A lua nos olha diferente  -  (crédito: Divulgação/Nasa)

A lua nos olha diferente

crédito: Divulgação/Nasa

 

A lua no Hemisfério Norte não parece com a nossa de BH. Fica longe da lua de Ibiá. A lua dos americanos e europeus é torta. Cresce de lado e, mesmo cheia, permanece torta. Lindamente torta! Com certeza é a mesma lua, mas nos olha diferente. Assim como nós a estranhamos, quem vive lá nem percebe, só quando vem pras bandas de cá. Indo e voltando aos países do Norte ao longo da vida, as esquinas desses lugares têm me surpreendido tanto quanto a lua torta.


 

Nessa última semana fui a Los Angeles (LA) participar da Semana da Infectologia dos EUA, conhecida como IDWEEK-2024, evento o qual frequento há 30 anos. Mudou de nome ao longo do tempo, mas seguiu sempre como um culto ao conhecimento e evolução científica.


LA, como os americanos a chamam, é uma das cidades mais importantes dos Estados Unidos e do mundo. Porém, me chamou atenção a quantidade de moradores de rua e usuários de droga vivendo num mundo paralelo, entre a riqueza extrema e a miséria humana quase absoluta. A degradação desde a última vez que estive por lá, há cerca de 10 anos, é impressionante.

 

 

O número de casos de tuberculose, sífilis, Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis aumenta de forma exponencial nessa população. No mesmo ritmo, as doenças demenciais seguem em alta. Fomentar guerras e mantê-las mundo afora tem um alto preço interno a ser pago. Só as esquinas do tempo permitem uma avaliação real dessa tradição beligerante de um país. 


Este ano o que mais me chamou atenção no IDWEEK foi um dia inteiro dedicado às doenças infecciosas como desencadeadoras da doença de Alzheimer. Há fortes evidências de que infecções virais agudas ou crônicas, assim como infecções parasitárias diversas, geram inflamação crônica no sistema nervoso central e acúmulo de proteínas, que comprometem circuitos neuro-cognitivos causando quadros demenciais progressivos graves.

 


Vírus que adquirimos na infância e que permanecem adormecidos por décadas, na realidade, ficam sob estrita vigilância do nosso sistema imunológico, o qual gasta energia para controlá-los. Ou seja, uma inflamação crônica acontece no interior do nosso organismo, particularmente no sistema nervoso central, levando a danos contínuos e irreparáveis.


A pergunta imediata é: como evitar que isso aconteça? A resposta tem uma parte simples e outra ainda não totalmente esclarecida. Vacinar é a parte simples da resposta. Evitar doenças preveníveis por vacinas é um passo mais simples e eficaz. Se quisermos evitar que nossos filhos fiquem dementes no futuro, vaciná-los na infância e adolescência é um presente de valor intangível para a vida toda.

 


A eficácia de medicamentos contra esses micro-organismos é a parte ainda não respondida da pergunta. Para alguns, já temos há muito tempo. Por exemplo, para o herpes simples tipos 1 e 2, temos o aciclovir, medicamento bem conhecido e disponível em qualquer farmácia. A questão é saber quando e como usá-lo para prevenção dos quadros demenciais. Isso ainda está sendo pesquisado. A relação do herpes simples 1 com a doença de Alzheimer, entretanto, está bem compreendida. 


Isso não quer dizer que todos que apresentarem herpes labial vão ter Alzheimer no futuro. Fatores genéticos, estilo de vida, doenças crônicas e uso de antibióticos também contribuem para o desenvolvimento da doença.

 


A alteração da microbiota intestinal, provocada pelo uso de antibióticos, certamente é um dos fatores mais intrigantes. Nossas bactérias intestinais são um patrimônio com o qual devemos tomar o máximo de cuidado. Antibióticos dados de forma inadequada na infância podem ter consequências na vida adulta e ser um fator de risco para o desenvolvimento de demência. Vinicius de Moraes dizia que “ninguém é o mesmo depois da primeira dose de whisky”. Da mesma forma, ninguém é o mesmo depois da primeira dose de antibiótico. Assim como o whisky, antibióticos podem ser usados, mas com extrema moderação. 


Isso nos leva a concluir que medicina é uma profissão complicada e difícil. Assim como a lua se apresenta de diversas formas, dependendo da região do planeta que estivermos e dos olhos que a veem, assim também é a medicina. Muda todos os dias, mas sempre bela e surpreendente, a cada esquina do tempo que dobramos.