Saiba como funciona o "copia e cola" para não detalhar emendas Pix em Minas
Levantamento mostra como prefeituras mineiras cadastram planos de trabalho de transferências especiais sem qualquer detalhamento desde 2020
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Ao receber uma emenda Pix de um parlamentar do Congresso Nacional, uma prefeitura tem, como obrigação, cadastrar um plano de trabalho para explicar aos órgãos de controle a destinação daquele recurso. Um dos campos a ser preenchido pelos gestores na relação leva o seguinte nome: "detalhamento do objeto", ou seja, a prestação de contas pormenorizada daquele gasto público. No entanto, o que deveria servir como item básico de transparência é completamente ignorado por parte das cidades mineiras. Levantamento feito pelo Núcleo de Dados do EM mostra que boa parte dos relatórios feitos pelos prefeitos são completamente superficiais.
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Entre as palavras mais usadas nesses planos de trabalho sem aprofundamento estão “pavimentação” (212 cadastros); "infraestrutura urbana" (122); "obras públicas" (81) e até mesmo somente a palavra "investimento" (14). Esses termos "detalham" o uso do dinheiro público, manobrado a partir de emendas recebidas pelos municípios.
Os detalhamentos superficiais com a palavra "pavimentação" somam R$ 76,8 milhões em emendas Pix liberadas, segundo o Transferegov – portal criado para trazer mais transparência às movimentações de recursos da União. No caso do termo "infraestrutura urbana", esse valor alcança a marca de R$ 35,7 milhões. Já os repasses que citam "obras", sem informar quais intervenções exatas foram feitas, chegam a R$ 26,2 milhões.
Na mesma toada, as 14 emendas Pix que citam somente a palavra "investimento", sem explicar exatamente qual aplicação é esta, somam R$ 3,3 milhões em dinheiro público enviado pelo Congresso.
É suficiente?
O professor e pesquisador da Universidade de Lugano, na Suíça, Fabiano Angélico, doutor em administração pública e governo, ressalta que a transparência pública é fundamental para a democracia. No entanto, destaca que o simples detalhamento do objeto das emendas Pix, mesmo quando presente, pode não ser suficiente para a rastreabilidade do dinheiro público.
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“A transparência é só o primeiro passo. A ideia é que a transparência possa levar a uma consequência maior, se as informações forem devidamente utilizadas e interpretadas, para que os atores (as instituições públicas) realmente possam agir. É preciso que isso organize uma ação”, afirma.
Na prática, o que o professor ressalta é que as emendas genéricas identificadas pela reportagem já são problemáticas por não terem qualquer transparência. No entanto, esse “buraco” pode ser ainda mais profundo se as autoridades não cumprirem com o papel fiscalizatório daquelas emendas devidamente detalhadas, mas nem sempre bem aplicadas.
Ou seja, preencher um campo específico numa prestação de contas é apenas uma de muitas responsabilidades dos gestores públicos. “Existem órgãos públicos com essa atribuição fiscalizatória. Você tem a Câmara Municipal, por exemplo. Os vereadores têm essa atribuição. Cobrar a transparência para que haja um plano de trabalho detalhado, organizado, dentro de um uma política pública mais ampla”, diz.
“Temos também os tribunais de contas. Temos os promotores, o Ministério Público. Também existem os atores não institucionais, como o jornalismo, o terceiro setor, as associações…”, complementa Fabiano Angélico.
E os congressistas?
Membro do Conselho de Transparência, Integridade e Combate à Corrupção do Tribunal de Contas da União (TCU), o advogado Bruno Morassutti avalia que há uma responsabilidade mútua na prestação de contas das emendas Pix. "Sendo ele o responsável pela indicação do destinatário, o parlamentar tem imensa condições de exigir (dos prefeitos) requisitos de transparência, dentre eles apresentação de um plano de trabalho adequado", diz.
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Desde que assumiu cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Flávio Dino adota medidas para aumentar a transparência das emendas. Entre as mudanças, exigiu a apresentação de plano de trabalho para todos os repasses, de maneira retroativa. O próximo passo, como admitiu o próprio ministro em audiência pública em Brasília na semana passada, é aprovar a efetividade dos planos cadastrados pelas prefeituras.
Antes dos esforços, o Brasil tinha quase 8 mil emendas Pix sem planos de trabalho, o que representava cerca de um quarto do total de encaminhamentos do tipo. Hoje, conforme a última atualização do TCU, esse dado caiu para 964, cerca de 3% do total de 35 mil emendas.
"O STF tem feito um trabalho importante. Entretanto, sem a existência de uma percepção de que irregularidades serão punidas, a simples exigência (dos planos de trabalho) não irá modificar o cenário atual. Regras precisam ser impostas, e os descumpridores precisam ser punidos. Lei sem sanção é simples recomendação", afirma Bruno Morassutti, que também é co-fundador e diretor da Fiquem Sabendo.
Outro lado
A Associação Mineira de Municípios (AMM) reconheceu que há falhas de transparência, sobretudo em cidades menores, mas justificou o problema por meio da falta de pessoal e de infraestrutura. “Muitos municípios, especialmente os de pequeno porte, enfrentam limitações técnicas e de pessoal na elaboração e no registro desses dados no sistema federal. Em grande parte das prefeituras, a equipe responsável pela gestão das emendas é reduzida e acumula diversas funções, o que acaba dificultando o preenchimento mais detalhado dos campos exigidos pelo Transferegov”, informou.
A AMM também esclareceu as ações que tem feito para melhorar o cenário. “Destacam-se webinários, cursos e notas técnicas produzidos pela entidade, com o objetivo de esclarecer dúvidas e reforçar a importância do detalhamento nos planos de trabalho das emendas parlamentares”, informou.
Além disso, a associação esclareceu que “mantém uma equipe técnica especializada à disposição dos prefeitos, secretários e servidores municipais, oferecendo suporte individualizado sobre o preenchimento dos sistemas federais”.
Metodologia do levantamento
Para mapear as emendas Pix genéricas, o Núcleo de Dados do EM realizou uma raspagem de dados no portal Transferegov, a partir da linguagem de programação Python. A reportagem coletou todos os detalhamentos de objetos das 7.055 emendas Pix assinadas pela bancada mineira desde 2020. O levantamento, portanto, considera esta e a legislatura anterior do Congresso Nacional.
Após o recolhimento, foi feita a verificação manual daquelas emendas sem aprofundamento. Os números de repasses genéricos por termo/palavra, apresentados na primeira parte deste texto, consideraram variações dos mesmo termos. Portanto, os registros com "pavimentação" e "pavimentação de vias", por exemplo, foram somados para obtenção do cálculo final.