
A síndrome do piloto inexperiente
O trágico, nesse cenário, reside na constante surpresa com que nos deparamos com as falhas previsíveis daqueles que colocamos em pedestais
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As eleições estão chegando e os riscos da síndrome do piloto inexperiente estão batendo à nossa porta. O viés de performance em eleições é um intrincado jogo de ilusões, no qual a habilidade em uma área específica é muitas vezes erroneamente traduzida como competência universal. É como se aplaudíssemos um maestro por sua capacidade de reger uma sinfonia e, em seguida, esperássemos que ele pilotasse um jato com a mesma maestria. Essa falsa percepção não só é um equívoco perigoso, mas também uma armadilha que pode levar a desastres administrativos e políticos.
A história está repleta de exemplos de indivíduos cujo brilho em uma área ofuscou a percepção crítica do público e os catapultou para posições para as quais não estavam preparados. Um exemplo notável é o de Herbert Hoover, que antes de se tornar o 31º presidente dos EUA (1929 a 1933), era um engenheiro de mineração de sucesso e um humanista admirado. Sua habilidade em gerenciar operações de socorro durante a 1ª Guerra Mundial criou uma aura de competência que o levou à presidência. No entanto, seu mandato foi marcado pela Grande Depressão, e sua incapacidade de lidar com a crise econômica mostrou que suas habilidades não eram transferíveis para a política nacional.
O trágico, nesse cenário, reside na constante surpresa com que nos deparamos com as falhas previsíveis daqueles que colocamos em pedestais. Vale lembrar de Arnold Schwarzenegger, um fisiculturista e ator que se tornou governador da Califórnia. Sua popularidade como herói de ação o levou a um cargo para o qual sua experiência anterior pouco o havia preparado. Embora tenha tido alguns sucessos, seu governo foi marcado por controvérsias e dificuldades econômicas. É como se convidássemos o “Exterminador do Futuro” para resolver problemas orçamentários – impressionante nos filmes, mas na vida real, os números não se intimidam com músculos.
No Brasil, tivemos Fernando Collor, um jovem governador de Alagoas, que se apresentava como "caçador de marajás", prometendo acabar com a corrupção. Sua juventude e vigor físico – lembram-se dele correndo com aquelas camisas impecavelmente brancas? – criaram a imagem de um administrador eficiente. O desfecho dessa história todos conhecemos: um impeachment, uma nação desiludida e hoje encontra-se preso por corrupção, ainda que em prisão domiciliar.
Não podemos esquecer de Tiririca, o palhaço que se tornou deputado federal com o slogan "Pior que tá não fica" e depois admitiu que não sabia o que um parlamentar fazia. Ou Romário, craque nos gramados, mas apagado nos corredores do Congresso. Caso emblemático também é o de Celso Russomanno, apresentador de TV que ganhou fama defendendo consumidores, mas que como vereador e deputado teve atuação tão discreta que parece ter esquecido seu microfone em casa. É como se trocássemos o roteiro de um programa de auditório pelo manual de políticas públicas – o resultado é uma plateia vazia de realizações.
Lembram de Agnaldo Timóteo? O cantor romântico que embalou corações nas rádios brasileiras acreditou que poderia embalar também o destino político de São Paulo e Rio de Janeiro. Resultado? Uma carreira política tão desafinada quanto um karaokê de bêbados. Ou Sérgio Reis, que trocou a viola caipira pela tribuna parlamentar, mas descobriu que "o menino da porteira" não conseguia abrir as portas das políticas públicas de forma eficiente.
A ciência também não escapa desse viés. O caso de Linus Pauling é emblemático. O gênio da química ganhou dois prêmios Nobel, mas sua obstinação em defender a vitamina C como cura para várias doenças, incluindo o câncer, sem evidências científicas sólidas, manchou sua reputação. Seu brilhantismo em uma área o cegou para suas limitações em outra.
Caso nacional similar é o de Alexandre Frota, que trocou as câmeras do entretenimento adulto pelos plenários da Câmara dos Deputados. Sua performance nas urnas foi impressionante, mas no exercício do mandato mostrou-se tão perdido quanto um turista sem GPS no centro de São Paulo. Ou Ratinho, que no rádio e TV resolvia problemas familiares aos gritos, mas na política municipal de São Paulo não conseguiu gritar soluções para problemas bem mais complexos.
Em uma sociedade científica que está prosperando, colocar um líder inexperiente pode ser comparado a alguns fenômenos observados na aviação. A desorientação espacial pode ocorrer quando o novo líder, sem experiência prévia, perde a noção das prioridades científicas e financeiras, tomando decisões que desestabilizam a pesquisa e a colaboração interdisciplinar.
Para evitar os desastres desse viés de performance, é crucial que desenvolvamos uma compreensão mais profunda das habilidades necessárias para diferentes funções. Em 2026 que se aproxima, devemos, portanto, ser mais criteriosos em nossas escolhas, para que não nos tornemos, como sociedade, os músicos desafinados de uma sinfonia de fracassos.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.