
Os riscos de uma anistia
Tentativas de golpe, ainda que fracassadas, nunca são pouca coisa. Denotam índole antidemocrática de seus atores, que são sempre tentados a voltar a agir
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Os governadores presidenciáveis Ronaldo Caiado (União), Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Romeu Zema (Novo) – apoiadores de indulto e anistia aos envolvidos na trama golpista – talvez devessem fazer a sua escolha: ou bem desistam de se apropriar da imagem de Juscelino Kubitschek ou revejam as suas posições pela revisão de seus conhecimentos históricos. Importante que o façam em fontes científicas.
Cassado pela ditadura militar em junho de 1964, até por ter vivido os últimos anos de sua vida sob vigilância do regime de exceção, JK não deixou reflexões nem escritos específicos sobre as anistias que patrocinou aos envolvidos em três tentativas de golpe que sofreu, desde que eleito presidente da República em 1955.
Apesar disso, na intimidade dos diálogos e cartas com interlocutores próximos, talvez JK tenha desabafado. De verdadeira índole democrata, foi tolerante com intolerantes, o que o levou a sofrer as consequências: os mesmos sabotadores da democracia tentaram uma, duas até alcançarem sucesso em 31 de março de 1964.
Aqui seguem três recortes da memória histórica.
Revoltados com a Novembrada, contragolpe liderado pelo general Henrique Teixeira Lott em 1955, para desarticular o movimento golpista, que visava impedir a posse do eleito JK, em 1956, já no primeiro mês de mandato, um grupo de militares da Aeronáutica voltou a agir: em 11 de fevereiro tomou um avião militar do Campo de Afonsos, no Rio de Janeiro, e partiu para a base militar de Jacareacanga, localizada no Pará. Os militares se instalaram e lá estabeleceram um quartel-general. Passados dez dias do levante, conseguiram dominar algumas cidades próximas. Foram contidos apenas em 29 de fevereiro, por tropas legalistas. Em nome da “pacificação”, JK anistiou os envolvidos da chamada Revolta de Jacareacanga.
Impunes, não à toa, três anos depois, voltaram a agir. O então tenente- coronel da Aeronáutica, João Paulo Burnier e dez homens invadiram o aeroporto do Galeão, roubaram três aviões e rumaram para a Base Militar de Aragarças, em Goiás. Em ação coordenada, ao mesmo tempo, cinco oficiais da Força Aérea Brasileira (FAB) tomaram um avião Beechcraft em Belo Horizonte. Um dia depois, o major Teixeira Pinto sequestrou um avião da Panair que deixava o Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, rumo a Manaus, com 38 passageiros a bordo. De posse dos cinco aviões, voaram para Aragarças, no confins de Goiás, fronteira com Mato Grosso, onde planejavam instalar o quartel-general da tentativa de golpe em curso. O plano era bombardear o Palácio do Catete e matar JK. O movimento duraria dois dias e acabaria fracassando. Ficou conhecido como Revolta de Aragarças. Dos 300 homens que o líder Burnier esperava reunir no levante, somaram-se 34, reduzidos a 15 ao final. Em abril de 1960, JK anistiaria todos.
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Assim é a natureza de certas anistias. Quatro anos depois, lá estariam eles de volta, registrando as suas digitais, desta vez numa ruptura golpista bem-sucedida. Entre os mais “notáveis” envolvidos na Revolta de Aragarças, estavam o marechal Castello Branco, que se tornaria primeiro presidente da ditadura militar. Burnier, outra figura carimbada dos porões do novo regime, encerraria a carreira como brigadeiro, mais recentemente ganhando nova visibilidade em “Ainda estou aqui”, por sua participação não apenas na morte e ocultação do cadáver de Rubens Paiva, mas também de brutal tortura contra Stuart Angel.
Tentativas de golpe, ainda que fracassadas, nunca são pouca coisa. Denotam a índole antidemocrática de seus atores, que, como revela a história, são sempre tentados a voltar a agir. Basta olhar para o passado de alguns daqueles que hoje se tornaram réus do núcleo crucial acusado de uma nova trama golpista. Que a sociedade brasileira consiga olhar para o seu passado e escolher o que quer para o seu futuro.
Em aberto
Por que o motorista Geraldo Ribeiro, que em 22 de agosto de 1976 conduzia Juscelino Kubitschek em viagem na Rodovia Presidente Dutra, perdeu o controle do automóvel e bateu de frente em uma carreta? O que motivou o acidente que levou JK e Geraldo Ribeiro à morte é controvérsia ainda não resolvida pela história. Teria sido acidente ou um atentado? Diferentes comissões da verdade chegaram a diferentes conclusões ou declararam inconclusivas. Com o caso reaberto em 2024 pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), a lacuna histórica volta a ser pesquisada.
Novo parecer
Maria Cecília de Oliveira Adão, relatora do caso na CEMDP, esclarece que os elementos que motivaram a colisão estão em análise, à luz do minucioso trabalho de investigação e pesquisa realizado pelo perito engenheiro Sergio Ejzenberg, divulgado em 2021. Ele reforçou a tese de que a colisão não foi a causa do desastre. Segundo o especialista, a destruição do Opala após o acidente, no pátio da Delegacia de Resende (RJ), impediu análises mais aprofundadas sobre possíveis interferências externas no veículo. Além disso, laudos médicos da época não incluíram exames toxicológicos para verificar se o motorista havia sido envenenado.
Verdade histórica
“Este é um caso que busca o reconhecimento da verdade histórica, corrigir algo que sempre causou dúvida”, afirma Maria Cecília de Oliveira Adão em entrevista a esta coluna. Devida à extensa documentação e complexidade do caso, ainda não há previsão de data para a conclusão do relatório.
Zema no alvo
O presidente da Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB), Adriano Galdino (Republicanos), classificou como preconceituosa a fala do governador Romeu Zema (Novo) com críticas ao Nordeste. “É uma fala preconceituosa, como sempre, contra o nosso Nordeste. Nós precisamos repercutir isso de maneira forte e firme, em defesa da Paraíba e da nossa região”, declarou o presidente da Casa Legislativa, na abertura da sessão plenária. Galdino também exibiu o vídeo do governador com críticas ao Nordeste, durante entrevista concedida na semana passada. Zema afirmou que os estados pobres do Brasil são sustentados pelos mais ricos e que esse assistencialismo teria que acabar. (Alessandra Mello)
Números
Galdino destacou que o discurso do governador mineiro ignora os números sobre investimentos do governo federal no Brasil. Citando dados da nota de repúdio, divulgada na semana passada pelos nove governadores do Nordeste, também contra a fala de Zema, Galdino afirmou que, em 2024, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) destinou quase R$ 100 bilhões em financiamentos para Sul e Sudeste, contra apenas R$ 13 bilhões para o Nordeste. “E vem esse cidadão dizer que o Nordeste é beneficiado com uma ajuda eterna. Os números mostram exatamente o contrário”, afirmou. (AM)
Edinho em BH
O presidente nacional do PT, Edinho Silva, vai se reunir hoje com o presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), Tadeu Martins Leite (MDB), para ouvir possíveis demandas relacionadas ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag). O petista deve levar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sugestões do Legislativo mineiro. A Assembleia vai retomar a votação dos projetos relacionados ao Propag. Entre elas a da proposta de privatização da Copasa. Os valores decorrentes da privatização, caso aprovada, só poderão ser usados para amortizar a dívida de R$ 170 bilhões com o governo federal. À noite, Edinho vai participar da cerimônia de posse da nova direção do PT estadual, presidida pela deputada estadual Leninha, no Sesc Venda Nova. (Thiago Bonna)
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.