
De volta à guerra do fogo?
Experiência brasileira recente mostra que os anistiados por golpe no Brasil sempre retornaram para cometer novos golpes. Por que agora seria diferente? Não será
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A mitologia grega atribui a Apolo e Dionísio opostos complementares na vida humana. Apolo é razão, ordem e limites. Dionísio está associado a paixão, revolta, desordem e transformação. A história costuma ser implacável com falsas soluções para crises agudas. O Brasil vive um momento de raro desempenho econômico. A Bolsa de Valores de São Paulo quebrou por quatro vezes seguidas o seu próprio recorde e fechou a semana em 145 mil pontos. Será desdobramento de uma política externa que se alia a um polo, à porta do Oriente, sem contudo se desgarrar das relações com dois outros polos ainda suficientemente fortes para se fazer sentir no cenário mundial?
Isso também é fruto de uma política interna tradicional, que mantém intacta a ordem econômica, com relações de trabalho até abusivas, compensadas por uma série de políticas redistributivistas, do Bolsa Família, passando pela saúde e educação gratuitas, além de insumos com incentivos estatais. Estão aí os ingredientes que mantêm o frágil equilíbrio interno, numa sociedade que ainda registra elevados índices de desigualdade econômica e social.
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Com o fim do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mais da metade da sociedade parecia respirar novos tempos. Porém, foi a reação bolsonarista no Congresso, o oportunismo do Centrão e a fragilidade do presidente da Câmara que jogaram fogo à cena. A PEC foi a da Blindagem, já prontamente apelidada de “da Bandidagem”, por colocar os parlamentares numa condição de relativa proteção face a eventuais crimes.
Setores empresariais financeiros flagrados com a mão na massa nas ações da Polícia Federal contra o crime organizado – infiltrado que está em todas as institições de estado – apostam agora no quanto pior melhor. As redes sociais, que vivem da pirotecnia, ardem. Até os segmentos democráticos, antes adormecidos, prometem dar as caras nas ruas neste domingo. As elites econômicas a tudo assistem atônitas. Se os negócios vão bem, o cenário que se desenrola pode por tudo a perder.
Na cena política, incendiários de outrora se apresentam como pacificadores. Aécio Neves (PSDB) e Michel Temer (MDB) saíram de um longo inverno das sombras para ganhar destaque no novo contexto de bolsonarismo órfão. Aécio é neto de Tancredo, ao contrário de seu avô, que aludia aos setores mais extremados da ditadura como “touros broncos” – e se esforçava para isolá-los considerando-os prejudiciais ao futuro da democracia nascente –, Aécio aparentemente quer dar sobrevida aos touros broncos. Transformar a anistia em redefinição da pena ou outro qualquer acordo casuístico de plantão não vai solucionar a crise, pelo contrário, vai postergá-la. A experiência brasileira recente mostra que os anistiados por golpe no Brasil sempre retornaram para cometer novos golpes. Por que agora seria diferente? Não será.
Os empresários mais lúcidos sabem que políticos da direita bolsonarista costumam ser bons de pirotecnia, mas fogo arrasa negócios. Pior, abre caminho para mudanças ainda mais profundas em seu ocaso, que virá em breve. Javier Milei, no país ao lado, que o diga. A história também é pródiga em exemplos. Foi Alexandre III na Rússia e a sua brutal repressão social e política, que preparou o terreno para a Revolução de 1917. O 8 de janeiro foi apenas um golpe mal engendrado, mas os populares que invadiram a Praça dos Três Poderes em Brasília tinham em mente a mesma frase que embalou o nascimento de um dos partidos que hoje governa o país.
O PT nasceu e se criou com o lema: “Contra tudo isto que está aí”. Hoje, a esquerda anda apolínea, defendendo as instituições democráticas, e a extrema direita dionisíaca trabalha para pôr o sistema abaixo. Mas não punir pirotécnicos da mais recente tentativa de golpe estimula o retorno daqueles de um passado longínquo. Uma nova esquerda está nascendo no mundo e ela não fala mais em reformas sociais. As ruas, especialmente da França e dos Estados Unidos, em episódios recentes, demonstram bem. As redes, então, melhor ainda. O fogo e os deuses trocam de lado, para isso basta perder o medo.
Bolsa de apostas
Jantar de despedida, nesta quarta-feira, do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, está agitando Brasília. Na bolsa de apostas, um grupo de políticos sustenta que trata-se de despedida da presidência da Corte, que será comandada pelo ministro Edson Fachin, com posse em 29 de setembro. A outra aposta que movimenta o meio político é a de que Luís Roberto Barroso, de 67 anos, irá se despedir da magistratura, o que abriria a guerra entre candidaturas para a vaga dele, que em tese, só se abriria em 2033. O atual advogado-geral da União, Jorge Messias, é um dos bem cotados para ocupar a vaga.
Agenda da indústria
A Federação da Indústria de Minas Gerais (Fiemg) lançará, nesta segunda-feira, no restaurante Caravaella do Diamond Mall, a agenda legislativa da indústria mineira que irá acompanhar de perto as matérias de interesse do segmento em tramitação na Assembleia Legislativa. São cerca de 30 projetos, nas áreas de energia, tributária, jurídica e de meio ambiente.
União Progressista
O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), que ao lado de Antonio Rueda (União) preside a União Progressista, tem avisado aos interlocutores de Minas que pretende apoiar a candidatura de Mateus Simões (Novo) ao governo de Minas. Se combinou com os russos, digo, com o prefeito Álvaro Damião (União), é questão a se saber.
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Política externa dos portos
“Bonifácio a Amorim – Elementos de uma teoria social da política externa brasileira” (Editora UFMG/2025) é a mais recente obra de Dawisson Belém Lopes, professor de Política Internacional e Comparada da UFMG. Neste que é o seu 11º livro, Dawisson Belém Lopes argumenta que o Brasil não adquiriu a sua personalidade internacional em 7 de setembro de 1822, data do “grito do Ipiranga”. Os traços mais ou menos permanentes da conduta brasileira nas relações exteriores firmaram-se nos séculos de interação com a sua sociedade e com as demais sociedades nacionais ao redor do mundo, afirma o professor, quem, de forma original, sustenta que o Brasil angula a sua política externa a partir dos interesses da sua atividade exportadora.
Reforço da vocação
“Historicamente, as oligarquias latifundiárias pautaram a nossa inserção no mundo como país agrário exportador, inclusive adequando a matriz de política externa aos interesses do agronegócio”, afirma Dawisson Belém Lopes, considerando que desde o século 16, o latifúndio deu o tom da inserção do Brasil no mundo como provedor de bens primários para a metrópole. Quando o Brasil se torna independente, reforça essa vocação e os portos brasileiros de Recife, Salvador e Santos são os principais filtros para se compreender a política externa. “É preciso olhar o que estava sendo exportado e embarcando nesses portos”, diz.
O tarifaço
Na passagem do século 19 para 20, há uma mudança importante dos alinhamentos internacionais do Brasil: os EUA se tornam nosso maior parceiro internacional, principalmente na compra do café. “Rio Branco entendeu que os EUA eram país em ascensão e que convinha uma aproximação. Os EUA desbancaram o Reino Unido”, aponta Dawisson Belém Lopes. A atividade exportadora segue decisiva para pensar a política externa brasileira, afirma ele, o que explica toda a mobilização com o tarifaço anunciado por Donald Trump sobre os produtos nacionais.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.