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Guerra tarifária global: Brasil entre ambição e armadilha da mediocridade

Imagine um jogo de risco onde o Brasil tem recursos para dominar o tabuleiro, mas insiste em jogar com as regras do século passado

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Por Vinícius Ayala

Enquanto EUA, China e Europa travam uma guerra comercial bilionária, o país oscila entre a promessa de potência emergente e a realidade de eterno fornecedor de matérias-primas. A questão que persegue economistas e estrategistas é simples: o Brasil será capaz de transformar riqueza natural em poder geopolítico, ou continuará refém da própria inércia?

O xadrez geoeconômico: onde as peças brasileiras se movem (ou Enferrujam)

A guerra tarifária não é apenas uma disputa entre gigantes. É um terremoto que redefine cadeias produtivas, desloca investimentos e cria nichos para astutos. Enquanto a China reduz importações agrícolas dos EUA e a Europa ergue barreiras contra produtos americanos, o Brasil emerge como um ator paradoxal: celeiro do mundo, mas incapaz de industrializar seu próprio potencial.

A oportunidade está na mesa: substituir fornecedores rivais em setores estratégicos, de proteínas animais a terras raras. O problema? O país parece mais interessado em colher frutos imediatos do que plantar árvores para as próximas décadas.

1. Agro: o ouro verde que pode virar areia

A escalada das exportações de soja e carne para a China é celebrada como vitória, mas esconde uma armadilha histórica: a reprimarização da economia. Enquanto o agro avança, a indústria nacional – já combalida por juros altos e infraestrutura precária – definha.

Logística da vergonha: para cada caminhão de grãos que deixa Mato Grosso, 30% do lucro evapora em pedágios, combustível e manutenção de estradas esburacadas.

Certificação lenta: enquanto o Brasil demora anos para habilitar novos frigoríficos à exportação, a Argentina e o Paraguai correm para preencher lacunas deixadas por sanções chinesas aos EUA.

A proposta de atrair investimentos americanos em frigoríficos brasileiros, embora inteligente, esbarra em um dilema: seremos sócios ou colonizados? Sem políticas para agregar valor (como industrialização de subprodutos do boi), o risco é trocar dependência de um império por outro.

2. Terras raras: O eldorado subestimado

O subsolo brasileiro guarda nióbio, lítio, grafeno – minerais essenciais para baterias, chips e armas de última geração. Com a China restringindo exportações desses recursos aos EUA, o Brasil poderia emergir como alternativa global. Mas há um abismo entre "poder" e "saber".

Mineração ilegal vs. estratégia de Estado: enquanto garimpeiros devastam a Amazônia em busca de ouro, o nióbio de Catalão (GO) é vendido como commodity bruta, sem processamento. Países como o Japão transformariam o mesmo minério em componentes eletrônicos com valor 500% maior.

Falta de soberania tecnológica: não há uma única fábrica de baterias de lítio em escala industrial no Brasil. Exportamos o mineral para a China, que nos vende celulares e carros elétricos.

A solução exigiria algo que falta há décadas: um pacto entre União, estados e setor privado para criar polos de alta tecnologia, atraindo empresas com incentivos fiscais inteligentes (não isenções aleatórias) e parcerias com universidades.

3. Dropshipping e moeda BRICS: entre a utopia e o descompasso

A crise do dropshipping americano – inviabilizado por tarifas contra produtos chineses – abre uma janela para o Brasil suprir itens de baixo valor agregado. Mas há um problema de base: a indústria nacional não produz em escala ou variedade para competir.

Custo Brasil como inimigo: um par de tênis fabricado em São Paulo custa 40% mais que um similar chinês, graças a tributos em cascata e energia cara.

Moeda dos BRICS e a ficção que persiste: a ideia de uma moeda comum esbarra em realidades duras. Como convencer a Rússia, em crise, e a Índia, cética com alianças, a adotarem um sistema cambial estável? Enquanto isso, o real continua vulnerável a turbulências políticas, afastando investidores sérios.

4. O sonho (ingênuo) de ser o novo Paraguai

A sugestão de transformar o Brasil em um "hub" de reexportação – importar produtos globais, remarcá-los como nacionais e enviá-los aos EUA – ignora lições básicas de geopolítica.

Selo "Made in Brazil" não engana ninguém: empresas americanas já usam o México para burlar tarifas, mas o país tem acordos comerciais sólidos com os EUA. O Brasil, sem um tratado do tipo, seria alvo fácil de investigações alfandegárias.

A síndrome de vira-lata regulatória: mesmo que a estratégia funcionasse, a Receita Federal brasileira demora 45 dias para liberar um contêiner – no Chile, são 8 horas.

5. A reforma que não pode esperar: tributação e burocracia

O cerne da mediocridade brasileira está em dois monstros que assombram até os mais otimistas.

Sistema tributário esquizofrênico: São 92 tributos diferentes, com alíquotas conflitantes. Uma empresa média gasta 1.500 horas/ano só para cumprir obrigações fiscais – na OCDE, a média é 160 horas.

Burocracia como política de Estado: Levar 5 anos para obter uma licença ambiental não é ineficiência; é um mecanismo de corrupção, onde agentes públicos e privados lucram com a lentidão.
Enquanto o mundo avança na "guerra fria tecnológica", o Brasil gasta energia discutindo se unificará PIS e COFINS em 2030.

O Brasil na Encruzilhada da História

A guerra tarifária não é uma tempestade passageira, mas um novo clima permanente. Para navegar nela, o país precisa escolher entre:

1. Ser o celeiro do século XXI: continuar exportando grãos e minérios, enquanto importa desindustrialização e desigualdade.

2. Virar o jogo com ousadia: criar zonas econômicas especiais com tributação simplificada, investir 3% do PIB em pesquisa (hoje é 1,2%), e atrair multinacionais não com subsídios, mas com estabilidade jurídica.

O exemplo do agronegócio prova que o Brasil é capaz de revoluções setoriais. Mas sem um projeto nacional que una agro, indústria e serviços, seremos sempre um gigante frágil – forte o suficiente para chamar atenção, fraco demais para ditar regras.

Enquanto o governo debate reformas mínimas, a China testa proteínas sintéticas que podem reduzir dependência de nossa soja, e os EUA investem em mineração espacial para contornar escassez de terras raras. O relógio não para. Resta saber se o Brasil ainda acredita no próprio futuro.

Economia simples assim: ou o Brasil corre atrás do futuro ou o futuro passa ao largo.


Vinícius Ayala -É Membro da Equipe Direito Simples Assim. Graduado em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva, Mestrado– Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidad Autonoma de Madrid. Pesquisador visitante na Universidade de Lisboa. Professor Universitário com passagens pela PUC /MG, FAMIG, FAMINAS-BH, UNIPAC. Coordenou os cursos de Direito da FAMINAS-BH e FACEMG. Foi Diretor Administrativo da UNIPAC-Nova Lima. Advogado militante com atuação na área de Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Eleitoral. Mediador Judicial credenciado pelo CNJ e membro do CRCC-Centro de Resolução Consensual de Conflito.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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