
A herança e o desafio de Álvaro Damião
Na Câmara, o prefeito tem trânsito, mas não tranquilidade. O secretário de Governo, Guilherme Daltro, segura a base e evita crises
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A gestão Álvaro Damião (União Brasil) na Prefeitura de Belo Horizonte tem sido marcada pela tentativa de se firmar como chefe do Executivo de fato, não apenas de direito. Desde a morte de Fuad Noman (PSD), o jornalista tenta colar sua imagem à cidade, mas ainda carrega a herança de uma máquina que não foi por ele montada: servidores que ainda resistem seus comandos, contratos herdados, denúncias de corrupção deixados por outras gestões e uma estrutura que não segue completamente no ritmo do seu novo comandante.
Remando contra a maré, Damião acumula alguns feitos expressivos, como a assunção do Anel Rodoviário pela PBH, e outros de impacto simbólico e comunitário, como a reabertura do Parque Municipal à noite, demandas antigas que só saíram do papel após sua assinatura. Mas uma das apostas de visibilidade está nos compromissos fora da cidade. E do país.
Em apenas seis meses, já foram quatro viagens internacionais, sempre acompanhadas de discursos sobre internacionalização e imagens cuidadosamente registradas nas redes sociais. Por trás da cena, contudo, permanecem fissuras internas: operações da Polícia Federal, desalinho entre servidores e uma Câmara onde a base se sustenta mais pela contenção do que pela convicção.
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No Peru, os gastos com diárias e traslados para participar de um evento do Banco Interamericano de Desenvolvimento chegaram a R$ 12 mil. Na Alemanha, o prefeito apresentou uma agenda de negócios no mesmo dia da final da Liga dos Campeões. Em Israel, surpreendido pelo agravamento da guerra, teve de se refugiar em um bunker ao som das sirenes, em viagem que custou R$ 23,5 mil ao município.
Em outubro, Damião segue para a China, com compromissos em Xangai e Cantão, sem que a prefeitura detalhe os valores. A marca que deseja deixar é clara: a de um prefeito global, apto a transformar Belo Horizonte em polo de tecnologia e investimentos.
Para avançar nessa direção, nomeou Qu Cheng, chinês naturalizado brasileiro, para comandar a antiga Secretaria de Relações Institucionais, agora Secretaria de Negócios, Investimentos e Relações Internacionais. A pasta foi redesenhada para projetar a cidade ao mundo. Mas enquanto os holofotes iluminam esse movimento externo, as rachaduras permanecem. Servidores relatam deslealdades: muitos ainda orbitam em torno da memória de Fuad e a máquina segue sem convicção.
A Polícia Federal adiciona a cada mês um capítulo incômodo. O então secretário de Educação Bruno Barral foi afastado após operação que encontrou cofres com dólares e joias em sua casa. Contratos da Lagoa da Pampulha foram alvo de nova operação, com bloqueio de R$ 440 mil de um servidor. Embora herdados de gestões anteriores, os episódios acabam arranhando a imagem de quem ainda busca firmar autoridade sobre o comando da cidade.
Na Câmara, o prefeito tem trânsito, mas não tranquilidade. O secretário de Governo, Guilherme Daltro, segura a base e evita crises. Mas, nos corredores, a ironia circula: “o prefeito governa no Instagram”. Outro resumiu: “falta agenda, mas sobra selfie”. O encontro com o influenciador Carlinhos Maia reforçou essa percepção de que Damião se move também como personagem digital, preocupado em calibrar a própria imagem tanto quanto em administrar a capital.
Em Brasília, Damião tenta se agarrar a uma rede de alianças. A aproximação pessoal com o presidente Lula (PT) tem se mostrado estratégica. Em agosto, foi à capital federal assinar convênios de R$ 456 milhões para investimentos em mobilidade urbana, dentro do PAC Seleções.
Ao lado de Rodrigo Pacheco (PSD), preferido de Lula para disputar o governo de Minas em 2026, Damião tenta se inserir num jogo que o ultrapassa. Nos bastidores, Lula precisa de entregas em Belo Horizonte e enxerga no prefeito um canal político. Damião, por sua vez, vê em Lula um passaporte para se legitimar como liderança estadual da União Progressista, federação que segue em disputa entre Pacheco e Mateus Simões (Novo). A relação entre eles é pragmática: Lula ganha palanque na capital mineira e Damião ganha fôlego para se firmar como ator político.
O prefeito de BH segue em movimento. Ainda pisa em ovos, mas insiste. Se a política é feita de acasos e permanências, talvez nele resida a figura de quem aprende com o improviso e se molda no caminho. Como escreveu João Ubaldo Ribeiro “a cada instante a cidade se refaz”. O mesmo vale para seus governantes.
Passe livre
A deputada Beatriz Cerqueira (PT) protocolou projeto de lei criando o Passe Livre Estudantil Metropolitano, construído em diálogo com entidades estudantis que denunciam a evasão causada pelo alto custo do transporte, em alguns casos, até R$ 800 por mês. A proposta promete ampliar o acesso à educação, mas já acende sinal de disputa com o governo Romeu Zema (Novo), que resiste a medidas de impacto no caixa do sistema metropolitano.
Oficialmente
A coluna crava: Matheus Simões (Novo) vai assumir oficialmente todas as agendas estratégicas do governador Romeu Zema. O movimento já vinha acontecendo de forma gradual, mas, agora, ganha caráter oficial. A partir do próximo mês, o vice repetirá em outras frentes o que fez na coletiva dos barcos da Lagoa da Pampulha, quando tomou a dianteira, se apresentou como idealizador da obra e reforçou a imagem de quem não apenas acompanha, mas também executa.
De volta à amizade?
A aliança entre Fernando Pimentel (PT) e Aécio Neves (PSDB) ganhou mais um contorno. Ao assinar a carta contra Romeu Zema, Aécio dá mais um passo em direção ao Palácio Tiradentes, mas, desta vez, com um antigo aliado. Não será a primeira vez: além de bons amigos, Aécio e Pimentel já estiveram do mesmo lado quando o petista se elegeu prefeito de Belo Horizonte. E, em 2008, o então prefeito Pimentel e o então governador Aécio se uniram e elegeram o empresário Marcio Lacerda para o comando do Executivo da capital.
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Novo em BH
O vereador Braulio Lara (Novo) emplacou projeto que autoriza a prefeitura a remover “qualquer elemento” que obstrua vias públicas, medida que atinge diretamente a população em situação de rua. Com parecer favorável, o texto segue para votação em outubro e se soma a outras iniciativas recentes do partido Novo na Câmara que miram a retirada dessa população dos espaços da cidade.
Relator
O processo que pode levar à cassação de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por sua atuação no exterior terá como relator o deputado mineiro Delegado Marcelo Freitas (União Brasil) no Conselho de Ética da Câmara. A coluna foi atrás para saber como é o relacionamento do relator com os parlamentares e descobriu que, além de já ter sido do PSL e de ter apoiado Jair Bolsonaro nas campanhas de 2018 e 2022, Freitas mantém bom trânsito entre os bolsonaristas: tem aliados, amigos no PL e uma conversa afinada com o grupo, o que coloca ainda mais tempero na escolha do seu nome.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.