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Anna Marina
Anna Marina
DE LONDRES A SANTA LUZIA

Rainha negra da Inglaterra e minha prima eram loucas por rapé

Charlotte Sophia, mulher do rei George III, cheirava rapé para afogar as mágoas. Em Santa Luzia, minha prima levava o seu pendurado no pescoço

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Esse meu tempo de sobrevida me reservou muitas horas em casa. E ocupar o tempo pede o quê? Ver televisão ou ler, que é o que mais gosto de fazer. Amiga me deu o livro “Charlotte Sophia – Um romance”, sobre a rainha negra da Inglaterra, mulher do rei George III, O Louco. Vinda de um ducado na Alemanha, tinha ascendência portuguesa e africana. Charlotte (1744-1818) pintava a pele com giz branco, o que não posso imaginar como é possível. O texto é muito sobre a Inglaterra, história pouco abordada em romances, e até inspirou minissérie da Netflix.

 

 

Entre as novidades – pelo menos para mim – está o fato de a rainha ser convidada por amigos a afogar suas mágoas em rapé. Nunca tinha lido sobre rapé como alívio para o sofrimento, como aponta a literatura, e não crime contra os bons costumes, como se achava por aqui.

 

 

Tive uma prima muito especial que levava, pendurado no pescoço, numa corrente, um pouco de rapé, que oferecia a poucos. A maior ocupação dela era ficar na janela ou na escadaria do Solar Teixeira da Costa, em Santa Luzia, controlando a vida alheia. Volta e meia, dando uma fungada em seu rapé. Oferecia a poucos o alívio, mas levava vida controlada e aparentemente feliz. Morava naquele casarão enorme com uma tia bem velha e a irmã, que vinha todos os dias trabalhar aqui em Belo Horizonte.

 

 

 O casal real George III, vivido pelo ator Corey Mylchreest, e Charlotte, papel de India Amarteiflio, de mãos dadas na minissérie 'Rainha Charlotte: Uma história Bridgerton'
O casal real George III, vivido pelo ator Corey Mylchreest, e Charlotte, papel de India Amarteiflio, na minissérie 'Rainha Charlotte: Uma história Bridgerton', na Netflix Netflix/divulgação

 

 

Ela e uma outra parente, uma tia, eram inimigas totais. Tudo porque minha tia acreditava que minha prima havia colado em sua porta um cartaz sobre a eleição de Getúlio Vargas. Acho que já contei a história aqui, mas não custa repetir.

 

Meu tio estudava farmácia em Ouro Preto e era colega de um irmão de Getúlio Vargas, que, numa briga de estudantes, matou o colega. Meu tio ofereceu escondê-lo da polícia e levou o irmão de Getúlio para sua casa, despistado como bagagem no lombo de uma mula.

 

 

Os tempos foram passando e meu tio foi levado pelos Vargas para concluir os estudos em São Borja, no Rio Grande do Sul. Ele foi, formou-se e casou-se. Era tão parte da família que foi convidado pelos Vargas a participar de uma eleição para prefeito em cidade gaúcha. Eleito com a maioria de votos, era queridíssimo da população.

 

Meu tio foi eleito por valor próprio, mas os Vargas, que só pensavam em política, ficaram furibundos. Achavam, parece, que haviam criado concorrência. Não aceitaram a eleição, apesar de meu tio representar a família. Pensaram, talvez, que estava ali um possível futuro adversário.

 

Terminada a eleição, meu tio comemorou a vitória esmagadora com uma festa de arromba e depois foi para casa descansar com a mulher. No meio da noite, houve chamado urgente na farmácia por um medicamento que só ele tinha. Resultado: foi atender o comprador, teve de subir em baita escada para pegar o remédio. Quando chegou lá no alto, levou um tiro pelas costas. Morreu na hora.

 

As investigações, que foram amplas, chegaram a um resultado assustador: os contratantes do crime foram os Vargas, eliminando, assim, a possível futura concorrência. Tenho a carta que sua mulher mandou para minha mãe com todos os detalhes do crime. Daí a ojeriza de minha tia com a minha prima, que considerava inimiga por divulgar a eleição de Getúlio Vargas.

 

Resultado: a tia ficou furiosa com o possível insulto e a prima foi diminuir a briga com uma boa cheirada de rapé...

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