Bebel Soares
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PADECENDO

Cantigas de ninar

Acredito que minha mãe tenha vontade de se ver, mais uma vez, segurando a criança que cabe em seus braços, tão pequena, tão frágil, tão doce

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Por Felipe Soares

Dormia ao ouvir cantigas de ninar. A infância era uma época mais simples. Hoje, as coisas já não são assim. Gostaria de chorar ao ouvir uma música estranhamente feliz,  diferentemente dos dias presentes, quando choro ao refletir sobre a minha vida de adolescente. Não importa o quanto eu possa estar mal-humorado, deprimido ou distante; irritantemente, sempre vou ouvir perguntas quanto ao meu bem-estar. Tenho que aprender a lidar melhor com isso.
Queria eu ser apenas um bebê, sem conhecimento das palavras, assim, quem sabe, não quebrariam morfemas nos céus, cortando a mim com poesia. Prefiro a maresia oxidante dos peitos de mãe.
Invejo a inocência das crianças, invejo a capacidade de perceber o sol com bom grado, habilidade que perdi há algum tempo,  agora olhos doem ao, me levantar da cama. Quem sabe, se pudesse voltar ao passado, eu pudesse evitar muitas coisas?
Acredito que minha mãe tenha vontade de se ver, mais uma vez, segurando a criança que cabe em seus braços, tão pequena, tão frágil, tão doce. Não importa o quanto nos esforcemos, nunca chegaremos à satisfação absoluta, agradeço a alguém muito especial pelo incentivo. Obrigado, mãe.
Independentemente de qualquer coisa, nunca serei completamente capaz de abandonar a ideia de rebobinar minha vida. Talvez, se por um instante acreditarmos fortemente nessa realidade, talvez, quem sabe, as coisas possam se desenrolar de forma diferente?
Quantas coisas eu não faria diferente com relação aos meus pais? Quantas vezes me comportaria melhor, por que não entendia a responsabilidade na época?
Espero que o oblívio venha, e, com ele, possa então reunir-me ao abraço apertado de pais que não mais existem, sendo eu alguém que não existe mais. Quem sabe, poderíamos aprender a aproveitar ao máximo esse rio enquanto ainda somos os mesmos?
Todos os rostos que nunca mais vi, será que poderia aproveitá-los uma vez mais? Poderia então voltar à minha inocência, esquecer-me das doenças do mundo? Das pessoas doentes, vampiros que sugam nosso sangue?
Poderia então livrar-me do meu tique no canto dos lábios, para, então, adormecer ouvindo uma melodia maravilhosa, imaginando, um dia, cantar também aos filhos meus?
Acordar, ver o sol entrar pela janela, pelas magníficas persianas semitransparentes, criando belos feixes de luz. Eu criança amo como a luz brinca com meus cabelos de fogo. Levanto e posso brincar a manhã inteira, fingir ser bombeiro, comer calmamente.
Sair de casa enquanto contam histórias de dragões e bruxas que lá estavam quando nasci. Chegar na escola para aprender sobre os números e letras. Brincar de desenhar com os amigos enquanto brigo para convencer aos outros que vermelho não é cor de menina. Brincar em um enorme parquinho. Curtir as praias de areia azul desse destino turístico da imaginação. Contar até 300 em um jogo de esconde-esconde, talvez comendo muitos números. Brincar de abraçar meus amigos em um jogo que inventamos. Falar de dados a serem transmitidos para a nave mãe, sem ao menos saber o significado dessas palavras.
Depois, passear em um parque com esculturas de porcos de pedra divertidos que quase correm por aí. Brigar com meus tênis por serem demasiadamente folgados. Fazer minha mãe enlouquecer com tantas palavras, choramingos e correria ao mesmo tempo. Cantar sobre um elefante amarelo abraçando um leão.
Invejo o poder que tinha de assimilar que o que era bom, me deixava feliz. Hoje não há muitas coisas que me deixem inspiradamente escandaloso. Havia tempo antes de lidar com desilusões e amores mal interpretados. Podia usar as palavras “te amo” em um sentido que hoje se perdeu.
 
Tudo isso era bom, mas eu amo minha vida de hoje também, do jeito que ela é, porque sei que, independentemente de qualquer coisa, sempre vou ter as memórias da minha mãe e das cantigas de ninar.
 

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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