A sustentabilidade que brota nas pastagens
Produtores brasileiros investem em técnicas de menor impacto, aumento da eficácia e em certificação: produtividade e preservação
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Siga noUm dos temas centrais do Congresso Nacional da Carne (Conacarne), realizado neste mês de setembro (09/2025), em Belo Horizonte, foi a pecuária sustentável. A sustentabilidade tem feito parte da agenda de vários eventos do agro, que se organiza para tentar reverter a imagem de que a atividade é responsável pela degradação do meio ambiente ao promover ações como o desmatamento, emissão de gases de efeito estufa e poluição do lençol freático.
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“Antes que comecem a criticar que nossas vacas estão soltando CH4 (gás metano) e contaminando o mundo, precisamos começar a mostrar o que somos, o que fazemos, como é o nosso boi verde, como é a nossa estrutura fundiária, como esses animais têm bem-estar, diferente de outros países, e o potencial que nós temos”, disse Antônio de Salvo, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Sistema Faemg), que, ao lado da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), promoveu o evento. “A ideia é iniciar uma longa discussão para que a gente remexa nessa atividade, anime nossos produtores para que a gente não continue cedendo de forma triste para outros setores da agricultura as nossas áreas de pastagem”, completou.
De acordo com Mariana Ramos, gerente de Sustentabilidade do Sistema Faemg, a prática sustentável é algo intrínseco à produção pecuária mineira e brasileira. O primeiro argumento usado por ela é a legislação ambiental brasileira, “das mais robustas do mundo no que tange à preservação”, na qual o Código Florestal determina que no mínimo 20% da área de cada propriedade deve ser preservada.
“A gente se orgulha muito do fato de que, em Minas Gerais, 33% do território preservado pertence a imóveis rurais. Então, o produtor é o grande guardião dos recursos naturais para as presentes e futuras gerações”, afirmou.
Os diferenciais brasileiros
Além do extenso território do país, bom clima e relevo, Mariana acredita que um grande aliado do produtor rural brasileiro para alcançar a sustentabilidade é a tecnologia desenvolvida por entidades como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Uma dessas técnicas é a produção de alimentos para o gado, como milho ou sorgo, por meio do plantio direto, caracterizado por práticas como não revolver e manter o solo sempre coberto por plantas em desenvolvimento ou resíduos vegetais, além da rotação de culturas. Esses cuidados previnem a erosão, mantêm a umidade e regulam a temperatura do solo, além de aumentar a matéria orgânica e a biodiversidade.
Essas práticas são aplicadas em sistemas de integração lavoura-pecuária, nos quais a mesma área, em momentos distintos, é usada para a produção de determinada cultura e depois para os animais se alimentarem. Os dejetos dos animais também servem de adubo para o terreno, e as raízes que ficam da produção ajudam a aeração do solo. Outro modelo possível é a integração pecuária-lavoura-floresta, incluindo o componente florestal, que, além do ganho econômico, propicia um maior conforto para o gado por meio da sombra.
Outra tecnologia considerada sustentável na pecuária é o melhoramento genético, que faz com que o animal atinja o ponto de abate com um tempo menor, minimizando seus impactos no meio ambiente, como a emissão de gás metano durante a ruminação. “Sobre esse metano emitido pela fermentação entérica, uma pesquisa da Embrapa aponta que esse gás dura apenas 12 anos na atmosfera como CH4, e depois é transformado em CO2, que é absorvido pelas pastagens. Então, a gente tem um sistema de circularidade nas nossas pastagens”, disse a gerente de Sustentabilidade Sistema Faemg.
Desafio é multiplicar práticas sustentáveis
Para Mariana Ramos, um dos desafios para ampliar a pecuária sustentável é levar essa tecnologia para um maior número de produtores: “Manter um pasto em boas condições e com uma boa assistência técnica para ajudar esse produtor tem um custo. E é isso que fazemos no Sistema Faemg/Senar, por meio dos nossos programas de assistência técnica e gerencial. Ajudar esse produtor rural a entender o seu negócio e como aproximar essa tecnologia dos produtores que ainda não a conhecem.”
Na visão da gerente da Faemg, o produtor que não se adaptar às novas tecnologias está fadado a sair do mercado. “O nosso consumidor está cada vez mais exigente, os importadores de carne estão cada vez mais exigentes por esses processos sustentáveis, então essa transparência – desde o nascedouro do animal, seu tempo de permanência no pasto, se ele teve conforto ou não teve – interfere no valor agregado final da nossa carne. Para o produtor rural, primar por princípios de sustentabilidade é saber que, no fim, na venda desse animal, ele vai ter essa devolução no seu bolso”, explicou.
Pequenas mudanças, grandes resultados
Mariana Ramos explica que pequenas estratégias já resultam em grandes avanços: “Muitas vezes, o produtor fica pensando que um grande investimento é necessário em uma situação ruim, mas, com a nossa assistência técnica, ele nota que pequenas estratégias adaptadas ao seu cotidiano já fazem diferença”.
Assim, se o produtor não tem condição de trocar o gado inteiro, pode começar trocando apenas um animal. A opção por uma forrageira com maior concentração de proteína também vai resultar em um ganho de peso do animal. Qualquer melhoria no solo também leva a pastagem a render mais.
Em determinadas regiões, com pouca disponibilidade hídrica, pode-se fazer uma silagem para quando não houver mais pasto”, enumera.
Certificações e reconhecimento
Para Mariana Ramos, existe uma necessidade de “embalar”todo esse pacote tecnológico em uma linguagem mundial, para que a sustentabilidade na pecuária brasileira seja reconhecida. “O mundo está cada vez mais exigente quanto a indicadores que comprovem essa sustentabilidade. Isso passa pela transparência e pela rastreabilidade. O desafio é como fazer com que uma pessoa de fora entenda que estamos fazendo três safras em uma área sem desmatar e ainda colocando gado nessa mesma área”, exemplifica. “As métricas mundiais não avaliam boa parte dos indicadores de uma agricultura tropical. Elas foram construídas para países temperados de primeiro mundo”, disse a gerente de Sustentabilidade do Sistema Faemg.
Entre mecanismos de reconhecimento, ela cita a plataforma Agro Brasil + Sustentável, do governo federal, por meio do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que certifica boas práticas e tecnologias que validam a sustentabilidade no campo. “Ampliar a escala de rastreabilidade e transparência para o consumidor internacional é um desafio, mas a gente está no caminho. É dar transparência para algo que já existe, diferente de outros países, que ainda precisam se adequar aos processos sustentáveis”, avaliou.
A gerente de Sustentabilidade explica que o compliance no meio rural não passa só por aspectos ambientais, mas também por perspectivas fundiárias e fiscais. “Isso está sendo muito impulsionado pelas políticas de crédito, os bancos. Para conceder crédito aos produtores, estão cobrando boa parte desse compliance, e a gente acredita que, em breve, vamos ter uma adequação em massa desses produtores em relação a esses aspectos documentais, a prática a gente já tem”, conclui Mariana Ramos.
E como funciona na prática?
Adriano Varela Galvão tem duas fazendas, uma no Distrito Federal e outra em Minas Gerais, onde desenvolve a genética da raça guzerá. Desde 2011, a fazenda participou de várias pesquisas dentro do Projeto Biomas, da Embrapa e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “Aí nós entendemos que podemos produzir e preservar”, disse o produtor rural.
À medida que esse trabalho foi se desenvolvendo, novas práticas sustentáveis foram sendo incorporadas à fazenda, como a produção de três safras anuais na mesma área: a safra de grãos, a safrinha e depois a pastagem para alimentar o gado.
“Então, na realidade, se a gente pegar um mapa da fazenda nos últimos 20 anos, você vê que nossas áreas de mata que protegem a parte do rio aumentaram, estão mais densas. Isso é sustentabilidade, porque eu reduzo a pressão de abrir novas áreas”, relata Galvão.
Outro fator que reduz essa pressão é a genética, especialidade na Guzerá da Capital, já que um animal que não tem potencial genético forte fica muito mais tempo no pasto para atingir o ponto de abate. A boa genética reduz esse período, assim como a necessidade de abrir novas áreas. “Dessa forma, você também melhora a rentabilidade do produtor e a capacidade de ele investir e melhorar ainda mais. É um ciclo virtuoso”, destacou.
As vantagens da estação
O manejo rotacionado é outra prática sustentável aplicada nas fazendas e que traz aumento de produção. Nela, uma área é dividida em piquetes de forma que os animais só voltam ao mesmo local 30 dias depois. “Você delimita a área que ele vai usar e dá um tempo para o capim crescer. Se deixar os animais pisoteando toda a área, eles vão comer tudo. O capim precisa de um ciclo de 30 dias para recuperar. O rotacionado também evita a ocorrência de algumas pragas, como o carrapato, cujas larvas não encontram um hospedeiro para se alimentar e morrem, interrompendo o ciclo”, explica o produtor.
Galvão garante que, com esse sistema, é possível colocar muito mais animais na mesma área. O índice médio atual da fazenda é de quase três animais por hectare, de janeiro a janeiro, com pasto bom. O esterco gerado ainda é recolhido e processado para preparar adubo orgânico, reduzindo a aplicação de adubo químico.
“Não tem nenhum país no mundo que consiga competir com o Brasil na pecuária. A gente tem solo, a gente tem clima, a gente tem tecnologia. A gente consegue produzir de forma sustentável uma proteína saudável, que são agride o meio ambiente e com um custo muito barato. O mundo sempre vai querer colocar barreiras para dificultar a nossa entrada em mercados, porque o Brasil é competitivo. Então, o único jeito de você derrubar uma barreira é com pesquisa”, disse o produtor rural.