A maior chacina legitimada pelo Estado
Operação realizada nos Complexos do Alemão e da Penha no Rio de Janeiro terminou com um saldo de 121 mortos confirmados, inclusive quatro policiais
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*Por Tamara Santos
Na terça-feira, 28 de outubro de 2025, o Complexo do Alemão e o da Penha, no Rio de Janeiro, foram invadidos pela Polícia Militar e Civil, no que foi chamado a maior operação policial já vista na história do estado brasileiro. Foram 2.500 policiais entre civis e militares, que promoveram a incursão nos morros, com o fim de cumprir vários mandados de prisão contra o Comando Vermelho, em especial seu líder, Edgar Alves de Andrade, conhecido como “Doca”.
O Comando Vermelho é uma facção criminosa, que surgiu no final da década de 1970, dentro do presídio da Ilha Grande – RJ, em razão da convivência de presos comuns com presos políticos. Com o tempo, a facção passou a atuar fora do presídio, dominando novos territórios, gerindo o tráfico de drogas, assaltos, sequestro e outras atividades criminosas.
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Segundo o ex-capitão do BOPE, Rodrigo Pimentel, a tática usada pela polícia para a invasão nos complexos, foi uma tática de guerra conhecida como “martelo e bigorna”, onde as forças policiais encurralaram os “criminosos” em uma área de mata, que divide os complexos do Alemão e da Penha. Neste local, os “criminosos” foram surpreendidos pelos policiais do BOPE, que formavam uma muralha, chamada de “a muralha do BOPE”.
A operação terminou com um 121 mortos confirmados, dentre os quais, quatro eram policiais. Inúmeros corpos foram retirados da mata e levados por familiares e pela comunidade para a praça do Complexo da Penha, expostos a céu aberto.
Tal conflito foi classificado como a maior chacina do Rio de Janeiro, ganhando, inclusive, do massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, no estado de São Paulo, onde morrem 111 detentos.
Agora, essa autora lhe convida a romper a bolha do “bandido bom, é bandido morto”, e refletir onde está escrito em nossa legislação que a pena de morte é permitida?
Veja bem, o intuito aqui não é defender criminoso, embora o nosso ordenamento jurídico estabeleça o devido processo legal para infringir uma condenação a alguém. Esse processo é amparado pelo princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição da República de 1988.
O intuito aqui é defender o Estado Democrático de Direito, que tem por base o direito à vida como garantia fundamental, também previsto no art. 5º, caput, da nossa Carta Magna. O mesmo codex disciplina a questão da segurança pública, afirmando que ela é “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, e exercida para a preservação da ordem pública, sob a égide dos valores da cidadania e dos direitos humanos, através dos órgãos instituídos pela União e pelos Estados” (art. 144, CR/88).
Por outro lado, temos um representante do Estado, no caso, o Governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro – PL, declarando em coletiva de imprensa que a dita operação “foi um sucesso”, ressalvado a perda dos quatro policiais. Ora, as outras 117 vidas tiradas não importam? E não importam por que são bandidos? Essa autora volta a repetir, a legislação brasileira não permite pena de morte! E mais, a legislação brasileira não autoriza execução em massa.
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O que diz o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU
Nesse sentido, vale frisar que o Brasil é signatário do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU – Organização das Nações Unidas, que foi ratificado em 1992, segundo o qual é proibido execuções arbitrárias ou sem julgamento, ou seja, a execução em massa por forças do Estado são violações graves do art. 6º, §1º, que dispõe: “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito será protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado da vida.” E mais, no art. 14 do referido pacto, é garantido um julgamento justo antes de qualquer punição.
É certo que os “criminosos” estavam armados, e abriram fogo contra os policiais. Então, poderia ser legitima a afirmação que essas mortes ocorrem em legítima defesa dos agentes do estado - a polícia? Ocorre que se partimos para essa linha, a conta não fecha, temos quatro policiais tombados e 117 “criminosos” mortos. A ação policial é muito desproporcional, para não dizer letal.
Veja, no fim do dia não tem bandido, não tem policiais ou heróis. Isso não é um filme de ação de um streamer, com mocinhos ou bandidos lutando por um final vitorioso. Estamos aqui falando de seres humanos.
A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Dani Monteiro, afirmou que essa operação se “tornou a maior violação cometida pelo Estado na história da nossa redemocratização”.
A verdade é que todos nós perdemos. Perdemos, porque é fácil notar uma sociedade falida, que não se choca com corpos mutilados e espalhados pela via pública, legitimando a ação estatal de execução em massa.
Afinal, “bandido bom, é bandido morto”?
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No entanto, como já dizia o Capitão Nascimento, em Tropa de Elite, “a polícia nunca puxa o gatilho sozinha”. Temos a comprovação de um Estado ineficiente, que não é capaz de oferecer políticas públicas adequadas, primando pela saúde, educação e segurança, que são direitos básicos de todo cidadão.
Então, o que fazer? Como mudar a situação do Rio de Janeiro? Essa autora não tem respostas para essas perguntas. Na verdade, talvez tenha muito mais perguntas a serem feitas. Mas, fato é que precisamos de integração entre os governos federal, estaduais e municipais, e menos politicagem, para que possamos ter um Estado garantidor.
Como já dizia o jurista italiano, Luigi Ferrajoli, há muitas maneiras de se romper uma democracia, e uma delas é a indiferença. Ao defender o garantismo penal, ele afirma: “o que sustenta a democracia não é um consenso, mas um cuidado para que não haja indiferença, porque quando ela se instala está aberta a estrada para aventuras autoritárias”.
*Tamara Santos é advogada especializada em Ciências Penais
direitosimplesassimadvogados@gmail.com
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
