Com a chegada da pílula, Nina Rosas explica que houve uma uma transformação radical no modo de exercício da sexualidade e a dissociação entre prazer, desejo e necessidade de reprodução -  (crédito: Reprodução)

Nem toda mulher pode fazer reposição hormonal. Somos seres desejantes e queremos ser desejadas

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 A falta de desejo sexual é uma questão feminina recorrente nas sessões de psicoterapia. Num recorte considerando relacionamentos monogâmicos e heterossexuais, a mulher deixa de sentir desejo pelo seu parceiro e sofre acreditando que ela está com algum problema fisiológico, talvez relacionado à menopausa, hormônios ou ao cansaço. Sexo para nós humanos não é apenas instinto, é desejo. Se é desejo, se faz parte da nossa construção, por que muitas mulheres reclamam da falta de libido depois dos 40, 50 anos?


 

Acontece que o problema muitas vezes não é físico, ele acontece por questões psíquicas. Uma questão que venho observando é a do parceiro que se acomodou, que se tornou dependente, deixou de fazer o papel de marido e se colocou no papel de filho.

 

 

 

O tabu do incesto é uma norma social universal, observada em quase todas as culturas do planeta e tem raízes profundas em nossa psiquê, segundo Freud em “Totem e tabu”. Conscientemente, a mulher sabe que marido não é filho, mas no inconsciente, já que ele age como filho e não como parceiro, o desejo por ele é reprimido.


 

Há alguns meses levei essa reflexão para uma rede social e a Mariah Brochado, professora titular de filosofia do direito e da tecnologia da FD-UFMG e doutora da UFMG, com pós-doutorado na Universität Heidelberg, na Alemanha, comentou: “O incesto é um dos temas mais complexos da antropologia, da psicologia, do direito, da filosofia, entre outros. Tem especial atenção da psicanálise e entendo a metáfora dos ‘maridos-filhos’ nessa perspectiva. 


 

O complexo de Édipo e de Jocasta é inspirado na simbologia da tragédia grega, em que o filho Édipo está destinado a matar o pai Laio, rei de Tebas, para desposar sua própria mãe, a rainha Jocasta. O desejo incestuoso é um tema desafiador e creio que a postagem sobre o ‘não desejo da mulher pelo homem-filho’ é perfeita! Não se trata de incesto juridicamente definido: conjunção carnal entre parentes por consanguinidade e afinidade. Entendi que a postagem se refere à circunstância simbólica de um marido se comportar como filho e isso frustrar o desejo da mulher à medida em que ela não quer desejar alguém cujo comportamento é típico de filho. 


Ela quer desejar um homem e, portanto, não quer uma relação ‘incestuosa’! Nesse sentido, ela tem seu desejo frustrado precisamente porque não aceita estar nessa relação incestuosa. Eu achei a reflexão muito refinada e lúcida, nos provocando a refletir sobre o que é, de fato, um desejo feminino incestuoso. 

 

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Uma coisa é a mulher ter desejo por um homem-adolescente, um homem-ursinho, um homem-frágil, um homem-feminino, um homem-infante, um homem-trans, um homem-objeto, e tantos papéis que um homem possa simbolizar numa relação. Outra coisa, e isso é muito mais complexo para nós, é uma mulher-mãe desejar um homem-filho. Desejo sexual de mulher-mãe por marido-filho é incestuoso, sim! E esse é um dos temas mais desafiadores da psicanálise”.


As questões que envolvem o desejo feminino são multifatoriais; precisamos nos lembrar disso antes de jogar toda a questão na falta de hormônios. Nem toda mulher pode fazer reposição hormonal. Somos seres desejantes e queremos ser desejadas. Às vezes, o desejo sexual desaparece da vida, mas surge nos sonhos e, segundo Freud, o sonho é a realização de um desejo.