'Como um remédio me fez ficar viciada em sexo'
Pacientes que tomaram medicamentos para distúrbios de movimento, como a síndrome das pernas inquietas, dizem que seu comportamento mudou completamente.
compartilhe
Siga noPacientes que tomaram medicamentos receitados para distúrbios de movimento — incluindo a síndrome das pernas inquietas (SPI) — afirmam que não foram alertadas pelos médicos sobre os graves efeitos colaterais que as levaram a adotar comportamentos sexuais de risco.
Vinte mulheres disseram à BBC que os remédios — receitados a elas para SPI, que causa uma vontade irresistível de se movimentar — arruinaram suas vidas.
Leia Mais
Embora não haja referência explícita a este efeito colateral na bula, o órgão regulador de medicamentos do Reino Unido afirmou à BBC que há uma advertência geral sobre o aumento da libido e comportamento prejudicial. A GSK diz, por sua vez, que o risco de interesse sexual "alterado" também é mencionado na bula.
Algumas das mulheres que contaram à BBC ter se sentido atraídas por um comportamento sexual de risco, disseram que não tinham ideia do que estava causando isso. Outras relataram que se sentiram compelidas a fazer apostas ou compras, sem nenhum histórico de tais atividades. Uma delas acumulou dívidas de mais de £150 mil (cerca de R$ 1,1 milhão).
Assim como muitas mulheres, Claire desenvolveu SPI durante a gravidez. A necessidade incessante de se movimentar era frequentemente acompanhada de insônia e uma sensação de rastejamento sob a pele.
A condição persistiu após o parto, e ela foi medicada com o agonista de dopamina Ropinirol. Ela diz que não foi avisada pelos médicos sobre os efeitos colaterais. Inicialmente, o medicamento fez maravilhas para a SPI, diz ela, mas depois de um ano, aproximadamente, ela começou a sentir impulsos sexuais sem precedentes.
"A única maneira de descrever é que era simplesmente fora dos padrões", diz ela à BBC, usando este termo sem nenhum conhecimento da pesquisa da GSK que havia estabelecido uma relação com esse comportamento.

Claire conta que começou a sair de casa nas primeiras horas da manhã em busca de sexo. Usando um top e uma jaqueta transparentes, ela exibia o peito para qualquer homem que encontrasse. Ela conta que fazia isso regularmente, e em locais cada vez mais perigosos, apesar de ter um parceiro.
"Ainda há um elemento na sua cabeça que sabe que o que você está fazendo é errado, mas isso te afeta a ponto de você não saber que está fazendo."
Claire afirma que levou anos para relacionar estes impulsos com a medicação — e eles desapareceram quase imediatamente quando ela parou de tomar. Ela se sente completamente "envergonhada" e "mortificada" pela situação de risco em que se colocou.
Comportamentos impulsivos, incluindo jogos de azar e aumento do desejo sexual, há muito tempo são listados como efeitos colaterais nas bulas dos medicamentos agonistas da dopamina — e acredita-se que afetem de 6% a 17% dos pacientes com SPI que tomam esses remédios, de acordo com o Nice, órgão britânico de orientação à saúde. Considera-se que um efeito colateral "comum" de qualquer medicamento afeta apenas 1% das pessoas que o tomam, segundo o NHS, sistema público de saúde do Reino Unido.
Os medicamentos funcionam imitando o comportamento da dopamina, uma substância química natural em nosso cérebro que ajuda a regular o movimento. Ela é conhecida como "hormônio da felicidade" porque é ativada quando algo é prazeroso ou quando nos sentimos recompensados.
Mas as drogas agonistas podem estimular excessivamente essas sensações, e estimular menos a apreciação das consequências, levando a um comportamento impulsivo, de acordo com os acadêmicos.

Os casos que o relatório da GSK de 2003 descreveu como "comportamento fora do padrão" envolveram dois homens que tomavam Ropinirol para Parkinson. Em um deles, um homem de 63 anos agrediu sexualmente uma menina de sete anos, o que resultou em uma sentença de prisão.
Os documentos dizem que a libido do agressor aumentou significativamente desde o início de seu tratamento com Ropinirol, e que seu "problema de libido foi resolvido posteriormente" depois que a dose foi reduzida.
No segundo caso, um homem de 45 anos realizou "atos descontrolados de exibicionismo e comportamento indecente". Foi relatado que seu desejo sexual havia aumentado antes do Ropinirol ser receitado, mas seus impulsos "se intensificaram" após o tratamento.
As taxas de prevalência do que a GSK chama de comportamentos sexuais "fora do padrão" causados pelos medicamentos não são conhecidas, e tendem a ser subnotificadas por aqueles que vivenciam o efeito colateral, de acordo com Valerie Voon, professora de neuropsiquiatria da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
"Há muito estigma e vergonha associados a isso, e as pessoas não percebem que isso está associado a um medicamento", ela explica.
Voon acredita que os comportamentos sexuais de risco — além do simples aumento da libido — devem ser especificamente alertados aos pacientes, e analisados pelo NHS, pois seu impacto pode ser "devastador".
Acredita-se que a SPI afete cerca de um em cada 20 adultos, e as mulheres têm duas vezes mais chances de sofrer da condição do que os homens.
As 20 pacientes com as quais a BBC conversou disseram que os médicos não só não informaram a elas sobre os efeitos colaterais potencialmente graves dos medicamentos, como também não analisaram o impacto da medicação em seu organismo posteriormente.
Sarah tinha 50 anos quando recebeu a prescrição de outro medicamento agonista da dopamina, de um fabricante diferente.
"Antes, eu não teria tido nenhum interesse se Brad Pitt entrasse nu na sala", diz ela. "Mas isso me transformou em uma mulher feroz que continuava levando o vício sexual adiante."
Sarah começou a vender roupas íntimas usadas e vídeos de atos sexuais online — e a organizar sexo por telefone com estranhos. Ela também começou a fazer compras compulsivamente, terminando com uma dívida de £30 mil (aproximadamente R$ 225 mil).
Para combater os efeitos do agonista da dopamina, ela começou a se automedicar tomando analgésicos opioides e remédio para dormir. Ela acabou sendo internada em uma clínica de reabilitação — mas isso significou que ela perdeu a carteira de motorista e o emprego.
"Eu me voltei para coisas que não eram saudáveis — eu sabia que o comportamento não era meu, mas não conseguia controlá-lo", diz ela à BBC.
Uma terceira mulher, Sue, afirma que receitaram a ela dois medicamentos agonistas de dopamina diferentes —, mas não avisaram dos efeitos colaterais relacionados a comportamentos compulsivos em nenhuma das ocasiões. Ela conta que até mencionou o hábito recente de fazer apostas quando o segundo medicamento foi receitado. Ela chegou a acumular uma dívida de £80 mil (cerca de R$ 600 mil) no jogo.
"O efeito sobre a minha família foi terrível — perder esse dinheiro mudou minha vida", diz ela. "Mas, na época, eu não sabia que a culpa não era minha."
Uma ação judicial coletiva foi aberta contra a GSK em 2011 por quatro pacientes com Parkinson, conforme a BBC apurou. Eles disseram que o Ropinirol levou a dívidas de jogo e ao término de relacionamentos.
Eles também reclamaram que, apesar de uma relação entre esses comportamentos e o medicamento ter sido estabelecida em estudos médicos já em 2000, a GSK não incluiu nenhuma advertência na literatura do produto até março de 2007. A ação coletiva foi resolvida em um acordo, mas a GSK negou a responsabilidade.
Casos de efeitos colaterais graves também foram registrados em outros países, principalmente em relação ao uso de medicamentos para Parkinson.
Na França, um tribunal concedeu indenização a um pai de dois filhos que se queixou de que o Ropinirol havia provocado impulsos homossexuais compulsivos, enquanto outro homem sem antecedentes criminais começou a torturar gatos.
Nos Estados Unidos, a Academia Americana de Medicina do Sono recomenda que os medicamentos sejam usados apenas para tratamentos de curto prazo, como cuidado paliativo de pacientes terminais.

Muitas das mulheres com quem a BBC conversou se queixaram de que o uso prolongado dos medicamentos também piorou a SPI subjacente. Isso significava que a dosagem havia sido aumentada, o que, por sua vez, havia exacerbado o comportamento compulsivo.
O neurologista Guy Leschziner diz que os medicamentos ainda desempenham um papel importante, mas ele acredita que as empresas farmacêuticas, as autoridades de saúde e os médicos precisam alertar melhor os pacientes sobre estes efeitos colaterais.
"Nem todo mundo está ciente dos tipos de mudanças bastante drásticas que podem ocorrer", diz ele.
Em um comunicado, a GSK disse à BBC que o Ropinirol foi receitado para mais de 17 milhões de tratamentos, e passou por "extensos ensaios clínicos". A empresa acrescentou que o medicamento provou ser eficaz, e tinha um "perfil de segurança bem caracterizado".
"Assim como acontece com todos os medicamentos, ele tem efeitos colaterais em potencial, e eles estão claramente indicados nas informações da bula", acrescentou.
Em resposta à sua pesquisa de 2003, que encontrou uma relação com o comportamento sexual "fora do padrão", a GSK afirmou à BBC que isso foi compartilhado com as autoridades de saúde, e havia orientado as atualizações nas informações da bula — que agora lista "interesse sexual alterado ou aumentado" e "comportamento de preocupação significativa" como efeitos colaterais.
A bula atual do Ropinirol faz referência específica a mudanças no interesse sexual em cinco ocasiões — quase exclusivamente alertando sobre a frequência ou intensidade de tais sensações, como potencialmente "anormalmente alta", "excessiva" ou "aumentada".
A MHRA, agência reguladora de medicamentos e produtos de saúde do Reino Unido, afirmou que, embora não haja uma referência específica ao comportamento sexual "fora do padrão" nas advertências, esses impulsos variam, e há uma advertência geral sobre atividades que podem ser prejudiciais.
A agência também disse que é importante que os profissionais de saúde expliquem os possíveis riscos aos pacientes — e que nem todos apresentam esses tipos de efeitos colaterais.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia
O Departamento de Saúde e Assistência Social não quis comentar.
Alguns nomes foram alterados nesta reportagem para proteger a identidade das pessoas.
- 'Não nos alertaram sobre efeitos colaterais de antidepressivos': as famílias que sofreram impactos profundos
- O risco dos esteroides para aumento da massa muscular: 'Tive insuficiência cardíaca aos 30 anos':
- O efeito colateral 'escondido' do câncer sobre o qual não se fala e que afeta centenas de milhões de pessoas