DENÚNCIA

CADE investiga Microsoft por possível favorecimento do Edge em PCs

Autoridade analisa práticas que podem impedir concorrentes de ganhar mercado de navegadores

Publicidade
Carregando...

O CADE decidiu abrir um inquérito administrativo para investigar as supostas condutas anticompetitivas da Microsoft. A decisão foi tomada na quarta-feira (31/07) com base na denúncia apresentada pela Opera, desenvolvedora dos navegadores Opera e Opera GX.

De acordo com a representação apresentada pela empresa norueguesa, os indícios são suficientes para justificar a investigação com base na Lei nº 12.529/2011, que regula práticas anticompetitivas e concentrações econômicas no Brasil. A Microsoft já foi notificada e o caso pode redefinir os rumos da concorrência no mercado de navegadores.

 

A abertura do inquérito marca um momento importante no debate sobre concorrência digital no Brasil. O caso envolve uma das maiores empresas de tecnologia do mundo e levanta questões sobre neutralidade de plataformas, liberdade de escolha do usuário e práticas comerciais de grandes empresas globais. Esse tipo de investigação também acompanha tendências internacionais, em que autoridades regulatórias buscam preservar a competitividade e a inovação em mercados digitais.

Práticas apontadas

Entre as práticas apontadas estão a pré-instalação obrigatória do Edge em PCs vendidos por fabricantes, através do programa Jumpstart. Segundo a Opera, o programa oferece descontos condicionais à definição do Edge como navegador padrão “fora da caixa”. A empresa argumenta que isso inviabiliza economicamente a pré-instalação de navegadores concorrentes, como o próprio Opera, e limita a diversidade de escolhas para usuários finais.

Além disso, o chamado “Modo S” do Windows, descrito como uma versão restrita do sistema voltada para educação e empresas, impede a instalação de navegadores alternativos e mantém o Edge como padrão. Usuários que tentam sair do Modo S, segundo a denúncia, enfrentam banners e notificações proeminentes projetados para dissuadi-los. Especialistas em tecnologia consideram isso uma barreira técnica relevante, capaz de influenciar decisões de usuários leigos e limitar a competição de mercado.

A denúncia também detalha o uso de dark patterns, definidos como elementos de design manipulativos que incentivam o uso do Edge em detrimento de concorrentes. A Opera cita que, ao buscar por navegadores alternativos dentro do Edge, o Bing exibe banners com mensagens como “Não é necessário baixar um novo navegador”.Outro exemplo aponta que links de e-mails no Outlook, arquivos PDF e widgets de notícias são direcionados automaticamente para o Edge, mesmo que o usuário tenha definido outro navegador como padrão. Essas práticas, alertam especialistas, podem parecer sutis, mas impactam diretamente a liberdade de escolha e decisões cotidianas de milhões de pessoas.

A empresa argumenta que essas práticas variam entre versões do Windows, países e até atualizações específicas do sistema, podendo ser reinstauradas, intensificadas ou até ampliadas se não forem controladas.

Posição dominante

De acordo com o documento da Superintendência-Geral do CADE, a Opera afirma que a Microsoft utiliza sua posição dominante nos mercados de sistemas operacionais e softwares de produtividade para favorecer o Edge. Segundo a representação, a Microsoft controla cerca de 90% dos computadores pessoais no Brasil e possui participação relevante em softwares como Microsoft 365, Word, Excel e Outlook, ferramentas essenciais em empresas e instituições educacionais.

A denúncia indica que, nesse contexto, o Edge detém aproximadamente 12% de participação no mercado de navegadores para PCs, crescimento que, de acordo com a Opera, estaria relacionado às práticas anticompetitivas denunciadas, como favorecimento de instalação padrão e restrições técnicas.

Impactos no mercado

O acompanhamento de processos desse tipo é considerado essencial para mapear se práticas de empresas dominantes podem limitar o acesso a alternativas tecnológicas e reduzir a inovação no mercado interno, afetando desde startups até grandes empresas que dependem de um ambiente digital equilibrado.

Além disso, a Opera destaca que a Microsoft supostamente cria barreiras técnicas e econômicas que impactam a experiência do usuário. Segundo a empresa, essas barreiras limitam a liberdade de escolha e podem gerar frustração, exigindo ajustes manuais constantes para usar o navegador preferido. Processos de configuração em ambientes corporativos e educacionais também ficam mais complexos, aumentando custos e tempo gasto em manutenção.

Segundo a Opera, essas práticas têm impacto direto sobre concorrentes e consumidores. Para navegadores rivais, há aumento de custos com marketing e desenvolvimento de recursos, uma vez que barreiras artificiais dificultam a expansão no mercado brasileiro. Para os usuários, a liberdade de escolha é limitada e a experiência digital prejudicada, exigindo a redefinição constante do navegador padrão após atualizações do Windows, o que pode gerar frustração e perda de produtividade.

Além disso, a Opera alerta que a inovação tecnológica é afetada, já que concorrentes têm menos recursos para investir em pesquisa e desenvolvimento de novos recursos, o que pode impactar a competitividade global das empresas locais e reduzir a diversidade de soluções tecnológicas no país.

Visão técnica

Segundo o especialista em tecnologia e inteligência artificial Filipe Litaiff, PhD em Administração pela COPPEAD UFRJ, procurado pela reportagem do Estado de Minas, a questão vai além da praticidade. “A pré-instalação de navegadores em sistemas operacionais dominantes cria uma vantagem inicial substancial que supera a simples conveniência.”

Ele explica que esse cenário provoca um efeito psicológico nos consumidores. “Quando um navegador já vem configurado como padrão, a maioria dos usuários simplesmente o utiliza sem considerar alternativas, fenômeno conhecido como inércia do usuário.”

Para Litaiff, os efeitos dessa dinâmica extrapolam a escolha individual. “Mais usuários atraem mais desenvolvedores de extensões e serviços, que por sua vez atraem ainda mais usuários.”

O especialista lembra que há precedentes históricos que justificam a atenção das autoridades regulatórias. “O caso da Comissão Europeia contra a Microsoft pelo Internet Explorer resultou em multas de 561 milhões de euros quando a empresa não cumpriu o compromisso de oferecer uma tela de escolha de navegador.”

Hoje, afirma ele, a fiscalização regulatória se ampliou globalmente. “O DOJ propôs que o Google seja forçado a se desfazer do Chrome, argumentando que o controle do navegador confere vantagem injusta no mercado de buscas.”

Além disso, a União Europeia implementou regras mais rígidas. “A DMA estabelece normas preventivas, exigindo que grandes plataformas ofereçam telas de escolha neutras em seus sistemas operacionais.”

Litaiff destaca que a dimensão técnica é central para a liberdade de escolha. “A principal medida técnica são as telas de escolha de navegador, que apresentam lista de opções concorrentes e permitem decisão informada do usuário.”

Ele alerta que restrições de acesso dentro do sistema podem prejudicar a competição. “Se o desenvolvedor do sistema restringe o acesso a APIs, cria desvantagem técnica que impede competição justa.”

Segundo o especialista, apenas uma combinação de regulação firme com ajustes técnicos garante equilíbrio. “Esses mecanismos criam um campo de jogo nivelado, onde inovação e qualidade do produto, e não posição dominante, determinam o sucesso no mercado.”

Versão da Opera

Em entrevista ao Estado de Minas, Juliana Psaros, diretora regional da Opera, detalhou como essas práticas impactam a liberdade de escolha e a concorrência no mercado de navegadores. “Acreditamos ser essencial que os usuários possam decidir livremente qual navegador utilizar e que sua decisão seja respeitada. A Microsoft concede ao Edge uma vantagem injusta, forçando fabricantes a defini-lo como padrão ‘fora da caixa’ e bloqueando canais críticos para navegadores alternativos”, afirmou.

Juliana explicou que a Microsoft exerce pressão econômica direta sobre fabricantes de PCs, oferecendo descontos substanciais sobre licenças do Windows e incentivando a pré-instalação exclusiva do Edge. Segundo ela, essa prática afeta todo o ecossistema de navegadores. “Embora o efeito prático desses acordos seja claramente perceptível no mercado, a Opera tem visibilidade limitada sobre os detalhes dos contratos entre fabricantes e Microsoft. Recebemos com satisfação o anúncio do CADE de que investigará esses acordos, inclusive solicitando informações aos participantes do mercado”, disse.

A diretora reforçou que o Brasil é um mercado estratégico para a Opera, não apenas pelo número de usuários, mas também pelo alto engajamento com funcionalidades específicas do navegador. “Dedicamos anos ao engajamento com os usuários locais, oferecendo recursos como IA integrada gratuita, VPN e barra lateral com acesso rápido a mensageiros e redes sociais. Apesar das táticas da Microsoft, o Opera é o terceiro navegador mais popular no país, com milhões de usuários fiéis que o escolhem ativamente e confiam nos recursos de privacidade e desempenho oferecidos”, afirmou.

Segundo a Opera, a queixa ao CADE faz parte de esforços globais para garantir competição justa entre navegadores. A empresa cita iniciativas semelhantes na União Europeia, quando solicitou ao Tribunal Geral da UE a anulação da decisão de não classificar o Edge como “gatekeeper”. A medida obrigaria a Microsoft a exibir uma tela de escolha de navegador em todos os dispositivos Windows, prática similar à que a Opera solicita no Brasil.

Juliana destacou que a denúncia também aborda a relação entre concorrência e neutralidade da plataforma. “O foco da representação está nos navegadores para PCs, que são um portal essencial para a internet e serviços relacionados, como chatbots e agentes de IA. A concorrência eficaz é importante para negócios baseados na web e para todos os consumidores”, disse.

De acordo com a empresa norueguesa, a conduta da Microsoft limita a capacidade de navegadores concorrentes de investir em pesquisa e desenvolvimento, prejudicando os usuários que poderiam ter uma experiência digital mais rica.

A Opera incluiu no processo documentos detalhados, incluindo relatórios forenses e atas notariais, que comprovam as práticas anticompetitivas. Parte do material é de acesso restrito ao CADE, mas os anexos reforçam a consistência das alegações sobre dark patterns, pré-instalação compulsória e restrições técnicas no Windows.

De acordo com a denúncia, a Microsoft mantém pontos de acesso privilegiados que obrigam a abertura de determinadas ferramentas no Edge, como a barra de pesquisa do Windows e widgets de notícias, ignorando a escolha do usuário. A empresa altera essas práticas entre países e versões do Windows, dificultando a atuação de navegadores concorrentes e aumentando barreiras à entrada no mercado brasileiro.

Para a Opera, a atuação do CADE representa uma oportunidade de estabelecer precedentes na proteção da concorrência digital, em um momento em que governos discutem regras sobre neutralidade de plataformas, privacidade e inovação tecnológica. “Estamos confiantes de que os resultados dessa investigação trarão benefícios concretos para os consumidores brasileiros, promovendo um mercado mais diverso, inovador e justo”, concluiu Juliana.

Próximos passos

O CADE informou que irá analisar contratos, licenças do Windows e Microsoft 365, políticas comerciais com fabricantes de PCs e a integração do Edge, com o objetivo de verificar se houve abuso de posição dominante ou criação de barreiras artificiais à concorrência. Entre as medidas previstas estão a intimação da Microsoft para apresentar esclarecimentos e a consulta a outras empresas do setor.

A decisão do CADE não implica condenação, mas marca o início de um processo formal de apuração. O documento prevê ainda a análise de práticas de design, restrições técnicas e políticas que podem favorecer um navegador em detrimento de outros, além de levantar informações sobre contratos, licenças e programas de incentivo financeiro a fabricantes de PCs.

Segundo a Opera, a abertura do inquérito pode ter impacto internacional. A empresa cita precedentes históricos, como os casos de monopólio do Internet Explorer nos anos 1990, e afirma que o Brasil pode se tornar referência na aplicação de leis antitruste digitais, atraindo atenção de órgãos reguladores internacionais.

“Os esforços da Opera por uma escolha livre e eficaz de navegador são globais. Esta queixa representa uma oportunidade para o Brasil se tornar líder em concorrência digital. Recebemos com entusiasmo a abertura do Inquérito Administrativo, que deve trazer benefícios concretos aos consumidores e promover um mercado mais diverso e inovador”, afirmou Juliana.

Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia

A reportagem do Estado de Minas entrou em contato com a Microsoft, que informou que não vai comentar o assunto. Até o momento, a empresa não apresentou posicionamento oficial sobre a investigação aberta pelo CADE em relação às práticas comerciais apontadas pela Opera.

Tópicos relacionados:

cade internet microsoft opera tecnologia web

Acesse o Clube do Assinante

Clique aqui para finalizar a ativação.

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay