Anna Marina
Anna Marina
ANNA MARINA

Livro raro

Reli "Minha vida de menina", de Helena Morley, pseudônimo de  Alice Dayrell Caldeira Brant. É uma dessas obras que servem de lição para a vida

Publicidade

Mais lidas


Deixei de lado os livros pesados, que falam de guerras, nazistas e outros azares da vida e lancei mão de outros, que nos ajudam a viver mais levemente. Procurei meus exemplares que são assim e encontrei o clássico “Minha vida de menina”, escrito por Helena Morley, na verdade, Alice Dayrell Caldeira Brant.

 


As duas orelhas do livro levam texto de Carlos Drummond de Andrade, que, no princípio, acreditou que o conteúdo po

deriam ser leves registros de uma menina, até que percebeu que era muito além disso. O livro foi traduzido para o inglês pela poeta americana Elizabeth Bishop e apreciado por outros nomes importantes da literatura mundial.


Achei o livro, depois de muito procurar, na Livraria Amadeu, que era especialista em livros usados, e foi uma delícia só. A autora, colegial, relata a vida de sua família e fatos da realidade brasileira, de 1893 a 1895.

 


Conta que foi estimulada pelo pai a escrever tudo que lhe acontecia, o que foi reforçado pelo professor de português, como composição diária da vida, dentro do esquema de “redação”. Vivia em Diamantina, e sua família era composta por brasileiros e parentes ingleses.


No diário, a jovem conta que seu pai foi convidado para entrar numa sociedade familiar, mas sua mãe interferiu, achando que não era uma boa. “Mamãe conta o sofrimento dela e do meu pai, quando o serviço foi aberto e os diamantes começaram a estrelar em cima do cascalho. Meu pai comprou os corridos da lavra e tirou muitos diamantinhos pequenos que vende por dezesseis contos. Tio Geraldo, que tinha a maior parte no serviço, aí é que fez a fortuna dele.”


A família, como tantos outros,foi viver em Diamantina, que era considerada no país como a região do diamante, a pedra brotando em córregos, minas, o que desse. Os pais viviam separados, as mulheres ficavam na cidade, contando o dinheirinho que era raro, e os homens nas minas, tentando enriquecer.

 


Os Caldeira Brant deram certo, o livro não conta, mas ficaram muito ricos, família representativa brasileira, no século passado. “Meu pai acha muita graça dos negros da Chácara não saírem do fundo do quintal para verem enforcar o judas. Hoje foi Sábado de Aleluia. Tínhamos acabado de almoçar na casa do tio Geraldo quando foi passando a negrada toda, de roupa limpa, dizendo: ‘Louvado seja Cristo, Sinhá Véia’. Vovó perguntou; ‘Que é isto? Aonde vão todos assim?’ Gineroso e nós tudo vão vê inforca o juda que vendeu Nossinhô, oncê não vê que não é possíve?’ Vovó respondeu: ‘É isso mesmo, tem toda razão, podem ir. E lá foram eles cada um com sua manguara para esbordoarem o judas.”


As lembranças no diário da menina não escondem nada o que acontecia em sua cidade. A religião era a católica, sem reparos. “Padre Neves me disse outro dia, quando eu lhe contei que um primo me havia dito que o homem vem do macaco, que é um grande pecado ouvir essas coisas. Eu não tinha visto na História Sagrada, a história de Adão e Eva? Me calei. Mas se o Padre Neves conhecesse o macaco que tem aqui na vizinhança, até ele era capaz de acreditar. Esse macaco é muito mais inteligente do que os meninos que conheço. A dona dele é Siá Ritinha, que furta as galinhas dos vizinhos”.

 


A publicação original é de 1942. Em 2016, a Companhia das Letras lançou nova edição. Vale procurá-lo nas livrarias ou sebos, porque é desses livros que não morrem e servem de lição para a vida em todos os tempos.

 

 

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

Parceiros Clube A

Clique aqui para finalizar a ativação.

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay