
Quando a base do futuro é invisível aos olhos
Enquanto discutimos chips, inteligência artificial e redes sociais, uma revolução silenciosa avança sob nossos pés – ou melhor, por trás das nossas telas
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Imagine uma cidade sem ruas. Ou uma casa sem fundação. Difícil de visualizar, mas é exatamente assim que muitos países funcionam no mundo digital: sem estrutura pública que sustente as relações online, os pagamentos, os cadastros, os serviços. Enquanto discutimos chips, inteligência artificial e redes sociais, uma revolução silenciosa avança sob nossos pés – ou melhor, por trás das nossas telas.
Chamam isso de infraestrutura digital pública. Um nome difícil para algo que, na prática, deveria ser tão básico quanto energia elétrica ou água encanada: sistemas compartilhados de identidade digital, meios de pagamento instantâneo, plataformas seguras de troca de dados. Não são produtos de empresas. São bens comuns, construídos para servir a toda a sociedade.
A Índia, talvez o maior laboratório dessa prática no mundo, criou um tripé que já é referência global: Aadhaar, um sistema de identificação biométrica; UPI, uma rede de pagamentos gratuita e instantânea; e o India Stack, que conecta esses elementos com segurança e transparência. Resultado? Redução de fraudes, inclusão bancária de milhões de pessoas e uma nova economia digital florescendo onde antes só havia informalidade.
Mas não é só por lá. Estônia, Ruanda, Singapura e até o Brasil, com o pix, mostram que é possível redesenhar a relação entre governos, cidadãos e empresas a partir dessa base invisível. Uma base que permite, por exemplo, que auxílios emergenciais cheguem em horas, que startups inovem com segurança jurídica e que as pessoas não precisem repetir seus dados a cada cadastro público.
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Claro que não há mágica. Essa nova infraestrutura vem carregada de desafios. A começar pela falsa sensação de que o digital é neutro: não é. Se os sistemas forem mal desenhados, podem excluir em vez de incluir. Podem reforçar desigualdades, violar privacidades, concentrar poder. E isso não é uma suposição: já está acontecendo em países onde a pressa superou o cuidado ou onde a tecnologia foi capturada por interesses políticos.
Outro risco é a fragmentação. Cada país aposta em uma combinação diferente de tecnologias, prioridades e regulações. Sem padrões mínimos, interoperabilidade e acordos multilaterais, corremos o risco de construir ilhas digitais que não conversam entre si – e, pior, que deixam bilhões de pessoas para trás.
Ainda assim, a aposta vale. Porque em um mundo onde dados são moeda, e onde o acesso a serviços digitais define quem participa da vida econômica e quem fica de fora, não dá para seguir com uma infraestrutura do século passado. A infraestrutura digital pública não é sobre tecnologia, é sobre dignidade, oportunidade e pertencimento. É sobre garantir que todos tenham acesso não só à internet, mas à cidadania digital.
No Brasil, há caminhos promissores. O pix mostrou que soluções públicas podem ser eficientes, escaláveis e populares. A nova carteira de identidade digital é outro passo importante. Mas falta uma visão integrada. Falta pensar a infraestrutura não como projeto técnico, mas como política pública de longo prazo – com foco em inclusão, governança aberta, transparência e inovação local.
E falta, talvez, uma comunicação mais clara, que chame as coisas pelo que são, que explique por que um cadastro único importa; que mostre como dados compartilhados com responsabilidade podem evitar filas, erros, desperdícios; que convoque a sociedade para discutir essa nova fundação do país – porque, no fim das contas, quem não participa da construção da base, dificilmente terá lugar no andar de cima.
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A infraestrutura do futuro é silenciosa e invisível, mas revolucionária. Está sendo construída agora, nas decisões técnicas que tomamos, nos marcos legais que aprovamos, nas prioridades que escolhemos ou deixamos de escolher. E se o digital é, cada vez mais, o território onde a vida acontece, é hora de garantir que essa base seja pública, segura e de todos.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.