
Estado sem leite
A denúncia das lactantes seria chocante o suficiente se fosse única. Mas é apenas a superfície de uma rachadura maior: a do próprio funcionamento do estado
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Começa pela denúncia. Ou melhor, pela promessa feita em microfone aberto e nunca cumprida. No dia 22 de maio de 2025, em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag) se comprometeu a incluir servidoras lactantes no rol de exceções ao regime presencial. Para quem amamenta e ocupa cargos compatíveis com o teletrabalho integral, a regra seria: ficar em casa para garantir o aleitamento e proteger a saúde do bebê.
Trinta e seis dias depois, nada. Nenhuma previsão de publicação. Nenhuma resposta objetiva sobre prazos. Enquanto isso, mães voltam ao presencial em meio à angústia de perder a amamentação. Enfrentam dias em que os bebês adoecem leite diminui e o trabalho exige uma presença que poderia ser evitada. Em conversa com a coluna, algumas mulheres afirmaram que estão em depressão, desmame precoce forçado e filhos expostos a riscos desnecessários.
A petição entregue ao governo é clara. “A cada dia que passa sem a publicação da nova norma, aumentam as chances de desmame precoce. Alguns bebês já estão em processo de desmame forçado”, diz o texto. O pedido das servidoras é objetivo: incluir no artigo 1º, §2º da Resolução 57/2023 um novo inciso, garantindo o direito ao teletrabalho integral para lactantes até os 24 meses do bebê. O texto, inclusive, já circula pronto. Falta apenas a publicação.
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Mas o governo diz que não fará uma alteração pontual. Alega que outras mudanças estão sendo avaliadas e que pretende publicar tudo de uma vez. Só que a lógica é absurda: deixar mães e filhos em sofrimento enquanto a burocracia analisa tópicos diversos não é um lapso técnico. É uma escolha. E toda escolha é também uma renúncia, neste caso, renúncia ao cuidado.
A denúncia das lactantes seria chocante o suficiente se fosse única. Mas ela é apenas a superfície de uma rachadura maior: a do próprio funcionamento do estado.
Projetada para simbolizar modernidade e eficiência, a Cidade Administrativa virou o retrato do avesso: corredores amplos tomados pelo vazio, elevadores que raramente funcionam, secretarias esvaziadas e rotinas imprevisíveis. Ninguém sabe ao certo se é dia de bater ponto ou de pedir bênção. Servidores se revezam em escalas confusas, sem clareza sobre quando devem estar presencialmente ou em home office.
Há departamentos inteiros aos frangalhos, chefias ausentes e uma sensação de abandono que virou rotina. O centro do poder mineiro, na prática, virou um centro de ninguém. Neste caso, não há discurso de eficiência que dê conta dessa distância: ela é estrutural e simbólica.
Adélia Prado escreveu: “Mulher é desdobrável. Eu sou.” Pois o que o estado exige dessas mulheres é justamente isso: que se desdobrem além do corpo, do tempo, do leite, da dor. Que sejam presença no trabalho e ausência em si mesmas. Que façam caber na marmita o choro do filho, a culpa da ausência e um punhado de protocolos administrativos.
Entre a promessa pública e a não publicação da norma, o que se acumulam são dias. Dias de espera, de e-mails não respondidos, de respostas genéricas, de decisões que nunca chegam. A burocracia não está atrasada. Está omissa. E isso tem nome: negligência com rosto de planilha.
Prometeram leite. Entregaram silêncio.
No alvo
Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira voltou a criticar a gestão Zema e mirou diretamente em Mateus Simões (Novo), governador em exercício. No mesmo discurso, elogiou Rodrigo Pacheco (PSD) e ensaiou mais uma defesa do nome do ex-presidente do Senado para 2026. Mas o tom não é novidade, o chefe da pasta de Minas e Energia já virou crítico recorrente de Romeu Zema e usa cada oportunidade para reforçar seu descontentamento com os rumos do governo estadual. Agora, com Simões no comando, o herdeiro político de Zema ganha também um alvo nas costas. Para Silveira, criticar o atual governo é mais do que hábito, é estratégia. A dúvida é se esse discurso ainda fura a bolha ou se já virou trilha sonora de fundo dos bastidores.
De volta
Após 12 dias de missão internacional na China e no Japão, o governador Romeu Zema retornou a Minas Gerais com a promessa de mais de R$ 300 milhões em investimentos, geração de cerca de 800 empregos e novas parcerias nas áreas de transporte, energia limpa e defesa civil. A comitiva conheceu de perto a construção dos novos trens do metrô da região metropolitana, tecnologias para prevenção de desastres e estratégias de desenvolvimento sustentável, reforçando o discurso de que o estado é um terreno fértil para negócios, inovação e responsabilidade.
Pressão
Prefeitos do Sudoeste de Minas ameaçam romper convênios e suspender contrapartidas financeiras se o governo Zema não apresentar respostas concretas a demandas históricas da região, especialmente em infraestrutura viária. A insatisfação foi manifestada durante a Assembleia Geral da Associação dos Municípios da Microrregião do Médio Rio Grande (Ameg), realizada na quinta-feira (26) em Passos. A expectativa agora é de que o diretor-geral do DER-MG, Rodrigo Tavares, participe da próxima reunião da entidade com propostas efetivas.
Cancelada
O governo de Minas cancelou a viagem internacional que seria realizada pelo secretário de Justiça e Segurança Pública, Rogério Greco, a Israel. A decisão foi publicada no Diário Oficial de sexta-feira (27) e torna sem efeito a autorização anterior para que o titular da pasta se ausentasse do país entre 1º e 10 de julho. A missão previa debates sobre combate ao terrorismo, crime organizado transnacional e sistema prisional.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.