
Meu inverno na companhia de J. D. Salinger
Releio 'O apanhador no campo de centeio'. Difícil nos dias atuais encontrar textos assim, contando a vida como ela é
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Como os leitores desta coluna sabem, o melhor jeito de enfrentar o frio que está fazendo é um bom cobertor, bom livro e cama. Este é o meu programa diário, que enfrento com bastante desconforto, porque acredito que deveria estar fazendo alguma coisa de útil. Para conseguir isso, faço uma busca constante de livros que já havia lido e me encantaram. Como “O apanhador no campo de centeio”, escrito por J. D. Salinger, que aconselho todos a ler.
Gosto muito Salinger, porque ele escreve do jeito que gostamos de falar, com textos cheios de adjetivos poderosos. Vejam este pequeno trecho que copiei do romance, lançado em 1951:
“Eu estava a ponto de vomitar quando chegou a hora de sentar outra vez. Estava mesmo. E então, quando acabou o segundo ato, os dois continuaram a tal conversa morrinha. Ficamos pensando em outros lugares e outros nomes de pessoas que moravam lá. Para piorar, o palhação tinha uma dessas vozes bem cretinas e pedantes, como se estivesse cantando pra burro. Parecia uma moça, com aquela voz de fresco.
Mas o filho da mãe não teve o menor escrúpulo de se meter com minha pequena. Quando saímos do teatro, pensei até que ele ia entrar conosco na droga do táxi, porque andou uns dois quarteirões com a gente, mas acabou dizendo que tinha de tomar uns drinques com uma turma de cretinos. Imaginei os caras sentados num bar, cada um metido numa droga dum colete xadrez, comentando peças, livros e mulheres com aquelas vozes cansadas e esnobes. Esses caras me enchem.”
O romance vai levando a história do estudante que havia saído antes da universidade, para não deixar os pais saberem que tinha sido expulso. E segue nesse tom, usando adjetivos para reforçar a raiva contra tudo e contra todos.
É um relato normal, sem grandes casos, mas dentro de um texto que não usa momentos odientos, onde a vida é contada como ela é. Difícil nos dias atuais encontrar textos assim, contando a vida como ela é, sem rebuscar a história com referências ou com ações redundantes.
Nos livros dos últimos tempos, os autores devem registrar sabedoria, uma linha intelectual que normalmente foge da verdade.
Um colegial, mesmo da universidade considerada uma das melhores, normalmente não assimila bem os conhecimentos que vai recebendo nas aulas. É isso que o livro de Salinger deixa bem claro: seu personagem é um rapaz novo, que está começando a aprender não só na escola mas na vivência com outros personagens – mesmo assim, tem um lado que merece ser o centro de todo um texto sobre a vida. Vale conhecer e ler este romance.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.