Metabólitos produzidos no intestino são a chave para o controle de doenças
Estudo aponta que o fígado recebe e envia para o coração uma série de produtos ligados ao metabolismo derivados do microbioma intestinal
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André Julião
Um estudo apoiado pela Fapesp desenvolvido na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, encontrou um conjunto de metabólitos (substâncias químicas) que são direcionados do intestino para o fígado e deste para o coração, de onde são bombeados para o restante do organismo. Os produtos têm papel importante no controle de vias metabólicas no fígado e na sensibilidade à insulina, o que pode contribuir para futuros tratamentos da obesidade e do diabetes tipo 2. Os resultados foram publicados na revista Cell Metabolism.
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“Ao analisar o sangue que sai do intestino e o sangue periférico, que circula pelo corpo, pudemos observar com mais precisão o enriquecimento destes metabólitos derivados do microbioma intestinal em cada local e, consequentemente, como eles podem modificar o metabolismo hepático e a saúde metabólica”, completa Muñoz, que realizou o trabalho durante estágio no Joslin Diabetes Center da Escola de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos, com bolsa da FAPESP, sob supervisão do pesquisador Carl Ronald Kahn.
Nos últimos anos, o microbioma intestinal tem sido apontado como um importante mediador das interações entre genes e ambiente para o desenvolvimento de doenças metabólicas. Pesquisadores têm encontrado diferenças significativas, tanto entre roedores quanto entre humanos, na composição de microrganismos do intestino de indivíduos com e sem obesidade, diabetes tipo 2, intolerância à glicose e resistência à insulina.
No entanto, ainda é difícil saber exatamente quais as bactérias, compostos produzidos por elas ou da interação entre elas e o intestino são responsáveis por essas diferenças. Por isso, o estudo publicado agora analisou esses produtos, chamados metabólitos, no sangue de camundongos com diferentes suscetibilidades à obesidade e ao diabetes. O sangue colhido foi o da veia porta hepática, que liga o intestino ao fígado, e do sangue periférico, enviado do fígado para o coração e então bombeado para o resto do corpo.
“Normalmente, os estudos costumam olhar para os metabólitos presentes no material fecal, ou no sangue periférico, mas eles não refletem exatamente o que está chegando primeiramente ao tecido hepático, que é um importante órgão metabólico atrelado a diferentes doenças”, conta o pesquisador.
No estudo publicado agora, foram encontrados 111 metabólitos enriquecidos na veia porta hepática e 74 no sangue periférico em camundongos saudáveis. Porém, ao expor camundongos suscetíveis a obesidade e diabetes tipo 2 a uma dieta hiperlipídica, rica em gorduras, o número de metabólitos enriquecidos na veia porta hepática passa de 111 para 48, mostrando que fatores ambientais podem ser determinantes nessa regulação.
Muitos desses metabólitos se diferenciam dos encontrados no sangue colhido no mesmo local em outro tipo de camundongo, resistente à síndrome metabólica. Isso aponta como a base genética também é fundamental para definir o perfil de metabólitos na veia porta hepática.
“Isso mostra que tanto o ambiente quanto a genética do hospedeiro podem interagir de maneira complexa com o microbioma intestinal. Como consequência dessas interações, diferentes combinações de metabólitos poderão ser enviadas para o fígado e posteriormente para a circulação periférica. Provavelmente, esses metabólitos têm um papel importante na mediação das condições que levam à obesidade, ao diabetes e à síndrome metabólica”, afirma Muñoz.
Futuro
Para compreender melhor quais conjuntos de bactérias e seus produtos contribuem para a produção desses metabólitos, os pesquisadores trataram os camundongos suscetíveis à obesidade e ao diabetes com um antibiótico que seleciona alguns microrganismos intestinais. Como esperado, houve uma alteração tanto no microbioma quanto na proporção de metabólitos no sangue periférico e na veia porta hepática.
O tratamento aumentou, por exemplo, metabólitos como o mesaconato, ligados ao chamado ciclo de Krebs, via metabólica essencial para a produção de energia nas células.
Com base nesse resultado, os pesquisadores então trataram hepatócitos, células do fígado, com mesaconato e seus isômeros, compostos químicos com a mesma fórmula, mas com diferentes estruturas moleculares. O tratamento melhorou a sinalização da insulina e regulou genes envolvidos no acúmulo de gordura hepática (lipogênese) e na oxidação de ácidos graxos, processos essenciais para o metabolismo saudável.
“Os metabólitos encontrados no sangue desses dois locais, portanto, exercem papéis importantes ao mediar os efeitos do microbioma no metabolismo hepático e na patogênese da resistência à insulina do diabetes tipo 2, aquele relacionado à ingestão de uma dieta rica em gordura”, diz Muñoz.
Os pesquisadores agora buscam caracterizar melhor cada metabólito e investigar como são formados. Além de compreender melhor o papel do microbioma no metabolismo, este é um caminho para encontrar moléculas que possam ser futuramente usadas como tratamentos para doenças metabólicas.