Fragmentos de proteínas mostram passado humano
Cientistas sugere uma maior presença de denisovanos no continente asiático. Crânio chinês pode colocar fim a mistério sobre parentes extintos do homem
compartilhe
Siga noA análise de fragmentos de proteínas obtidos de um crânio chinês de 150 mil anos pode ser o que faltava para acabar com o mistério em torno dos denisovanos, parentes extintos da humanidade que, até hoje, eram conhecidos principalmente com base em seu DNA, e não por seu esqueleto.
Os componentes proteicos extraídos de um crânio praticamente completo, antes batizado com o nome científico Homo longi e apelidado de Homem Dragão, mostram grande similaridade com o que se sabe sobre a biologia molecular dos denisovanos. Resultados semelhantes têm vindo da análise de outros restos ósseos de idade equivalente, mas bem mais fragmentados, oriundos de outras regiões do leste da Ásia.
Se essa tendência se confirmar, a ideia de que havia uma considerável diversidade de espécies de hominínios (membros do grupo que inclui o ser humano e seus ancestrais e parentes mais recentes) no continente asiático daquela época pode cair por terra de vez no? momento, parece provável que muitos deles fossem denisovanos, afinal de contas.
O novo estudo sobre o crânio do Homo longi, encontrado originalmente perto da cidade de Harbin, foi publicado no periódico especializado “Science”. O estudo foi coordenado por um trio de pesquisadores: a especialista em DNA antigo Qiaomei Fu e seu colega Huiyun Rao, ambos do Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia da Academia Chinesa de Ciências, e Qiang Ji, da Universidade Geológica de Hebei. Ji, aliás, participou da descrição original do crânio de Harbin em 2021.
A presença dos denisovanos na Ásia é conhecida desde 2010, com base na análise de DNA de um dedo mindinho encontrado na caverna de Denisova, na Sibéria. Com o passar do tempo, novos estudos foram revelando não só que eles correspondiam a uma linhagem de hominínios consideravelmente diferente da nossa como também que houve episódios de miscigenação entre seres humanos de anatomia moderna e eles.
Esses eventos de hibridização fazem com que a ancestralidade denisovana esteja presente, em níveis baixos (menos de 1%), em boa parte dos povos com ascendência asiática do planeta, o que inclui os indígenas das Américas. E, em grupos da Oceania, como os australianos e melanésios, essa contribuição genética é bem maior, podendo se aproximar dos 5%.
A falta de restos ósseos mais completos, porém, impediu, até agora, que acontecesse uma descrição formal da espécie, com o nome científico em latim usado nessas designações. Além disso, crânios de idade similar achados no leste da Ásia até agora não tinham rendido aos cientistas o DNA necessário para fazer a comparação com o genoma denisovano. Na dúvida, ainda não era possível afirmar que se tratasse do mesmo hominínio.
COMPARAÇÃO INDIRETA
Nos últimos anos, porém, estão acontecendo avanços na área da paleoproteômica, ou seja, a análise de fragmentos antigos de proteínas, os quais, em muitos casos, sobrevivem mais tempo que o DNA em esqueletos antigos. Em geral, existe uma relação muito próxima entre as proteínas do organismo e o material genético, já que a "receita" para a produção delas está contida no genoma. Para ser mais exato, cada trio das "letras" químicas que compõem o DNA corresponde à receita para a produção de um aminoácido, a unidade básica das proteínas.
Graças a isso, a extração dos fragmentos de proteínas do crânio chinês permitiu uma comparação indireta de trechos do genoma daquele indivíduo com o DNA conhecido de outros hominínios, como os seres humanos modernos, os neandertais (cuja distribuição geográfica, pelo que sabemos, ia até a Ásia Central) e, é claro, os denisovanos.
A comparação envolveu trechos de 95 proteínas, cujas alterações na estrutura molecular indicam a passagem dos milhares de anos desde a morte daquele indivíduo e, portanto, não são confundidas com possíveis proteínas contaminantes oriundas de pessoas modernas, como os trabalhadores do laboratório onde a análise foi conduzida.
Os dados indicam que o indivíduo de Harbin tem três alterações em aminoácidos ditas "derivadas" no padrão denisovano o? que significa que são mudanças que só estão presentes nessa linhagem, estando ausentes de outros hominínios. De quebra, as variações nos aminoácidos são típicas de uma linhagem específica de denisovanos, conhecida como Denisova 3.
Ainda não está claro o que deve acontecer daqui para a frente com a nomenclatura utilizada para designar esses hominínios. O padrão adotado pela comunidade científica normalmente é o da prioridade ou? seja, o primeiro nome oficial usado para uma espécie costuma ter precedência sobre outros.
Por esse critério, os denisovanos poderiam passar a ser chamados de Homo longi como um todo, já que nenhum outro nome científico oficial tinha sido usado antes como referência à espécie. Isso, é claro, se os resultados do atual estudo forem aceitos amplamente por outros pesquisadores. (Folhapress)