ESCOAMENTO DA PRODUÇÃO

Com safras recorde, Brasil não tem armazéns suficientes para grãos

Capacidade de armazenamento é de 215 milhões de toneladas, com previsão de safra de 350 milhões de toneladas. Minas registra déficit de 5 milhões de toneladas

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Enquanto o Brasil bate recordes na safra de grãos, o número insuficiente de armazéns no país segue como um problema para o produtor rural. Nos últimos cinco anos, a taxa média de crescimento anual da capacidade de armazenagem estática foi de 2,58%, ante um aumento na produção de grãos de 6,26% no mesmo período, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

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"Não é um problema novo, mas tem se agravado ao longo do tempo, e nos causa um problema em toda logística. O crescimento da produção é muito maior do que o crescimento da armazenagem", resume Luiz Pedro Bier, vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) no Mato Grosso.

A capacidade de armazenagem estática hoje é de pouco mais de 215 milhões de toneladas, de acordo com dados da estatal, que também projeta recordes na produção agrícola em 2025/2026, com uma estimativa de colheita de cerca de 350,2 milhões de toneladas de grãos (171,5 milhões de toneladas de soja e 139,7 milhões de toneladas de milho), indicando um crescimento de 16,3% em relação à safra anterior.

Minas Gerais

O cenário mineiro não é diferente. Segundo dados do Sistema Faemg Senar, a última safra resultou em 18,4 milhões de toneladas em Minas Gerais, enquanto a capacidade atual de armazenagem do estado é de apenas 13,6 milhões.

“Com a falta de armazéns, o produtor vai diminuir o poder de negociação. Vai ter um escoamento de produção muito rápido, normalmente, no período da safra, em que tem uma maior demanda de fretes, fazendo com que os fretes fiquem mais caros”, explicou Mariana Moreira Marotta, analista técnica de agronegócio do Sistema Faemg Senar.

Números da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) de 2023 apontam que apenas 39% dos produtores mineiros tem algum local de armazenamento próprio, mas 73% dizem que investiriam em tal infraestrutura se tivessem acesso a crédito com juros favoráveis.

“A condição de acesso aos armazéns próprios é muito complicada. Esperamos que os governantes entendam essa situação e trabalhem em prol da criação de novos armazéns”, diz a especialista.

Mariana ainda discorre sobre os efeitos do déficit: “Não afeta só o produtor, mas quem está no local. O custo de comercialização aumenta, já que o produtor fica à mercê das negociações de frete. Os produtos também podem perder qualidade mais rapidamente sem a armazenagem adequada”.

Déficit generalizado

Segundo a FAO, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, o ideal é que a estrutura existente para guardar grãos seja equivalente, no mínimo, 1,2 vez a produção.

“Nós temos que encarar que isso não é só um problema do produtor rural. Isso é um problema de segurança alimentar nacional. Porque qualquer dificuldade geopolítica pode deixar o Brasil refém, sem conseguir escoar a safra, e aí o que a gente vai fazer com todo este grão? Onde vai colocar?”, diz Bier.

Mato Grosso é o estado brasileiro com mais capacidade de armazenagem, seguido do Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e São Paulo. Mas também é o atual líder na produção de grãos.

Segundo Bier, Mato Grosso deveria ter, ao menos, uma capacidade de armazenagem igual ao volume da produção, que na safra 2024/2025 significa mais de 100 milhões de toneladas, considerando soja e milho. Se o volume se confirmar, o déficit de armazenagem ficaria em pouco mais de 45 milhões de toneladas, no cálculo da Aprosoja.

O problema afeta toda a cadeia de produção. “Acaba que uma grande parte da safra escoa sempre no mesmo período, na colheita. Porque não se tem onde deixar o produto, a gente precisa colocar logo nos caminhões. E isso diminui a disponibilidade de caminhões, aumenta o custo de frete, tem entrave nos portos, que ficam superlotados, e assim vai”, explica Bier.

No Paraná, segundo maior produtor de grãos na safra 2024/2025, o problema é menor do que no Mato Grosso, mas também há número insuficiente de armazéns. “Temos um sistema cooperativo forte, que ajuda a expandir a capacidade de armazenagem do estado, e temos uma cadeia produtiva, principalmente de proteína animal, que consome muito da soja e do milho, quase que em tempo real”, explica Luiz Eliezer, do Departamento Técnico e Econômico do Sistema Faep (Federação da Agricultura do Estado do Paraná).

Segundo ele, o déficit de armazenagem hoje no Paraná é superior a 12 milhões de toneladas, considerando uma capacidade ao menos igual ao volume da produção.

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Soluções

O melhor cenário, segundo o técnico da Faep, é que o agricultor tenha seu próprio armazém, com condição de “fazer a melhor gestão possível da sua própria produção”. “Quando ele entrega esta produção para a cooperativa ou para o cerealista, a qualidade deste grão é avaliada e o produtor às vezes é penalizado. Questão de umidade, impureza. Quando ele tem o próprio armazém, ele consegue fazer a mistura, o mix, e não sofrer estas penalizações”, explica Eliezer.

No Paraná, de acordo com dados da Faep, apenas 4% de toda armazenagem está na fazenda, ou seja, sob controle do próprio produtor rural. Os outros 96% estão no cerealista, na cooperativa ou na indústria de esmagamento.

Mas uma das dificuldades para construção de silos no Paraná, além do alto custo, é o tamanho da área disponível dentro da propriedade, segundo Eliezer. “O Paraná tem esta característica: 85% dos estabelecimentos agropecuários têm menos de 50 hectares. Então são muitas pequenas áreas e o armazém acaba ocupando um espaço grande”, explica.

Segundo o técnico da Faep, uma das alternativas que tem crescido principalmente no oeste paranaense são os chamados condomínios de armazenagem. Os produtores rurais criam uma empresa nova e constroem os silos em um espaço dividido entre todos os condôminos. “É uma forma de reduzir custos e uma saída para quem tem pequena área”, resume ele.

No Mato Grosso, agricultores também buscam alternativas. É comum, por exemplo, observar o chamado “silo-bolsa”, uma espécie de tubo de lona para armazenar a produção no próprio terreno. “O produtor rural do Mato Grosso sempre se programa porque sabe que vai faltar armazém. O silo-bolsa não é a alternativa definitiva, ideal, mas acaba ocorrendo e funciona de forma paliativa”, explica Bier.

“Não vai ter um impacto direto na qualidade do grão, mas o risco de causar avaria no grão é maior. Ou seja, colocar o milho no silo-bolsa não quer dizer que vai ter um milho de pior qualidade, mas o risco de estragar é maior”, observa ele.

Crédito

Tanto a Aprosoja quanto a Faep avaliam que a falta de armazéns no país tem relação com o alto custo da construção das unidades, somado a uma política de crédito considerada de difícil acesso, por conta principalmente da burocracia e da baixa capacidade do agricultor para contrair nova dívida.

“É um custo inicial bastante alto [para construir armazéns] e os produtores de modo geral já têm um endividamento bastante elevado em função do crédito que ele contrata para a produção”, afirma Eliezer. Também há casos de “falta de know-how do agricultor” sobre as estruturas de armazenagem, acrescenta ele.

A principal linha de crédito disponível é o PCA (Programa para Construção e Ampliação de Armazéns), que integra o Plano Safra. As condições variam de acordo com o perfil do beneficiário (produtores rurais ou cooperativas) e a capacidade estática da unidade, com taxas de juros de 8,6% ao ano para armazéns de até 12 mil toneladas e de 10% ao ano para empreendimentos maiores.

A Conab reconhece o descompasso entre produção e infraestrutura de armazenagem e também a necessidade de incentivo à construção por meio de financiamentos adequados, mas pondera que o déficit apontado “não reflete exatamente a realidade da safra brasileira, uma vez que a produção é dinâmica”.

“A colheita de milho, por exemplo, ocorre em três períodos diferentes ao longo do ano, o que permite a utilização dos mesmos armazéns em diferentes momentos. Além disso, o mercado de commodities no Brasil é bastante ativo, o que acelera a comercialização e o escoamento da produção para centros consumidores e portos, permitindo a reutilização dos espaços”, afirma a Conab, em nota à reportagem.

A estatal também informou que está trabalhando na recomposição de sua rede própria de armazenagem “a partir de investimentos significativos do governo federal”. Segundo a Conab, desde 2023, os recursos utilizados e previstos até 2025 somam R$ 38,54 milhões para aquisição de equipamentos, manutenção, obras e serviços, o que representaria mais do que foi aplicado na última década (R$ 23,2 milhões entre 2013 e 2022).

A estatal cita outras iniciativas, como um convênio com a Itaipu Binacional para investimento de R$ 55 milhões na modernização da Unidade Armazenadora de Ponta Grossa, a maior da Conab, com capacidade estática de 420 mil toneladas. Também afirma que há um contrato com o BNDES com foco em projetos que possibilitem a conversão de ativos imobiliários da Conab em infraestrutura de armazenagem.

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