Especialista recomenda cautela com anúncio de vacina russa contra o câncer
Segundo biomédica, estudos clínicos completos e revisados são essenciais antes de validar novos imunizantes
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Siga noA chefe da Agência Federal de Medicina e Biologia (FMBA) da Rússia, Veronika Skvortsova, disse, na última semana, que uma vacina em desenvolvimento no país para câncer colorretal está “pronta para uso” após resultados positivos nos testes pré-clínicos. A dose, no entanto, é vista com certo ceticismo na comunidade científica pela ausência da publicação de dados em revistas científicas – todas as informações estão disponíveis apenas em comunicados do governo.
Coordenadora e professora do curso de biomedicina do Centro Universitário UniBH, integrante do ecossistema Ânima, Gabriela Maira de Assis ressalta que a afirmação russa tem peso informativo limitado até que estudos completos sejam apresentados.
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“Dizer que uma ‘vacina está pronta’ pode significar muitas coisas, desde um avanço em estudos pré-clínicos até a conclusão de algum ensaio clínico inicial. Sem a divulgação dos dados, o registro do estudo em bases públicas e a publicação em revista científica com revisão por pares — ou, ao menos, um preprint com dados completos — a declaração permanece essencialmente política ou institucional, impossibilitando qualquer análise independente de eficácia ou segurança”, explica.
A especialista destaca que relatórios completos sobre o imunizante — incluindo análises das fases 1, 2 e 3, número de participantes, dados de segurança como eventos adversos, análises estatísticas (estimativas, intervalos de confiança, p-values) e dados brutos suficientes para replicação — são fundamentais para avaliar a validade, reprodutibilidade e aplicabilidade clínica da vacina.
A biomédica pontua ainda que expectativas criadas em torno de uma cura ou vacina pronta contra o câncer podem causar falsas esperanças em pacientes e familiares, que movidos pela desinformação passam a crer em soluções indisponíveis, e com isso tomam decisões clínicas inadequadas como interromper ou adiar terapias comprovadas.
“Colapsos de credibilidade quando anúncios não se confirmam também podem aumentar a desconfiança em instituições e vacinas em geral. Vale reforçar ainda que a disseminação de informações incompletas favorece teorias conspiratórias e dificulta a comunicação científica responsável.”
Atualmente, a única vacina terapêutica aprovada para câncer é a PROVENGE® (sipuleucel-T), indicada para o tratamento do tumor de próstata metastático resistente à hormonioterapia. “Mesmo assim, seu efeito na sobrevida média do paciente é modesto. Por outro lado, há várias candidatas baseadas em RNA mensageiro e outras plataformas em fases avançadas de testes clínicos”, acrescenta a biomédica.
Quando se fala em resultados consistentes para vacinas terapêuticas contra o câncer, Gabriela explica que, a médio e longo prazo, é plausível que até 2030 vejamos vários imunizantes terapêuticos aprovados para tipos específicos de tumor ou contextos adjuvantes (após cirurgia). “Porém, uma vacina universal contra a doença é improvável nesse horizonte devido à heterogeneidade tumoral e outros desafios biológicos”.
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