Mulher enfrenta problemas de memória por Alzheimer; imagem meramente ilustrativa -  (crédito: Freepik)

Mulher enfrenta problemas de memória por Alzheimer; imagem meramente ilustrativa

crédito: Freepik

Eu ainda era bem novo, mas me lembro de sentar aos seus pés com meus primos e ficar longos períodos ouvindo histórias. Ela era capaz de lembrar de fatos, datas, nomes e histórias de décadas atrás com uma clareza impressionante. Nós amávamos aqueles momentos repletos de aventuras, achávamos um barato conhecer os personagens das histórias que havíamos escutado.

 


Mas aqueles momentos começaram a se tornar estranhos, as palavras se embaralhavam, os nomes eram esquecidos, as datas não faziam sentido, os fatos não tinham mais fim e as histórias pareciam ganhar um tom surrealista. Nossos pais atribuíam as mudanças à idade e lembro até hoje o medo que sentia de perder a vovó. Eles amenizavam: "É normal esquecer as coisas de vez em quando, a vovó está bem", diziam. Mas a cada viagem para o interior ficava claro que a situação se agravava mais e mais.

 


Os pratos mais saborosos do mundo estavam sendo esquecidos, as longas conversas sobre o passado se tornavam fragmentos de memórias, como peças de um quebra-cabeça que se recusavam a se encaixar. Não tardou para chegar o diagnóstico: Alzheimer. A notícia caiu como uma bomba, para os mais velhos, mas nós, na inocência de criança, buscávamos entender quem era esse tal de Alzheimer que maltratava a nossa avó.

 


Já mais velho fui apresentado àquela que talvez seja uma das mais temidas doenças da atualidade. A enfermidade que apagava aos poucos a vitalidade das pessoas, que as deixava completamente desorientadas, que transformava tarefas simples do dia a dia em desafios intransponíveis. Me lembro de ouvir um tio dizer que algum dia a ciência descobriria um tratamento eficaz para o Alzheimer.

 


E parece que estamos cada vez mais próximos desse momento. No início desse mês, pesquisadores da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, publicaram um estudo em que revelam terem descoberto uma nova molécula, a qual denominaram RI-AG03, que promete prevenir o acúmulo de proteínas tóxicas no cérebro.

 

 

Um dos mecanismos centrais de evolução do Alzheimer está relacionado com mudanças químicas que geram o acúmulo de proteínas no nosso cérebro. A proteína denominada Tau tem um papel central na estabilização das células nervosas. No entanto, em cérebros afetados pelo Alzheimer, a Tau pode se unir, formando amontoados de proteína que prejudicam a comunicação celular, contribuindo de maneira decisiva para a morte das células e intensificando a progressão do Alzheimer. O que a RI-AG03 faz é impedir essa agregação, o que poderia frear o avanço da doença.


Nos testes em laboratório, a droga não apenas retardou a degeneração neural, como também prolongou a vida das cobaias. Mas para ser liberada para utilização humana muitos passos ainda são necessários. Além de mais testes em animais, ainda são necessários ensaios clínicos em humanos. Anteriormente, os ensaios clínicos realizados com foco nessa proteína haviam falhado, e esta nova droga traz esperança de que agora o caminho seja diferente.

 

 

Em paralelo, cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) descobriram uma outra substância chamada HNK (hidroxinorketamina) que tem se mostrado capaz de restaurar a capacidade de formação de novas memórias em pacientes afetados pelo Alzheimer. De acordo com o estudo, a HNK restaura a síntese de proteínas essenciais para a comunicação entre os neurônios. O processo de formação de memória ocorre no hipocampo, e se as proteínas essenciais não estiverem presentes ocorre uma falha nesse mecanismo que impede a criação de novas lembranças.

 

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A identificação de uma molécula capaz de fixar memórias perdidas e o desenvolvimento de um novo medicamento capaz de diminuir a evolução da doença são combustíveis importantes na luta contra uma doença que mata aquilo que o ser humano tem de mais característico, a consciência de saber quem é. Embora o caminho ainda seja longo, essas descobertas confirmam o caminho profetizado pelo meu tio décadas atrás: no futuro o Alzheimer será curável.