
As democracias e seus parlamentos de costas para o povo
Democracias pelo mundo apresentam diferentes indicadores para as dimensões da igualdade de seus cidadãos e da liberdade
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Cidadãos têm igual peso político quando votam. Apesar disso, das câmaras municipais passando pelos legislativos estaduais ao Congresso Nacional, votações que mobilizam o debate pelo caráter redistributivo, com raras exceções, fazem prevalecer a potente voz de uma minoria que, nas urnas, em tese, mal alcança 10% do eleitorado. Assim não fosse, o Brasil não seguiria entre os países do mundo com a pior distribuição de renda e maior desigualdade: por aqui, o coeficiente de Gini – indicador internacional para mensurar desigualdades – está mais próximo da África subsaariana do que da Suécia.
Vista em números, a distribuição da riqueza no Brasil é sempre elucidativa. Dados da Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF) dão conta de que 1% mais rico detém 27% da renda total do país, segundo estudo do economista francês Gabriel Zucman, de 38 anos, colega do Nobel Thomas Piketty.
Mas a sensibilidade dos parlamentos para esse estado de coisas é relativa. Para além da votação da “tarifa zero” nesta sexta-feira na Câmara Municipal de Belo Horizonte, também no Congresso Nacional, tal paradoxo democrático se explicita.
Em Brasília, depois de ser cozinhado em banho-maria por quase sete meses, o projeto de lei que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda só foi aprovado por unanimidade num contexto político muito específico, e mesmo assim, a matéria passou ao Senado mediante “ajustes” na proposta original do Executivo, que beneficiaram, em especial, os ganhos elevados da produção rural.
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Se nas democracias – e assim é na brasileira – cada cabeça vale um voto, o que explica que a representação de interesses esteja tão concentrada nos legislativos quanto a própria riqueza?
Em seu otimismo com as democracias liberais, e não obstante tenha registrado a permanente tensão entre a busca por liberdade e igualdade, Alexis de Tocqueville relacionou a democracia e a expansão da igualdade como um processo histórico inexorável, porque representaria uma ruptura com as experiências aristocráticas do passado. Será que a realidade confirma tal otimismo?
Democracias pelo mundo apresentam diferentes indicadores para as dimensões da igualdade de seus cidadãos e da liberdade. Em maior ou menor grau, todas estão diante do paradoxo brasileiro: por que segue minoritária a representação dos reais interesses da maioria da população nos parlamentos? É no âmbito da percepção de eleitores e das variáveis que a afetam que se encontram as explicações para a direção do voto.
Eleição após eleição – como antevira Ulysses Guimarães, com parlamentos cada vez menos representativos da diversidade da população –, persiste a inquietante pergunta: as democracias liberais caminharão como pensou Tocqueville para minimizar desigualdades ou seguirão aprofundando esse abismo, pela ação política de parlamentos e eventuais governos, que frustram mais do que representam? Talvez aí esteja a fonte do descrédito das instituições democráticas.
Com a palavra, Gabriel Zucman. Considerado o pavor dos bilionários, 86% dos franceses apoiam hoje a defesa da criação da chamada “taxa Zucman”, uma tributação de 2% sobre patrimônios superiores a 100 milhões de euros: incidiria sobre 1.800 famílias e seria suficiente, segundo o economista, para resolver os problemas fiscais daquele país. Como se vê, cá e lá, paradoxos há. Se as democracias não vencerem esse impasse, serão arrastadas pela maioria dos excluídos, que já nada têm a perder.
Lobby e Copasa
BTG e Itaú são algumas das instituições bancárias que têm enviado representação à Assembleia Legislativa para prospectar, com parlamentares, o processo de privatização da Copasa. Estão interessados em formatar fundos de investimento em parceria com outros players para participar do leilão. A chamada PEC do Referendo, que põe fim à necessidade de consulta popular para a venda da estatal, estará pronta para o plenário esta semana. A comissão especial deverá votar nesta segunda-feira o relatório que será apresentado pelo deputado estadual Gustavo Valadares (PSD), favorável ao fim do referendo. Nos bastidores, comenta-se que foi elaborado no Palácio Tiradentes.
Consórcio multado
Irregularidades na atuação de consórcios em licitações para atas de registro de preços se tornaram a maior fonte de denúncias que chegam ao Tribunal de Contas do Estado (TCE). A mais recente penalidade foi aplicada a três responsáveis pelo Consórcio Intermunicipal Multifinalitário do Alto Rio Pardo (Comar), por descumprimento de decisão do TCE para que suspendesse os efeitos da Ata de Registro de Preços assinada com uma empresa para a aquisição de conjuntos educacionais de robótica. Foi aplicada multa de R$ 18 mil a João Carlos Lucas Lopes, ex-presidente do consórcio, Kamilly Costa Sena, a pregoeira, e a atual presidente, Talyane Alves Pereira.
Concorrência?
Ao suspender o pregão, o TCE considerou: falta de retificação e republicação do edital. Os erros no instrumento convocatório relacionados à data de abertura do certame e ao valor estimado para a contratação foram considerados graves, pois, em tese, comprometem a participação de potenciais licitantes e prejudicam a escorreita formulação das propostas. Falhas de licitações de consórcios, quase sempre por registros de preço, têm sido tão recorrentes, que o TCE está promovendo trilhas de fiscalização por IA (o robô Suricato).
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Uma nova história
“A dissolução da Assembleia Constituinte de 1823 – causas ocultas” é o nome do livro que será lançado pelo deputado federal Lafayette Andrada (Republicanos) ao final deste ano. Após dois anos de intensa pesquisa em arquivos do Brasil e de Portugal, Lafayette contesta a versão difundida em livros de história de que Dom Pedro I teria dissolvido a Constituinte, formada para elaborar a primeira Constituição após a Independência, por insatisfação com os debates que caminhavam para restringir o poder do imperador. “Basta ler os diários da Constituinte para constatar que isso não ocorreu. O que houve: assim como Dom João VI, Dom Pedro I cogitou restaurar o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve”, afirma. A Confederação do Equador, movimento revolucionário constitucionalista que se seguiu à dissolução da Constituinte, foi uma das razões que levaram Dom Pedro I a recuar.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.