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Patriotismo de bolso: O Brasil que cabe num adesivo de carro

Como a direita transformou amor à pátria em instrumento de divisão - e por que isso enfraquece a democracia

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Por Vinicius Ayala

O patriotismo, conforme delineado pelo o historiador Daniel Gomes de Carvalho, é um conceito que transcende a mera idolatria aos símbolos nacionais. Originário do Iluminismo do século XVIII, o patriotismo iluminista buscava um equilíbrio entre o amor à pátria e uma visão cosmopolita, valorizando o debate, a crítica e a inclusão de diferentes perspectivas. 

Este patriotismo estava intrinsecamente ligado à promoção do bem-estar coletivo e à defesa de direitos universais.

 

Em contraste, o nacionalismo, que ganhou força nos séculos XIX e XX, frequentemente se associa ao romantismo e à criação de uma unidade nacional fictícia e homogênea. Este movimento ideológico tem sido utilizado por regimes autoritários para justificar a repressão e controlar a população, mascarando desigualdades e diferenças sociais sob o manto de uma identidade nacional unificada. No Brasil, essa instrumentalização do nacionalismo foi evidente durante as ditaduras, onde símbolos nacionais foram empregados para forjar uma falsa coesão e silenciar dissidências. 

**Manipulação dos símbolos nacionais com fim político** 

A manipulação dos símbolos nacionais para fins políticos não é um fenômeno novo, mas continua a ser uma estratégia eficaz para legitimar o poder. A captura do patriotismo por discursos autoritários e excludentes compromete a essência do conceito, que deveria ser inclusivo e reflexivo. O verdadeiro patriotismo é aquele que reconhece e celebra a diversidade cultural e histórica de um país, promovendo o bem-estar coletivo e a justiça social. 

É fundamental, portanto, que os cidadãos brasileiros compreendam essa distinção e questionem os discursos políticos que distorcem o patriotismo. Ao invés de adotar uma postura de idolatria cega aos símbolos nacionais, deve-se buscar um patriotismo crítico que valorize a pluralidade e promova o diálogo. Somente assim será possível evitar a repetição de erros históricos e construir uma sociedade mais justa e equitativa. 

Contudo, o patriotismo brasileiro, principalmente da direita Bolsonarista, utiliza símbolos nacionais como a bandeira, o hino e as cores nacionais para justificar posições autoritárias e conservadoras. Essa prática mascara injustiças sociais e reforça uma visão homogênea e excludente do país. 

As manifestações políticas, especialmente aquelas ocorridas em datas simbólicas como o 7 de setembro, exemplificam essa distorção. Elas clamam por medidas protecionistas e interferem em questões jurídicas internas, apresentando-se como patrióticas, mas frequentemente contrariando os princípios de inclusão e justiça. O discurso binário de "nós contra eles" simplifica problemas complexos e desqualifica vozes dissidentes, reduzindo o debate público a uma mera expressão de lealdade partidária. 

Um exemplo claro dessa instrumentalização é o uso do slogan "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", que, além de excluir minorias, legitima ataques a instituições democráticas como o Supremo Tribunal Federal (STF). A prática de vestir a camisa da seleção brasileira em protestos políticos confunde patriotismo com apoio a uma agenda específica, transformando símbolos de unidade nacional em emblemas de divisão política. 

Manifestantes que se dizem patrióticos muitas vezes exaltam figuras e políticas estrangeiras, como Donald Trump, em detrimento de juízes e instituições nacionais, revelando uma submissão a interesses externos que contradiz a ideia de soberania nacional. Além disso, políticas apresentadas como patrióticas podem, na verdade, prejudicar economicamente o país, como medidas protecionistas que favorecem interesses estrangeiros em detrimento dos nacionais. 

A instrumentalização do patriotismo pela direita brasileira, que o transforma em uma ferramenta de exclusão e repressão, ao invés de celebrar a diversidade e a justiça social. A captura dos símbolos nacionais para justificar ataques a instituições democráticas e a promoção de uma falsa unidade nacional revela uma profunda distorção do conceito original de patriotismo. É imperativo que os brasileiros reconheçam e questionem essa manipulação, buscando um patriotismo que valorize a diversidade e promova o bem-estar coletivo. 

De um momento a outro, quem vestia as cores oficiais era alçado à condição de “verdadeiro brasileiro”; quem não as ostentava virava suspeito de antipatriotismo. Essa apropriação seletiva de símbolos não é inédita, mas ganhou força em um ambiente onde redes sociais ampliam certezas rápidas e reduzem nuances históricas. 

**Patriotismo**, ensinam os iluministas do século XVIII, não é idolatria cega. Adam Smith defendia que o amor à terra natal se completa no respeito ao bem-estar de outros povos. 

No Brasil, o mito da “democracia racial” serviu para esconder escravidão, genocídio indígena e desigualdades que atravessam 2025 quase intocadas.

A onda recente de “patriotismo de camisa” mistura duas estratégias discursivas.

Primeiro, a estética: cores, hino e slogans criam sentido de pertencimento instantâneo. Segundo, a exclusão: ao repetir o bordão “Brasil acima de tudo” — ecoando o lema militar “ame-o ou deixe-o” de 1969 — a direita populista exige adesão total a um único projeto político. 

Ao alçar um empresário estrangeiro a herói e, simultaneamente, hostilizar ministros do Supremo Tribunal Federal, manifestações recentes expõem a contradição entre discurso de soberania e submissão a interesses externos. 

Essa inversão tem efeitos práticos. Ao empunhar a bandeira para pedir fechamento do Congresso ou tarifa punitiva contra exportações brasileiras — como ocorreu na carta de Donald Trump a Brasília em julho de 2025 — setores ditos patrióticos defendem medidas que podem ferir diretamente a economia nacional. Dados do Ministério da Fazenda de 15 de junho de 2025 projetam perda de até R$ 27 bilhões em receitas do agronegócio caso a taxação de 50% dos EUA persista por doze meses. Não há sinal mais claro de patriotismo equivocado do que apoiar políticas que prejudicam o próprio trabalhador brasileiro em nome de disputas ideológicas. 

Há, contudo, outro caminho. Um patriotismo comprometido com a Constituição de 1988 reconhece miscigenação, pluralidade religiosa e regional, combate preconceitos e defende instituições democráticas. Significa, por exemplo, proteger a liberdade de imprensa que permite a você, leitor, receber diferentes pontos de vista; apoiar investimento em educação para que a próxima geração leia a História sem silêncios cúmplices; cobrar transparência de governos, sejam eles de esquerda ou de direita. Significa, ainda, ver no fortalecimento do SUS — cujo orçamento foi ampliado em 8,4 % na Lei Orçamentária de 3 de janeiro de 2025 — um ato tão patriótico quanto cantar o hino antes do jogo. 

Convido o leitor a um exercício simples: na próxima vez que alguém se apresentar como “superpatriota”, pergunte-lhe quais direitos básicos está disposto a defender para quem discorda dele. Se a resposta incluir censura, exclusão ou violência, não estamos diante de patriotismo, mas de populismo travestido.

Este país só avançará quando a bandeira deixar de ser colete à prova de crítica e voltar a ser convite à responsabilidade coletiva. O desafio está lançado: faremos do patriotismo uma ponte ou uma trincheira?

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Fontes consultada Inspiradoras; 

— CHARLEAUX, João Paulo. “O que é patriotismo e nacionalismo, segundo este historiador”. Nexo Jornal, 10 mai 2020 (atualizado 28 dez 2023).

— “Patriotismo: amor à pátria ou idolatria cega aos símbolos errados?”. 18 nov 2024.(ICL)

Vinícius Ayala é advogado, mestre, doutorando e professor universitário

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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