
Bertha Maakaroun
Jornalista, pesquisadora e doutora em Ciência Política
EM MINAS
Entre a contenção e o paradoxo da tolerância
Fachin discursa, talvez na perspectiva de um pacto nacional, em que todas as instituições adotariam a autocontenção em nome da preservação democrática
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30/09/2025 05:00
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Após mais de três décadas de estabilidade democrática, entre 2019 e 2022, no contexto internacional da tecnopolítica e ascensão do populismo de extrema direita e, no contexto interno de criminalização da política e deslegitimação do sistema, o Brasil viveu um período atípico.
Eleito um presidente da República que, como se provou em recente julgamento da trama golpista, tentou com um golpe de Estado subverter as conquistas da Constituição de 1988, coube ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) conter as investidas contra a normalidade institucional.
Uma democracia militante, em postura de autodefesa, recentemente elogiada por teóricos internacionalmente reconhecidos como o cientista político Steven Levitsky, professor de Harvard e um dos autores de “Como as democracias morrem”, que dedica a sua trajetória profissional a estudar regimes autoritários competitivos e colapsos democráticos.
“Hoje as democracias morrem nas mãos de pessoas eleitas, que usam as instituições democráticas para subverter tudo. Muitos desses autocratas são populistas, que ganham poder através de ataques da elite, muito frequentemente tentam se impor sobre outras instituições democráticas, o Congresso Nacional e a Suprema Corte”, sustenta Levitsky.
Os ministros do STF conhecem bem essa história. Nas palavras da presidente do TSE, Cármen Lúcia, quem discursou na posse de Edson Fachin: “Os juízes desta Casa têm ciência das específicas tribulações de nosso tempo, que impõem ininterrupta vigilância dos valores e princípios da democracia, tão duramente confirmada no Brasil e recentemente agredida novamente”, disse Cármen Lúcia.
Ela destacou: “A democracia foi desconsiderada e ultrajada por antidemocratas em vilipêndio antidemocrático e abusivo contra o Estado de direito vigente”. E salientou ser a ditadura pecado mortal da política: “Nela se extinguem as liberdades, violentam-se as instituições, introduz-se o medo e define-se o preço vil das mentes e dos comportamentos, esvaziando-se a cidadania de seus ideais de igualdade e justiça para todas as pessoas”.
Alexandre de Moraes presidiu o TSE no momento de maior tensão da história democrática recente, em que um presidente da República aparelhou o estado para interferir nos resultados eleitorais do pleito de 2022. Eleição perdida, o plano de um golpe já estava em curso.
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Não à toa, Edson Fachin, ao tomar posse na presidência do STF, defendeu a atuação de Alexandre de Moraes, a quem saudou e prestou solidariedade, como deve ser o “desagravo a cada membro deste colegiado, a cada juiz ou juíza deste país, em defesa justa do exercício autônomo e independente da magistratura”. Desagravo feito, Fachin deu o seu recado: é tempo de contenção.
Fachin discursa, talvez na perspectiva de um pacto nacional, em que todas as instituições e atores políticos adotariam a autocontenção em nome da preservação democrática. Mas será que esta seria uma visão excessivamente ingênua do contexto em que as serpentes se multiplicam e nem todos os grupos assinariam a autocontenção?
Aí estão, pelo país e pelo mundo, atores dispostos ao tudo ou nada, imersos num universo informacional completamente descolado dos fatos. Como seria o necessário retorno ao “básico”, como pede Fachin, quando os fundamentos democráticos já não são compartilhados entre atores que militam. Eis o dilema.
Austríaco de origem judaica, Karl Popper foi forçado a fugir da perseguição nazista em 1937, após testemunhar como movimentos totalitários derrubaram a tolerante e democrática República de Weimar usando a liberdade de expressão ilimitada e as instituições democráticas, como o voto.
Foi nesse contexto que Popper formulou o clássico paradoxo da tolerância em sua obra “A sociedade aberta e seus inimigos” (1945). Disse ele: “Se estendermos tolerância ilimitada mesmo àqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra o assalto dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles”.
Corretor de imóveis
Depois de receber a lista de 343 imóveis do Estado, no âmbito do projeto de lei em que o governo de Minas apresenta os ativos para a federalização e adesão ao Programa de Pleno Pagamento das Dívidas dos Estados (Propag), o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Doorgal Andrada (PRD), vem sendo zoado por colegas. Em seu parecer, o parlamentar dividiu os imóveis em três grupos: edificações de propriedade estatal (143); edificações de propriedade de autarquias (129); e edificações de propriedade de empresas públicas e de sociedades de economia mista (73). Quando conseguir vencer a obstrução a oposição, Doorgal vai evitar a análise de mérito. Deixará o título de “corretor” para quem assumir nas próximas comissões.
Prisão em massa
Em outubro de 1968, para participar do 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), cerca de 800 jovens de todos os cantos do Brasil se reuniram clandestinamente em um sítio em Ibiúna, no interior paulista. Corriam os anos de chumbo com a crescente brutalização do regime. Os jovens pretendiam discutir estratégias de resistência ao regime, o futuro do país e a renovação das lideranças. Após cercar o local, a polícia promoveu a maior prisão em massa já registrada no país, levando centenas de estudantes para o presídio Tiradentes. Entre eles estavam José Dirceu, Vladimir Palmeira e Luís Travassos.
O livro
Para contar essa história, o escritor e biógrafo Jason Tércio lançou “Sitiados – A saga do Congresso de Ibiúna em 1968” (Matriz Editora/2025). A obra traz o relato dos bastidores da preparação do congresso, no contexto da crescente tensão daquele ano marcado pelo enterro do estudante Edson Luís, assassinado pelos militares, pela Passeada dos Cem Mil, e o ambiente internacional de rebeliões juvenis de Paris ao Vietnã. A obra foi construída a partir de pesquisa documental do antigo Dops, depoimentos de participantes, panfletos, fotografias e registros da época.
Tudo como dantes
Apesar das mudanças populacionais entre estados brasileiros que justifiquem a recomposição do tamanho das bancadas estaduais na Câmara dos Deputados, não haverá alterações para as eleições de 2026. O Supremo Tribunal Federal (STF) atendeu ao pedido do presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Despacho do ministro Luiz Fux suspende uma determinação anterior da Corte, que previa a redistribuição das 513 cadeiras pela Justiça Eleitoral. O prazo para o TSE concluir o cálculo acabaria nesta quarta-feira (1°/10). Se a mudança ocorresse, sete estados perderiam deputados na eleição de 2026 e outros sete, entre eles Minas Gerais, ganhariam cadeiras na Câmara.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.