DO PLANTIO À COLHEITA

O que é preciso fazer para se chegar a um café premiado?

Sócio-fundador da Bioma Café explica como a empresa conseguiu o título de campeã do Cup of Excellence na categoria Experimental com um dos seus cafés

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Qual trabalho está por trás de um café que faturou o principal concurso do país em 2024? Visitamos a sede e algumas fazendas da Bioma Café, no município de Campos Altos, na Região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, que no ano passado foi campeã do Cup of Excellence na categoria Experimental com um dos seus cafés, que obteve 93,14 pontos, a nota mais alta da competição. No ano passado, o produtor faturou mais de 30 prêmios.

De acordo com Marcelo Nogueira de Assis, um dos sócios-fundadores da Bioma, a região na qual as fazendas estão situadas é propícia para a produção de bons cafés, com o seu terroir e o microclima influenciado pela altitude de 1.200 metros. “Estas características são boas até para quem não foca no café especial”, disse Marcelo, explicando que a baixa temperatura favorece a qualidade do grão, enquanto o clima mais quente beneficia a produtividade.

Mas, apenas uma localização privilegiada não é suficiente para produzir um café campeão. Além de ser técnico agrícola, o sócio da Bioma conta com várias consultorias para garantir boas práticas, da produção à pós-colheita. Há cerca de quatro anos, foi iniciado um trabalho focado na sustentabilidade, tendo como base a agricultura regenerativa. O uso do glifosato (conhecido comercialmente como Roundup) como herbicida foi substituído pela adoção de plantas de cobertura, que, além de combater as ervas daninhas, melhoram a qualidade do solo.

Para ter maior controle sobre a qualidade da sua produção, a Bioma Café tem assumido algumas funções que antes eram terceirizadas, como a produção de adubo orgânico por meio da compostagem de resíduos de café, esterco de curral e de galinha, além de pó de rocha natural, tudo coletado na região. Atualmente, pouco mais de 60% da produção de café é orgânica. ”Não é só nutriente, é a vida microbiana devolvida para o solo. Seria mais barato comprar esse produto no mercado, mas assim tenho mais confiança”, explicou Marcelo.

Outra atividade que deixou de ser terceirizada foi o cultivo de mudas, desde que um viveirista atrasou em dois meses a entrega. “O combinado era entregar em 15 de novembro, mas entregaram só em 15 de janeiro. Como a lavoura não tinha irrigação, quase morreu”, disse Marcelo. É o primeiro ano que a Bioma Café se dedica a essa atividade, que deve ser bem executada, já que as mudas vão produzir por 15 anos em média.

As sementes selecionadas para o viveiro de mudas receberam tratamento, assim como a terra, para evitar doenças e pragas. Ao menos duas sementes foram usadas para cada recipiente de mudas, e apenas a melhor vai para a lavoura. Marcelo conta que a indústria usaria esse segundo broto para vender uma nova muda (a chamada muda de repique), prática que costuma dar problemas na raiz depois de seu plantio definitivo no campo. O viveiro conta com 380 mil mudas de diferentes variedades de café.

A Bioma tem 250 hectares de café plantados, com 63% da área preservada E estrutura de pós-colheita no limite de sua produção
A Bioma tem 250 hectares de café plantados, com 63% da área preservada E estrutura de pós-colheita no limite de sua produção Mariana Lopes/Bioma Café/Divulgação


INVESTIMENTO EM IRRIGAÇÃO PODE TER RETORNO RÁPIDO


Outro investimento que está em curso na Bioma é a irrigação, uma imposição das mudanças climáticas. “O clima tem sido um dos nossos problemas mais sérios: seca, depois granizo e geada. E tem coisas que a gente consegue amenizar, como a seca. Se tiver irrigação, podemos amenizar essas perdas. A nossa intenção é dar foco nas lavouras novas, que têm vida útil maior. Ao longo dos anos, o retorno desse investimento vem”, explicou Marcelo.

Nas contas do sócio da Bioma Café, o custo para implantar irrigação é de R$ 30 mil por hectare. Mas, é preciso levar em consideração que esse investimento vai durar ao menos 10 safras, o que reduz esse custo para R$ 3 mil por safra. “O preço médio de venda do café é de R$ 2 mil por saca. Ou seja, esse custo daria uma saca e meia. Mas, com a irrigação, a produção ganha 10 sacas por hectare. [...] Antes falavam que irrigação era caro, hoje se tornou barato”, disse Marcelo.

Atualmente, a Bioma tem 250 hectares de café plantados, com 63% da área preservada. Sua estrutura de pós-colheita – pátio e maquinário de secagem e limpeza do grão, está no limite de sua produção. Como o grão é colhido apenas uma vez por ano, toda essa estrutura fica sem uso durante a maior parte do tempo. Marcelo conta que esse ano ainda não conseguiu ter acesso aos recursos do Plano Safra para financiar a produção. Para ele, a taxa de juros está alta, penalizando os custos e o fluxo de caixa.


LOTES ESPECIAIS PODEM PASSAR POR FERMENTAÇÃO INDUZIDA


Além da produção, alguns cafés especiais, como o da Bioma que ganhou o Cup of Excellence de 2024, são submetidos a processos que podem enriquecer suas características sensoriais. A categoria Experimental é destinada a grãos que passaram por fermentação induzida. Marcelo explica que trata-se de uma fermentação controlada, que, após vários experimentos, chega-se ao resultado desejado e que pode ser repetido. “Hoje, a gente faz vários microlotes com várias fermentações”, disse Marcelo.


CAFÉS ESPECIAIS SÃO FRUTOS DE ERROS E APRENDIZADOS


Ao contrário do que tantas premiações podem sugerir, a Bioma Café não tem uma longa tradição na produção do grão. A primeira colheita se deu em 2011, e o caminho trilhado até aqui foi repleto de percalços e superação por Marcelo e seu sócio Flávio Márcio Silva. Marcelo teve como escola a pequena produção feita pelo pai, além da formação de técnico agrícola. Flávio também cultivava café na fazenda de sua mãe. Mas, tudo longe desse universo dos cafés especiais.

A primeira produção de café foi feita “na raça”, ainda sem muito domínio de todas as etapas necessárias. Há um mês da primeira colheita, eles sequer tinham um pátio de secagem para o café. O que deu para providenciar antes da colheita foi um terreiro de terra batida, mas não deu muito certo. Por este motivo, na entrega do produto, que foi vendido com antecedência, o café estava "sujo", fora dos padrões do mercado.

Não sem muita apreensão sobre se seu café seria aceito, Marcelo ficou sabendo que a qualidade do seu grão estava acima da média, assim como o seu valor de mercado, o que o devolveu ao jogo. Depois dessa experiência, o produtor foi aprender tudo sobre o pós-colheita. A partir daí, a “semente” do café especial também germinou e o foco do negócio passou a ser a qualidade. “Mas, o que ‘paga a conta’ é o volume. Não adianta ter o melhor café do Brasil se não tiver volume. Então, outro pilar nosso é produzir”, disse.

Em 2021, uma forte chuva de granizo comprometeu 80% dos cafezais da Bioma Café. Por sorte, a colheita daquela safra já tinha sido totalmente concluída, e com volume recorde. “Nós já estávamos caminhando para um ponto de equilíbrio, e, do dia para a noite, eu perdi tudo. Isso tudo estava parecendo um cemitério, tudo seco, tive que cortar tudo. Meu sócio, Flávio, disse que a única forma de recuperar era voltarmos a produzir, que a lavoura é que ia pagar essa conta”, lembra o produtor.

Enquanto na safra recorde de 2021 foram colhidas 11.330 sacas de 60 quilos de café, na de 2022, devido ao granizo, foram colhidas apenas 1.800 sacas em um ano em que a expectativa era entre 10 mil a 12 mil sacas. No ano seguinte, já houve uma pequena recuperação, com produção de 4 mil sacas, mas esses dois anos seguintes da chuva de granizo foram complicados, com endividamento, pagamento de multas relativas a vendas futuras, mas ao menos não houve nenhuma demissão. “Foi nesse período que a cotação do café foi de R$ 800 para R$ 1.800, quando teve geada, granizo e seca pelo Brasil afora, mas eu não tinha café para entregar”, relata Marcelo.

Após tanto sofrimento, a Bioma Café “lavou a alma” em 2024, com nada menos que 13.400 sacas produzidas, muito além das melhores projeções. “No ano passado, eu falei: ‘como Deus paga em dobro!’. A produção foi em dobro, a qualidade em dobro, prêmios em dobro”, comemora Marcelo. Apesar de ser um período difícil, foram os estragos da chuva de granizo que estimularam as mudanças para um modelo de produção mais sustentável.

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Outro momento delicado relatado por Marcelo foi uma fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego em meados de 2022 na Bioma Café, que resultou em uma denúncia por trabalho análogo à escravidão. Isso aconteceu há três dias de uma final do Cup of Excellence, fazendo com que a empresa retirasse sua inscrição em todas as categorias do prêmio.

De acordo com o sócio, ao fim do processo, a denúncia não foi confirmada. A empresa chegou a ter o selo da Rainforest Alliance, sobre boas práticas socioambientais, suspenso por 15 dias. Mas, após uma fiscalização, a certificação foi retomada. A denúncia também comprometeu temporariamente a relação com parceiros comerciais.

“Nós já estávamos caminhando para um ponto de equilíbrio, e, do dia para a noite, eu perdi tudo. Isso tudo estava parecendo um cemitério, tudo seco, tive que cortar tudo”

Marcelo Nogueira e Assis, Sócios-fundador da Bioma Café

Marcelo Nogueira de Assis afirma que a região na qual as fazendas estão situadas é propícia para a produção de bons cafés
Marcelo Nogueira de Assis afirma que a região na qual as fazendas estão situadas é propícia para a produção de bons cafés Mariana Lopes/Bioma Café/Divulgação

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