A violência na escola não pode ser enfrentada por cima de cadáveres, mas antes que eles sejam produzidos -  (crédito: Pexels)

A violência na escola não pode ser enfrentada por cima de cadáveres, mas antes que eles sejam produzidos

crédito: Pexels

A Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 12, o Projeto de Lei n. 3613/2023, nos termos do substitutivo do relator, deputado Jorge Goetten (PL/SC). O texto, dentre outras coisas, cria uma causa de aumento de pena de 1/3 para o homicídio praticado em instituição de ensino e de até 2/3 se o homicídio for praticado contra professor ou funcionário da escola.

 

A fundamentação do projeto menciona um relatório elaborado pelo Instituto Sou da Paz que analisou 24 ataques em escolas entre 2002 e 2023 e indicou que há uma tendência de crescimento destes atentados. A conclusão para resolver o problema foi a apresentação do projeto que aumenta a pena do homicídio contra professores e cria mais um crime, o que de violência em instituições de ensino.

 

Não se engane com o fato de que o projeto teve como relator um deputado do PL, pois a autoria do projeto é da Presidência da República e muita gente da esquerda ajudou a aprovar a matéria em plenário. Pois bem, a questão não é ideológica.

 

 

Se não é uma questão ideológica, qual é o problema do projeto então? O problema é a facilidade com que o Parlamento brasileiro dá respostas simplistas e falsas para problemas reais e complexos. Para entender esse contexto, novamente é preciso retornar para a mania que temos de acreditar que a lei fará alguma coisa pelo Brasil e pelo comportamento das pessoas.

 

Curiosamente, enchemos os pulmões para bradar que a lei não é respeitada nestas terras e depois de qualquer problema as mesmas pessoas bradam por “mais leis”. Só pode ser alguma manifestação de múltiplas personalidades, porque definitivamente não faz o menor sentido.

 

 

O pior é não saber definir se os parlamentares que votam essas matérias realmente acreditam no que fazem ou se realmente é má-fé e se trata de mero exercício retórico para fazer um vídeo inflamado no Instagram sobre como se está trabalhando arduamente pela defesa dos professores. Isto porque a ementa do projeto dispõe que a norma visa “estabelecer estratégia de prevenção e enfrentamento da violência nas dependências das instituições de ensino.”

 

Qual a estratégia? Aumentar a pena do homicídio na escola! É fantástico! Acompanha comigo: antes, quando o professor era vítima de homicídio na escola, a conduta tinha uma pena. Agora, quando o professor for vítima de homicídio na escola, vai ter uma pena bem maior!

 

 

Poxa vida, agora o professor ficou lisonjeado de verdade! Isso que é valorização! Pelo menos o cadáver dele vai ter um destaque melhor do jornal sensacionalista, já que vai ser possível cometer o execrável erro de afirmar que o homicídio foi “triplamente qualificado” com a maior ênfase. Não dá para reclamar, é um cadáver com mais prestígio que os outros.

 

Talvez faltou tirar a dúvida com os professores se eles não ficariam mais felizes com alguma medida a ser tomada antes de os matarem! Sei lá, vai que o professor não está tão interessado em morrer agora. Ou, eventualmente, aparecer no jornal sensacionalista com uma tarja na cara e uma lona por cima não seja lá uma grande meta de vida ou de carreira...

 

Aos professores, me perdoe o sarcasmo, mas é a saída necessária para quando o absurdo é demais. E o pior! Não partir deste absurdo é acreditar, como uma incauta criança no jardim da infância, que agora, depois da lei, alguém vai parar e pensar assim: “nossa, agora não dá mais para matar professor na escola porque a pena aumentou muito... Vou trabalhar!”

 

Se alguém ainda acredita nesta história, basta lembrar que temos simbólicos exemplos de normas idênticas a estas no pós-Constituição de 1988 que foram, sem qualquer exceção, retumbantes fracassos. A lei dos crimes hediondos, a lei de drogas, a qualificadora do feminicídio, a qualificadora do homicídio contra idosos promovida pelo Estatuto do Idoso e tantos outros exemplos.

 

 

Todos com a mesma premissa: vamos aumentar as penas para “implementar estratégias de enfrentamento ao crime”. Obviamente, todos estes crimes aumentaram no Brasil. É de um nível de surrealismo que beira o deboche, dado que subestima a capacidade intelectual do cidadão.

 

Eu não me importo de ser enganado, faz parte do ser brasileiro. Entretanto, me dou ao direito de exigir que, pelo menos, seja enganado com um pouco mais de refinamento, um pouco mais de qualificação, um discurso menos surrado e uma lógica razoavelmente mais conectada com a realidade. Definitivamente, não é este o caso deste projeto de agora e de todos os outros que o precederam.

 

Mas... como estamos em terras tupiniquins, vai render uma manifestação do Poder Executivo aqui, outra manifestação de alguns parlamentares envolvidos acolá, vai para publicação e... nada. Não vai acontecer mais nada. A vida vai continuar igual, os professores vão continuar com medo igual e, principalmente, os professores vão continuar morrendo igual.

 

Eventualmente, valha para algum concurseiro uma nota por causa de uma pegadinha de prova. Afinal, alguém precisa sair ganhando com isso...