta financeira interessante quanto uma cilada para quem não entende como funciona.
O que é um consórcio?
No fundo, o consórcio é tipo uma vaquinha organizada. Várias pessoas se juntam em um grupo de consórcios, pagam parcelas todo mês e esse dinheiro vai para um fundo comum, administrado por uma empresa chamada administradora de consórcios. Mensalmente, alguém do grupo é contemplado e recebe a carta de crédito através de sorteio ou de lances tipo leilão.
A vantagem é que você não paga juros como no financiamento. Mas atenção: não quer dizer que é de graça. Existem taxas de administração, fundo de reserva e seguros que também podem pesar no bolso.
Cartas de crédito: o passe de mágica do consórcio
A carta de crédito é o grande objetivo de quem entra em um consórcio. Ela funciona como um cheque especial autorizado para comprar o bem ou serviço desejado. Se você foi contemplado, pode usar o valor integral e até negociar descontos com pagamento à vista.
O detalhe é que, na teoria, ninguém garante quando você vai ser contemplado por sorteio: pode ser logo no começo, pode ser no final. Para contornar isso e não ter que contar com a sorte, entram os lances.
O lance nada mais é que a oferta de um valor em dinheiro para antecipar a contemplação. E aí se você (ou seu gerente da administradora) for estrategista o suficiente, você consegue se organizar financeiramente para dar um lance e levar o dinheiro logo no início.
Vamos ver um exemplo:
Você é um consorciado que quer um carro de R$100 mil para ontem e por isso não pode contar com sorteio, mas você também não tem o dinheiro no bolso para dar um lance. O que muita gente faz é entrar em um grupo de R$300 mil e já na primeira assembleia oferece a diferença como lance, ou seja R$200 mil, o famoso lance embutido.
Se contemplado, você fica com os 100 mil reais para o carro e usa o resto para pagar o lance. Mas, como tudo na vida tem um custo, agora você vai ter que pagar taxa de administração, fundo de reserva e seguro sobre os R$300 mil, sendo que só precisava de um terço desse valor. Confuso né? Isso tudo é tipo um labirinto, então sua bússola financeira tem que estar bem calibrada.
A moda dos consórcios inusitados
Durante muito tempo, consórcio era sinônimo de carro zero e casa própria, os sonhos do brasileiro. Mas o mercado se reinventou e hoje dá pra fazer consórcio de tudo:
-
motos, caminhões e máquinas agrícolas (clássicos do transporte e trabalho)
-
eletrodomésticos e eletrônicos (da geladeira ao celular top de linha)
-
viagens (lua de mel, intercâmbio, mochilão)
-
festas (casamentos, aniversários de 15 anos)
-
serviços médicos e cirurgias plásticas (até implante capilar)
O que era vaquinha para comprar carro na década de 60 virou um cardápio de possibilidades. Isso tudo é uma forma de atingir mais consumidores e como não temos uma cultura de ser disciplinado o suficiente para guardar dinheiro, acaba sendo uma opção muito procurada. As empresas perceberam que se tem algo que o brasileiro adora é transformar desejo em boleto.
Consórcio de cirurgia plástica
Temos aqui duas coisas que os brasileiros mais amam, fazer um consórcio e cirurgia plástica. E todo mundo sabe que fazer um procedimento estético não é nada barato. Por isso, empresas de consórcio já oferecem cartas de crédito específicas para cirurgia plástica, de R$20 mil a R$40 mil que duram de 12 a 28 meses. Além disso, há também quem ofereça a opção de consorciar até um implante capilar.
Consórcio de celular
Com os smartphones cada vez mais tecnológicos, os preços também aumentaram. E aí até as operadoras entraram na jogada organizando consórcios. Com essa modalidade, é possível parcelar o seu Iphone que custa mais de R$5mil de até 36 vezes se nem pagar juros, apenas taxas de administração e os outros custos do consórcio.
Consórcio de festa de casamento
Agora você também encontra empresas em que pode fazer um consórcio de até 50 mil reais em 36 meses para pagar a sua festa de casamento. A diferença é que aqui, se a noiva já esperou muito para vir o pedido, tem que esperar ainda mais para ser contemplada com a carta de crédito.
3 pegadinhas do consórcio que ninguém conta
O consórcio é vendido como a forma mais inteligente de realizar sonhos sem juros. Parece lindo, né? Mas, como em qualquer produto financeiro, sempre tem aquelas letrinhas miúdas que ninguém destaca no comercial da TV. Aqui vão três pegadinhas clássicas que você precisa conhecer antes de entrar num grupo:
1. Nem sempre alguém é contemplado
O consórcio é um autofinanciamento, ou seja, as pessoas do grupo estão sendo financiadas umas pelas outras. O problema é que se muita gente parar de pagar e ficar inadimplente, o bolo de dinheiro encolhe.
Isso significa que, mesmo sendo um aluno aplicado que paga o boleto em dia, você pode ter que esperar mais para ser contemplado. Afinal, o consórcio depende da contribuição de todos.
2. Taxas que ninguém lembra de somar
“Sem juros” não significa “de graça”. No consórcio você paga taxa de administração, fundo de reserva, seguro… e no fim essas taxas podem pesar tanto quanto os juros de um financiamento bem negociado. Ou seja, não se deixe enganar só pela propaganda.
3. Você não tem controle de quando vai ser contemplado
Você pode até se achar sortudo e entrar achando que vai ser um dos primeiros a pôr a mão no dinheiro. Mas temos uma péssima notícia: se contar apenas com a sorte, isso raramente vai acontecer.
E aí o tempo vai passando, o preço do bem desejado começa a subir ao longo dos anos e, quando você finalmente for contemplado, mesmo com o reajuste, a carta de crédito talvez não cubra o valor total. Aí você vai ter que desembolsar a diferença do próprio bolso ou até trocar o produto que você queria adquirir.
Conclusão: consórcio é mais marketing do que milagre
A verdade é que o consórcio é muito mais sobre estratégia de venda bem feita do que sobre vantagem real para todo mundo. As administradoras sabem explorar os sonhos dos brasileiros e embalam tudo em um pacote que soa irresistível: “é sem juros”, “você vai ser sorteado”, “não tem análise de crédito” e por aí vai. Só que, quando a gente abre a caixa, descobre taxas escondidas, prazos longos e uma boa dose de estratégia e conhecimento financeiro.
Isso não quer dizer que o consórcio seja sempre uma furada. Para quem não tem disciplina nenhuma para guardar dinheiro, a poupança forçada do consórcio pode funcionar. Mas, na maioria dos casos, ou você entende as estratégias de combinar cotas de valor e possibilitar um lance embutido ou vai ter que esperar ser contemplado lá no fim do prazo, o que não é bom negócio
Ele é um produto que sobrevive muito mais pelo poder do marketing e pelas altas taxas de juros cobradas nos financiamentos do que pela real eficiência financeira. Ou você acha que se a taxa de juros do país tivesse baixa as pessoas iam entrar em uma vaquinha? No fim, com estudo e educação financeira, dá para planejar melhor e encontrar caminhos mais inteligentes para realizar seus objetivos.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.