
A mulher que ousa ser livre é sacrificada
Em um divórcio, as mulheres fazem de tudo para proteger seus filhos, enquanto os homens só se preocupam em proteger seu patrimônio
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“Se ele é violento, por que ela não se separa?.” Essa pergunta é uma constante quando falamos em relacionamentos abusivos, mas não existe resposta simples quando as questões são tão complexas. A mulher que ousa ser livre em uma sociedade patriarcal e machista é sacrificada.
A palavra do homem sempre tem um peso maior. A mulher pode contar o que houve, pode ter testemunhas, pode ter vídeos onde podemos ouvi-la gritando “não” várias vezes, que sempre haverá dúvidas. O homem pode mudar o depoimento 200 vezes, pode ter processo de violência doméstica, pode ter vídeo onde ele aparece cometendo um crime, que sempre terá o benefício da dúvida.
Sair de um relacionamento abusivo não é simples. Os abusos, especialmente o abuso psicológico, mina a autoestima, cria dependência e vulnerabilidade. Quando o casal tem filhos, a situação fica ainda pior. Se a mulher não tem independência financeira, se ela não tem para onde ir, se o marido acha que ela é posse dele, como sair?
O abuso destroi a pessoa. O medo de não dar conta de sustentar os filhos é o menor deles; tem o medo de ser morta, medo de perder a guarda dos filhos, medo do abusador matar o próprio filho para se vingar dela. Todos esses medos são muito reais, estão nas manchetes diárias dos jornais..
Não são poucos os motivos que levam mulheres a ficarem presas a relacionamentos tóxicos. A mulher sempre é prejudicada quando decide sair de um casamento. Nossas avós já diziam: pai é pai enquanto está casado com a mãe dos filhos dele. Em caso de separação, o mais comum é vermos esses homens se esquecendo das responsabilidades paternas, a pensão, a responsabilidade afetiva, a presença.
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Em um divórcio, as mulheres fazem de tudo para proteger seus filhos, enquanto os homens só se preocupam em proteger seu patrimônio. E quando digo proteger seu patrimônio, quero dizer que eles vão fazer o máximo para dar o mínimo e a Justiça, geralmente, estará do lado deles. Às mães resta dar conta de cuidar e de fazer o impossível para conseguir ganhar dinheiro suficiente para cobrir as despesas que a pensão alimentícia não cobre, mesmo que para isso ela trabalhe tanto que não tenha tempo para cuidar de si mesma.
Mas essa é a parte mais fácil. Mães têm medo de se separar e perder a guarda dos filhos para o ex abusivo, não porque ele queira mesmo cuidar da criança, mas porque ele quer usar a criança para fazer com que a mãe sofra. E se ele consegue a guarda, vai ser negligente, vai entregar o filho para a avó cuidar. Afinal, culturalmente, o trabalho de cuidado é feminino. Mãe tem medo da Lei de Alienação Parental, que ainda não foi revogada, porque essa lei deixa crianças nas mães de abusadores, inclusive abusadores sexuais.
Homens só tomam a iniciativa de sair de um relacionamento quando sabem que não vão se prejudicar, ou seja, quando a mulher não tiver mais uma gota de amor próprio, ou de força, ou de saúde, ou quando ela estiver em um momento de muita fragilidade. Não por acaso tantas mulheres são abandonadas quando recebem um diagnóstico de câncer, ou quando o filho tem uma deficiência grave, quando estão em um processo de luto pela perda de alguém importante, quando não têm forças para reagir. Se a mulher estiver forte, se tiver o próprio dinheiro, e for abandonada, ela vai atrás de seus direitos e os homens sabem disso.
Quando o homem pede o divórcio, provavelmente ele vai ter medo de quanto dinheiro a mulher pode tirar dele. Quando ela pensa em pedir o divórcio, ela vai ter medo de que ele tire dela os filhos ou a vida. E se observarmos o que a Justiça tem feito com as mulheres, fica claro, a mulher que ousa ser livre é sacrificada. É por isso que precisamos nos apoiar incondicionalmente. A jornada da heroína não é fácil, por isso não pode ser solitária. Ousamos ser livres e lutaremos por isso todos os dias, mesmo com medo.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.