Produtores querem mudar o calendário do pinhão
Com a queda das sementes de araucária começando em fevereiro, o prazo de espera para as vendas, liberadas apenas em abril, prejudica a vantagem mineira
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Siga noAs sementes da araucária começam a cair no fim de fevereiro na Serra da Mantiqueira, no Sul de Minas, abrindo a temporada de consumo do pinhão, seja cozido, assado ou em receitas. Para os produtores mineiros, a safra precoce também pode ser uma vantagem estratégica frente aos concorrentes de outros mercados, como o do Paraná, que só vai coletar as sementes no chão em maio.
No entanto, o defeso (período em que a exploração comercial de uma cultura fica suspensa em nome da preservação daquela espécie) fixado para o pinhão em Minas Gerais estabelece que as sementes só podem ser comercializadas a partir de 1º de abril. Por este motivo, produtores de Minas Gerais defendem a quebra deste defeso, o que foi feito no estado de São Paulo, onde, em Campos do Jordão, as sementes da araucária também estão disponíveis no fim de fevereiro.
“A gente entende que o defeso é importante para a preservação do meio ambiente, mas, aqui na nossa região, o pinhão é precoce. Chega no fim de fevereiro, já tem pinhão e a gente começa a catar. Mas, temos que esperar até 1º de abril para poder revender. Com isso, ele perde qualidade e peso. Isso prejudica bastante, a gente não consegue aproveitar o melhor momento de venda”, explicou Mariana Pontes de Sousa, pequena produtora de pinhão em Delfim Moreira, no Sul de Minas, e membro da Associação Araucária.
Em nota, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou que a definição da data do defeso foi baseada em informações técnicas e científicas, levando em conta a sustentabilidade da atividade extrativista, a conservação da espécie e a manutenção do alimento disponível para a fauna nativa. A posição é respaldada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
“Ressaltamos que, até o momento, não há estudos técnicos suficientemente robustos que justifiquem a alteração da data em Minas Gerais. No entanto, caso sejam apresentados estudos científicos que comprovem uma fenologia distinta da araucária no estado, a possibilidade de revisão poderá ser analisada. Até que isso ocorra, a norma em vigor permanece como instrumento de equilíbrio entre a preservação ambiental e os interesses econômicos dos coletores”, finalizou a nota.
Análise genética é aposta
O município de Delfim Moreira, na Serra da Mantiqueira, vem desenvolvendo um programa muito abrangente para estimular o cultivo da araucária, visando a preservação, o aumento da produção, a elevação do valor agregado e a abertura de novos mercados. Quem comanda esse trabalho é Joelma Pádua, secretária municipal de Agricultura, bióloga apaixonada pelas araucárias desde a infância e que a usou como tema central do seu doutorado, uma análise genética da espécie em nove municípios do Sul de Minas.
A ideia é que o pinhão seja uma renda extra para os produtores rurais da região. É o caso de Mariana Pontes de Sousa, que tem como principal atividade a produção de leite. “Aqui nós produzimos pouco, mas esse pouco já faz diferença. Meu pai e minha mãe se envolvem na atividade de cata do pinhão. Durante a safra o pinhão é um diferencial para melhorar a renda”, afirmou.
Joelma buscou no Paraná o professor Flávio Zanette, referência em araucárias, para dar um curso de enxertia em Delfim Moreira. Uma técnica desenvolvida por Zanette permite produzir apenas mudas macho ou fêmea, já que, na natureza, são necessários em média 18 anos para diferenciar uma da outra.
A partir daí, foi criado um viveiro municipal de mudas. De acordo com Túlio César Meireles, extensionista da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), cerca de 400 mudas já foram distribuídas. Além das mudas, a Emater-MG fornece assistência técnica aos produtores, com recomendações antes do plantio. “Dentro de um buraco de 50 por 50 centímetros, você faz um ‘berço’ com calcário, esterco curtido e um pouco de terra misturados. Depois, acomoda a muda e vem com a terra por cima. Ela vai pegar os nutrientes e tudo que precisar”, explica Túlio. Ele conta que a araucária é uma espécie nativa da Serra da Mantiqueira e não precisa de irrigação, até porque a região recebe chuvas com frequência.
Culinária e preservação
Também foi “importada” de Curitiba a culinarista Helena de Menezes, chef de cozinha e professora de culinária com pinhão, que deu cursos de gastronomia usando a semente como ingrediente para os comerciantes de Delfim Moreira.
“A ideia foi trazer um diferencial para trabalhar a questão do turismo também. Gerar renda para esses comerciantes, os produtores terem renda”, disse Joelma. O pinhão também foi introduzido na merenda escolar, com o treinamento das merendeiras pela Helena. Ainda no campo da gastronomia, a cidade promove um concurso de pratos com pinhão.
Depois, veio a Associação Araucária, composta apenas por mulheres, que tem como premissa agregar valor ao pinhão. A iniciativa chamou a atenção da Embrapa Florestas (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e da Avon Cosméticos, que vão montar uma unidade processadora de pinhão – com equipamentos como freezer, extrator de castanha, embaladora, fogão e moinho – para vender produtos como pinhão congelado, pasta de pinhão e farinha de pinhão. “Nossa ideia é agregar valor ao pinhão, elevar a autoestima dessas mulheres, que são catadoras de pinhão. Com isso, o nosso foco, que é a preservação, vai ser alcançado. Quando você dá valor econômico para algo, eles vão ter interesse na preservação das araucárias”, defendeu a secretária municipal de Agricultura de Delfim Moreira.
“A araucária é protegida por lei. Para o corte acontecer, tem todo um processo, você paga taxas, fica em torno de R$ 1.200 para cortar um indivíduo. Antigamente, quando um produtor rural via uma araucária crescendo no seu pasto, ele ia lá e arrancava. O nosso objetivo é ele enxergar ali um uma opção de renda. Aí, eu preservo a espécie e dou renda para o produtor”, reforça Joelma sobre o compromisso do projeto com o meio ambiente.
Produto valorizado
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Hoje, o município de Delfim Moreira tem aproximadamente 1.000 hectares de matas de araucárias produtivas. De acordo com a Emater-MG, em 2024 a cidade foi a segunda maior produtora de pinhão do estado, ficando atrás apenas de Itamonte, também no Sul de Minas. No entanto, em outubro do ano passado, temporais comprometeram a polinização das araucárias. O extensionista da Emater-MG também falou que neste ano o calor está mais intenso na região. Esses fatores levaram a uma queda de produção no município de 700 para 500 toneladas de pinhão.
Com a menor oferta do pinhão no mercado, o preço médio do quilo da semente subiu de R$ 3 para R$ 6, compensando a perda produtiva. De acordo com Joelma, a cultura representou a entrada de R$ 3 milhões na economia da região do fim de fevereiro até maio.
“Por ser um produto da biodiversidade, o pinhão tem garantia de preços mínimos pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Temos 175 produtores/extrativistas que pegam a subvenção (apoio financeiro concedido pelo governo federal para compensar a diferença entre o preço de venda do produto extrativo e o preço mínimo estabelecido), mas, este ano, os preços do pinhão saltaram e nem foi necessário o serviço”, disse Túlio.
Tecnologia e produtividade
A muda enxertada distribuída pela prefeitura de Delfim Moreira começa a produzir entre seis anos e oito anos, enquanto na natureza isso demora em média 18 anos. Nos pomares de araucárias, o produtor pode ter outras culturas, porque as mudas são plantadas com distâncias de pelo menos oito metros entre elas. Também diferente da natureza, as araucárias enxertadas ficam com quatro metros de altura, em média, o que facilita o manejo, enquanto araucárias na natureza podem chegar a 30 metros de altura.
Em um hectare plantado, existem em média 13 araucárias produzindo – de um total de 30 a 40 indivíduos –, sendo que a produção média por unidade é de 60 quilos de pinhões (em alguns casos a produtividade chega a 100 quilos).
Túlio também explicou porque é necessário esperar o pinhão cair no chão para, posteriormente, ser recolhido. É que, no mesmo galho de araucária, existe um fruto maior, que vai cair naquele ano, um de tamanho médio, que vai ficar maduro e cair no ano seguinte e, atrás dele, um pequenino, que vai florescer para produzir dentro de dois anos. “Então, no galho da araucária tem três estágios de produção. Se a pessoa subir para apanhar e errar, ela ‘mata’ dois anos do processo”, detalhou.
“O galho da araucária tem três estágios de produção. Se a pessoa subir para apanhar e errar, ela ‘mata’ dois anos do processo”
TÚLIO CÉSAR MEIRELES
Extensionista da Emater-MG