Ana Mendonça
Ana Mendonça
EM MINAS

Um deputado, dois tribunais

A política, ainda que cada vez mais adaptada à estética das redes, continua operando sob estruturas que resistem ao improviso: o rito, o regimento, a legalidade

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Nikolas Ferreira chegará a 2026 com mais de cinco frentes judiciais abertas em diferentes esferas do Judiciário. A mais recente, uma denúncia do Ministério Público Eleitoral por desinformação na campanha municipal de 2024, não inaugura um novo capítulo: apenas consolida uma narrativa. Sua atuação parlamentar tem como subproduto inevitável o litígio. O que para outros seria exceção, para Nikolas tornou-se método. E método, neste caso, é identidade.

 

Nos últimos meses, o deputado foi condenado a pagar R$ 200 mil por danos morais coletivos após um discurso considerado transfóbico durante o Dia Internacional da Mulher. A sentença, proferida pela 12ª Vara Cível de Brasília, enquadrou sua fala como “discurso de ódio”, expressão que, no atual vocabulário jurídico-político, tornou-se termômetro de embates culturais.

 

Antes disso, o Superior Tribunal de Justiça já havia confirmado outra condenação: R$ 30 mil à deputada Duda Salabert (PDT), também por transfobia, num processo que remonta às eleições de 2020 em Belo Horizonte.

 

 

Há ainda a ação por suposta fraude à cota de gênero nas eleições de 2020, que resultou na anulação dos votos da coligação de Nikolas e funcionou como prenúncio do que viria a se consolidar: um mandato sustentado não apenas pelo voto popular, mas pelo constante tensionamento das fronteiras jurídicas da política.

 

Para seus apoiadores e, muitas vezes, para ele próprio, Nikolas não está em litígio com a lei, mas com o establishment. Seu discurso é o de um outsider que afronta os códigos do politicamente correto, e que por isso seria punido, não por crimes, mas por opiniões. Ele não se furta ao confronto, o provoca. E, nesse cenário, cada processo judicial não depõe contra ele, mas a seu favor.

 

É o custo simbólico de se posicionar contra o sistema. Nikolas encarna o arquétipo do mártir contemporâneo, não o que sangra em silêncio, mas o que se alimenta do conflito. Ele se apresenta como alguém que não se curva à patrulha ideológica, e transforma cada embate jurídico em combustível para a narrativa de resistência que o sustenta.

 

 

Mas seria um erro interpretar Nikolas apenas como um desvio. Ele não é anomalia, é sintoma. É filho legítimo de seu tempo: tempo de hiperexposição, de retórica binária, de algoritmos que premiam o escândalo e punem o comedimento.

 

A crítica institucional também segue a cartilha: o Supremo Tribunal Federal é, com frequência, o alvo preferencial. Ministros são tachados de “militantes togados”; decisões, vistas como perseguições orquestradas; o Judiciário, tratado como um aparato de contenção ideológica. O argumento da perseguição política se repete e ecoa. Para sua base, cada condenação é uma medalha. Cada processo, uma evidência de que Nikolas está “incomodando os poderosos”.

 

Mas há um ponto cego nesse modelo. A política, ainda que cada vez mais adaptada à estética das redes, continua operando sob estruturas que resistem ao improviso: o rito, o regimento, a legalidade. E é justamente nesse ponto que o personagem se choca com a instituição. Não por perseguição, mas por inadequação.

 

 

Freud talvez dissesse que o sintoma retorna onde menos se espera. No caso de Nikolas, o sintoma retorna nos autos. O que era discurso se transforma em processo. O que era provocação, em condenação. O que era lacração, em risco real de inelegibilidade. Até 2026, ele terá que lidar com dois tribunais: o do aplauso digital e o do julgamento legal.


Coincidência ou confusão?

Enquanto apurava o texto de abertura desta coluna, a repórter se deparou com um detalhe curioso nos processos movidos por Nikolas Ferreira (PL). Entre os alvos das ações, aparece não apenas o vereador Pedro Rousseff (PT), mas também seu pai, Pedro Farah Rousseff, com nome idêntico e o mesmo número de registro. Seria uma coincidência jurídica ou um erro cartorial? No corpo da ação, tudo indica que o alvo real continua sendo o filho, vereador por BH. O pai, ao que tudo indica, entrou de tabela.

 

 

Medicinal

Na Câmara mais conservadora que Belo Horizonte já elegeu, começa a tramitar um projeto que promete movimentar os bastidores nas próximas semanas: a criação da política “Mais Vida BH”, que prevê a distribuição gratuita de medicamentos à base de cannabis, como CBD e THC, pela prefeitura. O texto ainda trata de campanhas educativas e capacitação de profissionais de saúde. Conservadores já preparam uma força-tarefa para barrar a proposta, que foi distribuída pela Mesa Diretora em 30 de junho e ainda precisa passar por quatro comissões antes de chegar ao plenário.

 

PL X Psol

Durante audiência pública convocada pelo Psol, o vereador Pablo Almeida (PL) reagiu: “Defendem aborto e depois querem destruir a mente das crianças com ideologia de gênero e linguagem neutra”. Autor do projeto que proíbe a presença de menores em eventos com nudez ou conteúdo inapropriado, ele alegou que a proposta “não pune a arte, mas a irresponsabilidade de quem expõe crianças”. Citou ainda o parecer favorável do procurador-geral da República à proibição de menores na Parada LGBTQIA+.

 

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