Melatonina: uso da 'pílula do sono' requer cautela
Comercializada como suplemento, substância tem uso específico e eficácia limitada; médicos alertam para os riscos do consumo indiscriminado
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Siga noDormir melhor, mais rápido e com mais qualidade, essa tem sido a promessa que vem embalando frascos de melatonina nos últimos meses. Comercializada como suplemento, a substância vem ocupando cada vez mais espaço nas farmácias e na rotina de quem enfrenta dificuldades para dormir. Mas, por trás da popularidade, há riscos e desinformação.
“A melatonina pode ser útil em situações específicas, mas não é uma solução universal para insônia”, afirma o otorrinolaringologista Nilson André Maeda, especialista em distúrbios do sono no Hospital Paulista. Segundo ele, o uso sem orientação médica tem se tornado comum, o que pode reduzir a eficácia e trazer riscos desnecessários.
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O que é melatonina?
A melatonina é um hormônio produzido pela glândula pineal, no cérebro, cuja principal função é sinalizar ao organismo a transição entre dia e noite, ajudando a sincronizar nosso ritmo circadiano, especialmente o ciclo sono-vigília. Sua produção aumenta com a ausência de luz, atinge o pico durante a madrugada e cai ao amanhecer. A versão sintética, disponível em suplementos, é quimicamente idêntica, mas sua administração externa não reproduz de forma natural esse padrão biológico.
Embora a ideia de tomar um comprimido e adormecer rapidamente pareça tentadora, a melatonina não age como os remédios tradicionais para dormir.
“Ela não é um sedativo ou hipnótico. Sua principal função é sinalizar ao organismo a hora biológica de dormir, contribuindo para a sincronização do ritmo circadiano. Por isso, costuma ter melhor efeito quando a dificuldade de sono está relacionada a alterações desse ritmo”, explica Nilson.
Como funciona?
Entre as indicações reconhecidas, estão:
- Síndrome da fase atrasada do sono, em que a pessoa só consegue dormir e acordar muito tarde
- Distúrbios ligados a viagens com mudança de fuso horário (jet lag)
- Trabalho em turnos noturnos
- Casos em pessoas com transtornos do espectro autista ou TDAH
Em idosos, cuja produção natural tende a diminuir, a suplementação também pode ser benéfica. Fora desses contextos, os resultados são menos consistentes. “Na insônia crônica, seja isolada ou associada a outras condições, como estresse ou ansiedade, a eficácia costuma ser baixa. Nesses casos, o tratamento de primeira escolha continua sendo a terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-I), que tem eficácia comprovada e é recomendada pelas diretrizes internacionais”, reforça o especialista.
Há efeitos colaterais?
Apesar de apresentar bom perfil de segurança, a melatonina não está isenta de efeitos colaterais. Sonolência diurna, tontura, dor de cabeça e náuseas estão entre os mais relatados, geralmente de forma leve. Estudos sugerem que o uso contínuo por até 12 meses é seguro, mas ainda há poucas evidências sobre os efeitos a longo prazo.
Outro ponto importante é a interação com outras substâncias. A melatonina pode potencializar o efeito sedativo do álcool, de benzodiazepínicos e de alguns antidepressivos. Além disso, o uso em gestantes, lactantes e crianças deve ser feito apenas com acompanhamento médico.
Doses elevadas também são motivo de preocupação
“A recomendação é sempre priorizar a menor dose eficaz, geralmente entre 0,5 mg e 3 mg, administrada no horário adequado ao ritmo circadiano de cada pessoa. Tomá-la de forma aleatória, no meio da noite ou diante de insônia aguda, tende a não funcionar”, orienta Nilson André.
“A melatonina pode ser uma aliada no cuidado com o sono, mas apenas quando usada de forma criteriosa. Mais do que buscar soluções rápidas, é fundamental adotar hábitos saudáveis de sono e, em muitos casos, procurar avaliação médica especializada”, complementa.