Entrevista

"Precisamos ter atratividade para que os jovens permaneçam no campo"

Há quase cinco anos na presidência da Emater, Otávio Maia fala dos desafios atuais do setor agropecuário que demandam atuação do poder público

Publicidade
Carregando...

O envelhecimento e a redução da mão de obra no campo exigirão incentivos para estimular a fixação dessa força de trabalho - um dos grandes desafios atuais do setor agropecuário que demandam a atuação da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG). Esse foi um dos temas abordados pelo presidente da entidade desde 2021, Otávio Maia, entrevistado do EM Minas.


Muito além das atribuições básicas da empresa pública, que é atuar, sobretudo, junto ao pequeno produtor rural, para melhor a produtividade, o gestor falou sobre sua atuação no turismo e gastronomia como ferramentas para agregar valor à produção e aumentar a renda. A necessidade de ampliar a produção irrigada no território também não ficou de fora do bate-papo. Confira.

Para quem não sabe, explique o que a Emater faz.

A Emater é uma empresa do governo do Estado de Minas Gerais que promove a Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater). A gente leva para o pequeno produtor do nosso estado, com foco prioritário para a agricultura familiar, a oportunidades para desenvolver melhor sua atividade e melhorar a qualidade de vida da sua família. A Emater está presente em 819 municípios mineiros, 96% da totalidade, e atende 350 mil produtores rurais todos os anos. Quando o produtor rural precisa de alguma coisa, acaba batendo na porta da Emater para pedir ajuda, e o extensionista, que é aquele na ponta atendendo os produtores, está lá para dar uma solução seja na parte de produção em si, mas também na comercialização e sustentabilidade. A Emater trabalha todas essas vertentes com os produtores rurais para que a gente tenha hoje um setor agropecuário forte em Minas Gerais.

O que a Emater tem feito no campo do turismo?

A Emater trabalha todas as vertentes, entre elas explorar e construir uma possibilidade de prestação de serviço como uma renda complementar para os produtores. Além de ajudá-lo a produzir melhor, a valorizar o seu produto, a gente também leva outras oportunidades, como explorar as experiências turísticas nas suas propriedades, que é uma demanda crescente. Nós temos um catálogo, o Ruralidade Viva, com 137 experiências turísticas catalogadas. Na versão digital, que pode ser acessada pelo site da Emater, é possível ter acesso a diversas dessas experiências turísticas que permitem conhecer como são produzidos os nossos cafés, nossas cachaças, os queijos, doces, quitandas, artesanato, natureza, os animais.

Nós também não podemos deixar de falar sobre a gastronomia mineira.

Eu brinco que a gente tem uma santíssima trindade de Minas Gerais: queijo, café e cachaça. A Emater tem concursos de qualidade desses três produtos anualmente - com 22 edições do café, 18 do queijo e estamos na segunda edição da cachaça - onde é realizada uma análise às cegas por especialistas em cada um desses produtos que dão o feedback para cada produtor, que vira um roteiro para a implementação de boas práticas e de intervenções para melhoria da qualidade. Nosso queijo virou patrimônio imaterial da humanidade, o modo de fazer o Queijo Minas Artesanal. A Emater faz parte, junto com o Iepha (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico) e a Secretaria Estadual de Cultura, desse dossiê que encaminhamos para a Unesco - e ganhamos esse título que é a Copa do Mundo.

Esses concursos ajudam a manter a qualidade do café mineiro nessa rota nacional e mundial?

Se a gente considerar Minas Gerais um país, seria o maior produtor de café do mundo. Uma a cada quatro xícaras de café consumidas no mundo vem de Minas Gerais. Esse produto lidera a nossa pauta de exportação. Cerca de 58% da produção de café no nosso estado vem de pequenos produtores. Então, é a união que faz a força. Esta atividade leva renda e dignidade para o campo, porque a gente defende muito esse apoio ao setor produtivo como um projeto também social.

Existe alguma dificuldade para o nosso queijo ter esse reconhecimento tanto nacional quanto internacional?

A gente tem um problema bom para o produtor: não conseguimos produzir o tanto de queijo que precisamos porque a demanda está muito grande. A repercussão, o reconhecimento, a valorização dos nossos queijos artesanais estão tão grandes, que a gente tem muito mais pedido do que produto para ofertar.

Mas existe algum problema de exportação?

A maioria esmagadora da nossa produção vai para o consumo interno. A gente tem pouquíssima exportação de queijo, até porque o mercado interno consome tudo. E a gente tem uma produção artesanal, são pequenas propriedades produzindo no âmbito familiar com produção pequena. Estamos começando a fazer esse trabalho de expansão na produção familiar para a gente conseguir atender e, quem sabe, ganhar o mundo. No final do ano passado a gente ganhou o título da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) de Patrimônio Cultural e Imaterial da Humanidade pelos modos de fazer o Queijo Minas Artesanal. Temos certeza que esse título chama atenção do mundo inteiro para o nosso queijo. Nem os queijos europeus têm esse título. Sabemos que é um trabalho de médio e longo prazos para conseguirmos exportar.

Quais são os maiores desafios da Emater hoje?

Tem um desafio muito grande, que é o envelhecimento e a redução do povo no campo, dos produtores rurais. A gente tem uma demanda crescente da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), que fala que o mundo deve alcançar 10 bilhões de pessoas até 2050 e precisamos aumentar em mais de 50% a nossa produção de alimentos. Nós precisamos ter produtores rurais produzindo alimentos de forma crescente e preservando o nosso meio-ambiente. A gente precisa ter atratividade para que os jovens tenham interesse em permanecer no campo. A Emater criou um programa, o “Futuro no Campo”, por meio do qual a gente leva capacitação, à distância e presencial, assistência técnica continuada e até doamos o projeto produtivo para os jovens selecionados. O outro desafio é a questão da irrigação. Hoje, a gente tem só 15% da produção agrícola irrigada em Minas Gerais. E a gente deixa um legado agora, com o Plano da Agricultura Irrigada Sustentável, que facilita o acesso ao recurso hídrico para aumentar a irrigação no nosso estado. Com isso, a gente vai aumentar a nossa produtividade e, principalmente, ajudar o Norte de Minas, Jequitinhonha, Mucuri, que têm uma escassez hídrica muito grande, a reservar mais água para aumentar a produção. Isso vai permitir a geração de renda no campo e certamente nos próximos anos nós vamos ver um aumento até dos índices de desenvolvimento humano.

Fale sobre o trabalho da Emater com a merenda escolar.

A gente fica muito feliz de participar desse movimento que revolucionou a qualidade da merenda escolar em Minas Gerais. Hoje nós podemos dizer, sem medo de errar, que temos a melhor merenda escolar do país. O recurso para adquirir alimentos para a merenda escolar é uma responsabilidade do governo federal, que passa um valor per capta por aluno para a rede estadual fazer a aquisição de alimentos. Como esse valor é insuficiente, o governo do Estado coloca um aporte que mais que triplica esse valor. Hoje são gastos mais de R$ 650 milhões só na rede estadual. Outro grande diferencial é a parceria da Emater com a Secretaria de Educação para integrar aquele alimento produzido pelo produtor familiar. Muitas vezes ele é extremamente saudável, sem uso de agrotóxico, um alimento fresco e saudável para as escolas. Na lei do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) temos a prerrogativa de que, no mínimo, 30% da produção têm que vir da agricultura familiar. Hoje, esse volume chega a quase 38%, sendo que, há três anos, a gente nem conseguia alcançar esse mínimo. Esse volume fortalece muito os pequenos produtores. Em 2019, nós comercializamos com a agricultura familiar cerca de R$ 80 milhões por ano para a rede estadual de ensino. No ano passado, esse valor foi R$ 250 milhões, que são esses alimentos saudáveis, hortaliças, frutas. Hoje, a gente já tem o queijo artesanal nas escolas, têm algumas escolas com morango, com filé de tilápia.

Quais são as outras vertentes do agro em Minas Gerais que estão sendo estimuladas pela Emater?

Nós somos o maior produtor brasileiro de leite, temos um trabalho muito forte para tentar agregar valor, como os derivados de forma geral - queijos, iogurtes, manteiga - que a gente consegue com o processo de agroindustrialização. As hortaliças nos cinturões verdes, principalmente em volta dos grandes centros urbanos, para fornecer para esse grande mercado consumidor, a gente sempre incentiva e tem uma larga produção tanto aqui na Região Metropolitana de Belo Horizonte, mas também no Vale do Aço, Montes Claros, Uberlândia, as grandes cidades. A fruticultura também é muito forte em Minas Gerais. A gente tem, no Norte de Minas, o maior projeto irrigado da América Latina, que é no projeto Jaíba, onde a gente tem uma produção muito forte de banana, de manga, de limão. No Gurutuba, em Janaúba, Nova Porteirinha, Porteirinha, temos o projeto irrigado com grande produção de frutas. A gente tem uma diversidade muito grande de produção que a gente vai incentivando a agregação de valor, acesso a mercados e a parte da sustentabilidade.

A estiagem ou a chuva em excesso têm sido desafios?

Eu estou há quatro anos e meio na Emater. Eu já vi geada, mas geada grande, que estava acabando com várias plantações de café. Já vi chuva de granizo atrapalhar muito, enchente no Norte de Minas, onde geralmente a gente sofre com a escassez hídrica. Essas mudanças climáticas estão nos afetando. E quem ela afeta primeiro? O produtor rural, que vive da terra, que vive da água dele. Então, ele é o que mais cuida do meio ambiente por interesse próprio, inclusive. A gente tem ações de sustentabilidade vinculadas. Tanto plantio direto, integração lavoura-pecuária-floresta, implantação de revitalização de sub-bacia hidrográfica com barragens, pequenas barragens de infiltração de água, readequação de estradas vicinais, terraceamento. A gente tem também uma infinidade de ações de sustentabilidade ambiental para que tenhamos cada vez mais resiliência frente a essas mudanças climáticas para conseguir produzir.

Siga nosso canal no WhatsApp e receba as notícias relevantes para o seu dia

A sua experiência como funcionário público de carreira contribuiu para a gestão à frente da Emater?

A gente tem um movimento de profissionalização da gestão de empresas estatais no país que veio depois do “Petrolão”, quando tivemos uma legislação nova que cuida da governança das empresas estatais. Cada vez mais, cobra-se uma governança, um compliance, uma gestão eficiente e profissional das nossas estatais. A gente tem uma carreira no estado de Minas Gerais, que são os especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, que são formados na faculdade de Administração Pública. Então, casa muito com esse movimento de profissionalização da gestão das estatais. A gente tem uma carreira de especialista em gestão, como é a minha carreira. Tenho uma experiência muito forte em gestão estratégica, então a gente fez um planejamento estratégico, uma construção participativa, escutando a base, os colegas da Emater.

Acesse o Clube do Assinante

Clique aqui para finalizar a ativação.

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay