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Celina Aquino
Celina Aquino
Formada em jornalismo pela PUC Minas. Começou como estagiária nos Diários Associados e teve passagens por editorias como Polícia, Saúde, Imóveis, Negócios e Emprego. Hoje é especializada em gastronomia e também escreve sobre moda
ACEITO UM DOCE

Como o leite condensado moldou a confeitaria brasileira

'O caso do pudim é bastante emblemático – não só por ter sido o primeiro doce a passar pela calculada transformação'

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Estou com duas caixinhas de leite condensado na minha despensa e, todas as vezes em que passo por lá, fico pensando o que fazer com elas. Na busca por receitas que me empolguem, comecei a refletir sobre o quanto esse ingrediente cremoso moldou a confeitaria brasileira. Pesquisando, descobri que isso aconteceu de forma totalmente intencional, nada ao acaso.

 


O leite condensado é uma invenção do francês Nicolas Appert. No ano de 1820, ele testou retirar parte da água do leite fresco e adicionar (grandes quantidades) de açúcar, encontrando uma solução para conservar por mais tempo a bebida.


Da Europa para os Estados Unidos, o novo produto acabou sendo muito consumido pelos soldados que lutaram na Guerra Civil Americana. Era uma forma de ingerir os nutrientes do leite nos campos de batalha, só que em um concentrado fácil de transportar e consumir. Com o fim das guerras, a indústria precisava manter em alta a demanda pelo leite condensado. Aí o Brasil entra com tudo nessa história.

 


As latas açucaradas chegaram ao solo brasileiro em 1890 com a gigante suíça Nestlé, que inicialmente elegeu como público-alvo os bebês. A empresa começou a produção do então “milkmaid” – depois rebatizado como Leite Moça – em 1921, quando inaugurou a primeira fábrica no país, em Araras, no interior de São Paulo.


Mais tarde, a Nestlé tomou a decisão de mirar nas donas de casa, numa época em que as mulheres ocupavam cada vez mais o mercado de trabalho, não tinham mais ajudantes na cozinha e precisavam de praticidade para alimentar a família. Intencionalmente, comandou estudos para encontrar formas de inserir o leite condensado no maior número de receitas.

 


Em uma campanha publicitária massiva, a indústria vendeu praticidade, garantindo que as donas de casa fariam maravilhas com o produto revolucionário. Para isso, tiveram que desestimular os doces antigos no tacho. Nessa hora, lembro que a minha avó levava horas e horas no fogão a lenha para fazer doce de leite.


O caso do pudim é bastante emblemático – não só por ter sido o primeiro doce a passar pela calculada transformação. Antes do leite condensado, a receita tinha como ingrediente principal o leite integral, misturado a ovos e açúcar. Depois do leite condensado, o açúcar saiu de cena com a promessa de mais cremosidade e menos trabalho. Com isso, o pudim brasileiro passou a ser chamado de pudim de leite condensado.


O mesmo aconteceu com o arroz-doce, a canjica, o pé de moleque, o beijinho de coco, o olho de sogra, o cajuzinho, a cocada, o cuscuz de tapioca, bolos, mousses, pavês... A todo doce, os brasileiros – seduzidos pela “Moça” – deram um jeito de adicionar leite condensado. A lata ainda serve como medida para receitas e vira até doce de leite quando vai ao fogo na panela de pressão. E assim o Brasil se tornou o maior consumidor do produto no mundo (estima-se que esteja presente em 90% dos lares).

 


O doce mais brasileiro de todos – o brigadeiro – já nasceu na era do leite condensado, o que deu ainda mais força para o produto.

 

Inventado em 1945, durante a campanha para a presidência do brigadeiro (nesse caso, patente do Exército) Eduardo Gomes, era preparado por eleitoras com leite condensado, chocolate em pó e manteiga e servido em eventos para arrecadar fundos, sendo chamado de “o preferido do brigadeiro”. O cargo do candidato acabou virando o nome da receita.

 


Para quem não sabe, Belo Horizonte preserva, com orgulho, um doce que não se rendeu a essas facilidades e imposições da indústria. É o creme de maisena do Café Nice, na Praça Sete, Centro da cidade, finalizado com uma calda de ameixa. Nele, dá para sentir o sabor da doçaria brasileira antes do leite condensado. Vale a pena fazer essa viagem no tempo.

 

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