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Por Alexia Diniz
Outro dia, uma professora amiga contou que ouviu dois alunos, de uns 13 anos, conversando no recreio. Um dizia que tinha perdido dinheiro no “jogo do tigrinho” e não sabia como ia contar pros pais. O outro sugeriu tentar recuperar no próximo mês com a mesada. Não estavam falando de videogame, mas de apostas online, feitas com CPF de terceiros e promessas de dinheiro fácil.
Esse é o Brasil de 2025. O universo das apostas online, que parecia inofensivo e cheio de bônus chamativos, hoje está envolvido em escândalos, cambistas digitais, menores de idade viciados e milhões de reais circulando fora do radar do Estado.
O que é a CPI das Bets?
A CPI das Bets é uma Comissão Parlamentar de Inquérito aberta em 2024 para investigar os impactos sociais e financeiros das casas de apostas esportivas no Brasil, especialmente as que operam de forma ilegal.
A CPI mira desde as plataformas conhecidas até influenciadores digitais e cambistas que usam esses jogos para lucrar milhões e levar menores para dentro do mundo das apostas. O objetivo, segundo os parlamentares, é investigar:
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Manipulação de resultados em jogos.
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Influência sobre menores de idade.
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Sonegação fiscal e falta de regulação.
O que tem de errado com as bets?
A questão não está exatamente no ato de apostar, já que as apostas esportivas foram legalizadas no Brasil desde 2018. O problema começa quando confundem a aposta com jogo de azar. Enquanto as "bets" (como os sites de palpites esportivos) são regulamentadas, jogos como caça-níqueis, roletas online e plataformas tipo Blaze ainda são considerados ilegais por se enquadrarem como jogos de azar, prática proibida por lei.
Mas convenhamos: acham mesmo que é tão diferente assim? Que diferença há entre dar um chute no resultado do jogo ou apertar um botão pra ver se três frutinhas se alinham? No fim, o apelo é o mesmo: lucro rápido, risco alto e um algoritmo que sempre favorece a casa.
A ilusão do jogo fácil
Sabe aquele famoso jogo do tigrinho que aparece entre um story e outro do Instagram? Parece inofensivo. Um botão, uma musiquinha e um prêmio que "cai" na sua tela. Só que o que muita gente não percebe é que esses jogos são altamente viciantes, e baseados em mecanismos de reforço intermitente, os mesmos usados em caça-níqueis de cassinos.
Ou seja: você ganha uma vez, perde três, mas a sensação de que está "quase lá" te faz continuar apostando. O resultado? Uma geração inteira perdendo o pouco que tem.
Cambistas e mercado paralelo
Um dos principais focos da CPI das Bets é o mercado ilegal de cambistas digitais. Segundo reportagem da BBC, há grupos organizados que oferecem apostas pelo WhatsApp, Telegram e até TikTok, com falsas promessas de retorno garantido.
Esses cambistas operam como intermediários entre os sites estrangeiros e os jogadores brasileiros, muitas vezes usando contas laranjas e plataformas de pagamento para burlar a Receita. E o pior: há denúncias de que esses intermediários estão facilitando o acesso de menores de idade às apostas, já que eles não podem se cadastrar diretamente nas plataformas.
Quem está lucrando com as bets?
Os maiores ganhadores desse jogo são mesmo as casas de apostas. Segundo estimativa do Banco Central, os brasileiros estão movimentando até R$30 bilhões por mês com apostas online.
Uma parte disso volta como prêmio, mas a outra vai direto pro bolso das plataformas, muitas delas estrangeiras, não regulamentadas e fora do radar da Receita.
Enquanto isso, o marketing agressivo e os bônus “imperdíveis” continuam mirando quem mais se ilude: jovens e pessoas de baixa renda, que sonham em enriquecer com um Pix e acabam no prejuízo.
A crítica às plataformas e ao governo sobre a CPI das Bets
As empresas de bets são poderosas e por muito tempo operaram numa zona cinzenta da legislação brasileira. Em 2023, o governo começou a desenhar uma regulação para as apostas esportivas, exigindo licenciamento, pagamento de impostos e limites para anúncios, mas a CPI revelou que, mesmo com as novas regras, muitas casas continuam operando por fora do sistema.
E as plataformas legais dentro da CPI das Bets?
Mesmo as casas registradas no Brasil não estão totalmente isentas de críticas. Muitas casas de apostas investem pesado em publicidade: contratam influenciadores, patrocinam times e até campeonatos inteiros, como o Brasileirão (Betano). Isso cria um ambiente onde apostar passa a parecer parte da cultura esportiva, mas na verdade é um risco financeiro.
É aí que entra a importância da educação financeira: para entender que, no fim, a casa sempre ganha.
Apostas são o novo cigarro?
Uma comparação forte, mas justa. O Banco Central e órgãos de defesa do consumidor têm alertado para o crescimento descontrolado das apostas, com muita propaganda, pouco aviso sobre os riscos e zero controle sobre o acesso de menores.
A nova geração já nasce com a ideia de associar jogos com diversão, lucro fácil e fama, enquanto ignora os perigos do vício, da dívida e até da lavagem de dinheiro.
Influenciadores e aliciamento
Outro ponto de atenção é o papel dos influenciadores digitais. Muitos, inclusive famosos, fazem propaganda dos sites de apostas, com vídeos mostrando ganhos altíssimos, mas sem mencionar as perdas.
Um dos principais argumentos da investigação é que esses vídeos são manipulados, seja com edições enganosas, seja com contas especiais fornecidas pelos próprios sites, programadas para ganhar com mais frequência. Isso cria a falsa impressão de que “todo mundo pode ficar rico fácil”, quando na verdade o jogo é manipulado desde o começo.
Pior ainda: os conteúdos chegam a menores de idade, em vídeos de humor, games ou até tutoriais de “como ganhar dinheiro rápido”. O resultado? Jovens endividados, viciados e sem apoio psicológico.
Influenciadores e apostas: quem recusou, quem topou e quem tá na mira da CPI
Nem todo mundo entrou de cabeça no jogo das apostas. O ator Cauã Reymond, por exemplo, recusou um contrato milionário para divulgar casas de aposta, mas já tinha participado de propagandas de casas de apostas no ano passado.
Já a influenciadora Virgínia Fonseca foi chamada para depor na CPI das Bets, após promover plataformas de apostas para seu público, formado majoritariamente por jovens. A comissão investiga o impacto desse tipo de conteúdo, que mistura humor, estilo de vida e promessas de lucro fácil, sem qualquer aviso de risco.
Enquanto isso, outros influenciadores seguem lucrando com apostas, em vídeos que circulam livremente nas redes sociais e plataformas, muitas vezes sem transparência e com apelo direto a menores de idade. E o alerta fica: quando o influenciador aparece ganhando fácil, desconfie. Pode ser conta turbinada, roteiro ensaiado e um jogo onde o único bolso que cresce é o dele, não o seu.
O que a CPI das Bets descobriu até agora?
Entre os principais pontos já levantados pela comissão:
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Manipulação de resultados em pelo menos 10 jogos da Série A e B do Brasileirão;
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Jogadores pagos para forçar cartões ou simular lesões;
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Cambistas oferecendo apostas a menores com promessas de lucro fácil;
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Falta de regulamentação clara para plataformas internacionais;
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Evasão fiscal bilionária.
Esses dados vieram não apenas de denúncias, mas de parcerias da CPI com o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e o Ministério da Justiça, que revelaram movimentações suspeitas em contas ligadas a influenciadores.
Conclusão: o que a CPI das Bets revelou além dos jogos?
A CPI das Bets não escancarou só as falhas do sistema de apostas, ela mostrou uma realidade mais profunda e incômoda: tem muita gente tratando jogo como plano de vida. Enquanto os anúncios prometem lucros fáceis e diversão garantida, o que se vê, na prática, é gente comum perdendo dinheiro, tempo e até a paz.
Mas os alertas vão além. Você sabe como seu filho está gastando a mesada dele? Será que é com lanche mesmo... ou com apostas disfarçadas de joguinho? O conteúdo chega fácil, a barreira de idade é quase nula e o apelo emocional é certeiro. O risco não está só no valor perdido, mas no comportamento.
E se a CPI ainda não conseguiu mensurar tudo, o estrago já é visível: queda na renda disponível, aumento da inadimplência e redução dos limites de crédito. Tudo isso silencioso, no cotidiano de quem se deixou levar pela promessa de “ganhar com um Pix”.
No fim das contas, fica o recado: não dá pra contar com a sorte como estratégia de vida, principalmente quando quem banca o jogo já sabe exatamente como ele termina. E a casa, como sempre, ganha.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.