Bertha Maakaroun
Bertha Maakaroun
Jornalista, pesquisadora e doutora em Ciência Política
em minas

Sequestro de crianças em arbítrio de estado

O esquema judicial fraudulento envolvia uma rede de advogados, religiosos, comissários de menores e oficiais de justiça

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Marco para o direito à reparação, decisão do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) abrirá precedentes para outros casos envolvendo adoções irregulares no Brasil, sobretudo no contexto de crimes cometidos contra mulheres e famílias vulneráveis mediante a negligência institucional.

A Justiça Federal em Minas Gerais reconheceu a responsabilidade da União e do estado de Minas Gerais por violações graves cometidas entre 1985 e 1987, durante a transição da ditadura militar para a democracia, em Santos Dumont, na Zona da Mata, contra famílias pobres que tiveram filhos retirados à força e enviados para a adoção no exterior, principalmente na França e na Itália.

O esquema judicial fraudulento envolvia uma rede de advogados, religiosos, comissários de menores e oficiais de justiça, sob a autoridade do juiz Dirceu Silva Pinto, já falecido.


A sentença foi proferida pelo juiz federal convocado Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves, da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), após afastar o entendimento anterior de que teria havido prescrição da ação.

Ao reformar a sentença de primeira instância, o magistrado apontou danos causados às famílias de tal gravidade que justificam a adoção de um regime excepcional de responsabilidade civil do estado: a sentença acolheu a apelação de cinco vítimas e condenou o estado de Minas Gerais e a União ao pagamento, de respectivamente 80% e 20% das indenizações que somam R$ 1,8 milhão.


A decisão reconhece que, se por um lado, a atuação do estado foi determinante para a concretização das adoções ilegais, por outro, a União foi omissa ao permitir a saída irregular das crianças do país, sem qualquer investigação sobre a legalidade dos processos. Em que pese que o esquema criminoso tenha vitimado centenas de crianças, a ação em questão envolve três famílias, em que filhos foram arrancados das mães, sem consentimento, por agentes de estado.

As três mães relataram ter sido presas, interditadas – consideradas loucas – e impedidas de reagir diante da arbitrariedade. Em 2016, os casos foram relatados à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, em audiência pública realizada em Santos Dumont.

Arbítrios dessa natureza são característicos de estados autoritários. “No Brasil, a Constituição de 1988, marco que conclui a transição democrática, abre o caminho para novas leis, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece formas mais seguras de adoção”, afirma o advogado especialista em direito da família Rodrigo da Cunha Pereira, presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDF).

“Antes do ECA, eram muito frequentes situações em que, com ou sem consentimento das mães e pais, as crianças eram entregues ou tomadas à força. E nesse contexto, prosperava o tráfico, inclusive para retirada de órgãos”, assinala o especialista.


Na Argentina, para calar a oposição à ditadura militar (1976-1983), cerca de cinco centenas de bebês de mulheres que militavam na resistência foram sequestrados por agentes de estado, naquele que ficou conhecido como o “Plan sistemático de apropriacion de menores”.

As mães grávidas eram “desaparecidas” e/ou assassinadas após o parto. As crianças tinham nomes, filiação, data e local de nascimento adulterados e eram entregues ou a famílias de militares ou a famílias de aliados da ditadura e, em alguns casos, a casais que não estavam envolvidos na repressão de estado.


No caso argentino, a associação civil “Abuelas de Plaza de Mayo” em mobilização e resistência ininterrupta, conseguiu ao longo das últimas décadas recuperar mais de 130 de suas netas e netos sequestrados, que portam e engendram, já em idade adulta, as “memórias em seus corpos e vidas”, segundo aponta a antropóloga Aline Lopes Murillo, em sua tese “Personas memoriales: practicas de parentesco y política em Argentina”, defendida em 2023 na USP. Ao reconstituir identidades pessoais, essas histórias dramáticas realimentam a memória do país, mobilizando uma pluralidade de ideias sobre o regime militar. Assim são as ditaduras.

Mês da adoção

Neste maio, mês da adoção, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDF) irá apresentar ao Senado Federal proposta para projeto de lei para aperfeiçoar e agilizar os mecanismos vigentes nos processos de adoção no Brasil.

“A legislação em vigor tem o mérito de ter introduzido grande segurança jurídica nos processos, o que é muito importante até pela herança de abusos que temos no país antes da Constituição Federal de 1988”, afirma Rodrigo da Cunha Pereira, presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDF).

“Mas é preciso simplificar os processos, sem perda da segurança. E isso é o que estamos propondo”, destaca também. Ele considera que, atualmente, cerca de 40 mil crianças estão em abrigos à espera de famílias. O IBDF vem discutindo com o senador Fabiano Contarato (PT/ES), que é pai adotivo, as linhas gerais da proposta.

Preconceito

Além do preconceito muito presente na sociedade brasileira contra a adoção, dentro de uma cultura de que os filhos que constituem uma família seriam apenas os biológicos, é um processo extremamente burocrático e difícil, explica Rodrigo da Cunha Pereira. “Grande parte dessas crianças passa toda a infância e vida adolescente nessas casas, aguardando uma família. E alguns desses processos podem ser simplificados. Eu, por exemplo, defendo que a adoção dirigida, em que a mãe escolhe a quem gostaria de entregar a criança para a adoção, possa ser considerada. A verdadeira paternidade e/ou maternidade é adotiva”, afirma.

Propag

A Comissão de Finanças e Tributação da Câmara aprovou nesta quarta-feira um requerimento do presidente Rogério Correia (PT-MG) para a realização de audiência pública que discutirá a adesão de Minas Gerais ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag). Dentre os convidados, estão o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ex-presidente do Senado e autor do projeto de lei que instituiu o programa, e o presidente da Assembleia Legislativa, Tadeu Martins Leite (MDB), que trabalhou na construção do projeto e para a aprovação da matéria.

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Em Brasília

O prefeito de Belo Horizonte, Álvaro Damião (União), esteve em Brasília nesta quarta-feira (23) acompanhado da bancada municipal do PT – vereadores Luiza Dulci, Bruno Pedralva, Pedrou Rousseff e Pedro Patrus – e dos deputados federais Rogério Correia e Patrus Ananias, em agendas em diversos órgãos do governo federal. A municipalização do Anel Rodoviário foi discutida com a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann; o uso do terreno onde funcionava o antigo aeroporto Carlos Prates, debatido com a ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck; e com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, foram tratadas questões relacionadas à saúde pública em BH.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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