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Por Alexia Diniz
Outro dia, navegando pela internet, vi um gestor de investimentos dizer com a maior naturalidade: "Esse fundo aqui segue os princípios bíblicos." Quase virei a cabeça igual no gif da Nazaré Tedesco. Investimento bíblico? A bolsa virou a igreja universal das finanças?
O que parecia impossível está virando tendência: empresas biblicamente responsáveis (ou EBRs, para os íntimos) estão ganhando fôlego no mercado. E o mais curioso é que não é só em cantinho de nicho gospel, não. Tá na mesa de analista, tá em fundo de investimento bilionário, tá até em startup do DF que promete lucrar sem "ofender a Palavra".
O que é uma empresa biblicamente responsável?
É aquela que alinha suas práticas de gestão, produtos e discurso com valores cristãos tradicionais. O conceito surgiu nos Estados Unidos (surpresa?) e vem se espalhando com força, inclusive no Brasil. Nada de apoiar aborto, drogas recreativas jogos de azar, pornografia e nem pautas LGBTQIA+ .Qualquer empresa que promova "pecados" aos olhos de determinadas interpretações da Bíblia está fora
Em contrapartida, essas empresas buscam fomentar práticas éticas, apoio à família tradicional, transparência, respeito ao cliente, não exploração do trabalho e doações para causas sociais cristãs. Um ESG gospel, digamos.
Quem define se uma empresa é biblicamente responsável?
Até agora, não existe uma “agência celestial” que carimba um selo divino para os investimentos. Mas algumas gestoras e fundos cristãos fazem esse filtro por conta própria. Um dos maiores é o Timothy Plan, que já movimenta mais de R$150 bilhões e pressiona empresas como Disney e Amazon a reverem suas políticas de inclusão, em nome da defesa da família tradicional.
No Brasil, também começam a surgir startups e gestoras com foco parecido, criando critérios próprios baseados em princípios bíblicos. Algumas vão além: eliminam qualquer empresa que tenha vínculo com governos autoritários, fabrique armas ou esteja envolvida em escândalos de corrupção. A única dúvida é como esses mesmos filtros se aplicariam a certos políticos idolatrados por parte desse público, mesmo quando defendem valores “bíblicos”, mas vivem cercados por acusações que desafiam os tais princípios.
Por que o investimento em EBRs está crescendo?
Primeiro, porque o dinheiro não tem religião, mas o investidor pode ter.
Segundo, porque os valores morais têm voltado com força ao debate público, inclusive entre os mais endinheirados. Muitos querem alinhar sua carteira com suas crenças.
Terceiro, porque os fundos veem nisso uma oportunidade de diferenciação. E, claro, porque as empresas também querem agradar esse público, seja por convicção ou conveniência.
Como identificar uma empresa biblicamente responsável?
A boa e velha investigação:
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Leia o estatuto da empresa, veja com o que ela está envolvida;
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Observe a política de responsabilidade social e ambiental;
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Fique atento a polêmicas, posicionamentos públicos e causas que ela defende;
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Se a empresa for listada em algum fundo cristão, é um sinal.
Ah, e desconfie de empresas que, de repente, viram "evangélicas" demais perto do IPO (oferta pública inicial), que é quando a empresa começa a ter suas ações negociadas na bolsa de valores. Conversão de última hora às vezes é só marketing disfarçado de oratória.
E se eu quiser investir de forma biblicamente responsável?
Se quiser investir com base em princípios cristãos, o primeiro passo é procurar fundos especializados, seja no mercado americano, onde o movimento já está mais estruturado, ou em novas gestoras brasileiras que estão surgindo com esse foco. Também vale consultar listas de EBRs em sites e instituições que acompanham esse segmento. Conversar com assessores de investimento que entendem do nicho pode ajudar bastante. E, claro, fazer uma oração antes de aplicar não faz mal a ninguém (pelo menos pra alma e, quem sabe, até pra carteira).
Quais os riscos de investir com base na fé?
A resposta curta? Vários.
O que é “biblicamente responsável” varia tanto quanto as igrejas na esquina da sua cidade. Uma interpretação mais literal pode cortar empresas que você talvez considere totalmente aceitáveis, só por apoiarem direitos LGBTQIA+, igualdade de gênero ou até aborto.
Filtrar demais as empresas pode reduzir suas opções, concentrar riscos e deixar seu dinheiro mal posicionado. E não se engane: não há qualquer garantia de que empresas “de fé” rendem mais. Na prática, você pode deixar de lucrar só porque o setor tem valores diferentes dos seus.
Mas o buraco é mais embaixo. Quando um fundo exclui empresas por “valores bíblicos”, muitas vezes está, na verdade, incentivando pautas que excluem pessoas, como o boicote à inclusão, aos direitos civis ou à liberdade individual. Dizer que isso é só “uma escolha” é fechar os olhos para o impacto social dessas decisões. Investimento com viés religioso pode parecer inofensivo, mas quando se transforma em mecanismo para reforçar preconceito e intolerância, vira parte do problema, não da solução.
Quer investir com propósito? Ótimo. Mas que tal olhar para fundos que defendem justiça social, diversidade, meio ambiente e direitos humanos, em vez de tentar evangelizar o mercado financeiro?
Conclusão: investimento com fé é bom, mas com senso crítico é melhor
Investir em empresas biblicamente responsáveis pode ser uma forma de alinhar suas convicções com seu dinheiro. É parte de um movimento maior de dar sentido ao consumo e ao capital. Mas não se iluda: o mercado também sabe vender virtude.
Se você se identifica com essa proposta, tudo certo. Só não esqueça que, no fim das contas, toda fé precisa andar de mãos dadas com a razão, e com um bom simulador de investimentos.
Porque até o povo do deserto se perdeu por 40 anos por falta de GPS, não faça isso com sua carteira.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.