Entenda os próximos passos para privatização da Copasa
Retirada do referendo popular ainda não garante a venda da Copasa; tramitação depende de dois projetos de lei que definem regras para a privatização
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A aprovação, em primeiro turno, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 24/2023, que extingue a obrigatoriedade de referendo popular para a privatização da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), apesar de abrir caminho para destravar a venda ainda não dá o aval definitivo para a privatização. Para isso, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) depende de dois Projetos de Lei (PL), já em tramitação na Casa.
O aval definitivo para a privatização da Copasa só acontecerá se o Legislativo aprovar, em dois turnos, o PL 4.380/2025 que trata especificamente das regras para a negociação de ações da empresa. O texto, também de autoria do governador Romeu Zema (Novo), aguarda análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da ALMG. A tramitação desse projeto, no entanto, só deve avançar depois da derrubada da exigência de referendo popular para a privatização.
A oposição tentou, sem êxito, usar essa divergência como estratégia para atrair votos entre os parlamentares da base governista durante a votação da PEC 24/2023. Em conversa com a reportagem, o deputado Cleiton Oliveira (PV) explicou que a intenção era separar o debate sobre a venda da companhia da discussão sobre a consulta popular. “Uma coisa é discutir se a Copasa deve ou não ser privatizada. Outra, muito diferente, é tirar da população o direito de decidir sobre isso”, defendeu.
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O processo de privatização da companhia ainda depende de um segundo projeto, o PL 3.739/25, proposto por Zema para que a Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário do Estado (Arsae-MG) fosse reestruturada. A proposta tem como objetivo preparar o órgão para assumir a fiscalização do setor em um cenário de privatização da estatal.
Durante a análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), no entanto, o projeto foi desmembrado do texto original. Com isso, passou a tramitar de forma independente e aguarda nova apreciação em plenário, onde deverá receber nova numeração e seguir trâmite próprio voltado à reorganização da Arsae-MG.
Ainda de aacordo com Professor Cleiton, a proposta para a Arsae altera de forma significativa a lógica atual da concessão dos serviços de saneamento. Hoje, são as prefeituras que firmam contratos diretamente com a Copasa ou outras prestadoras. O novo modelo, porém, prevê a formação de consórcios regionais, reunindo vários municípios sob uma mesma área de concessão.
O parlamentar comparou a iniciativa ao processo de privatização ocorrido no Rio de Janeiro, em que o estado foi dividido em blocos de operação. “As regiões mais rentáveis atraíram forte concorrência, mas em outras áreas ninguém se interessou. O mesmo pode acontecer em Minas Gerais. O marco regulatório estabelece que, nesses casos, o custo recai sobre o município, que terá de assumir o que antes era responsabilidade da Copasa”, alertou em conversa com o Estado de Minas, na quarta-feira (22/10).
Próximos passos da PEC 24/2023
Após aprovação, em primeiro turno, a PEC para retirada do referendo popular retorna agora à Comissão Especial para novo parecer, antes de ser submetido ao segundo turno no plenário. Antes mesmo da votação, já havia uma reunião agendada para ocorrer no mesmo dia, às 9h, mas o encontro não foi realizado.
Uma nova apreciação do texto pelo grupo, formado em sua maioria por deputados da base governista, está pautada para a próxima terça-feira (28/10). São duas reuniões já agendadas, às 9h e 9h30.
O intervalo mínimo entre as votações em plenário é de três dias. A decisão definitiva sobre o fim do referendo pode ocorrer então já na mesma semana, a partir da sexta-feira (31/10), caso a base mantenha o ritmo acelerado da tramitação e consiga superar as novas tentativas de obstrução.
O que é a PEC 24/2024
Atualmente, a Constituição de Minas Gerais determina que qualquer tentativa de privatizar empresas estatais precisa ser submetida à população por meio de um referendo. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 24/2023, no entanto, acaba com essa exigência e deixa somente aos deputados estaduais o poder de decidir sobre a venda dessas companhias.
O fim do referendo popular, criado durante o governo de Itamar Franco como uma salvaguarda em meio ao processo de privatizações da década de 1990, é defendido por Zema como forma de agilizar a venda da estatal e garantir recursos para a adesão de Minas ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), do governo federal.
A estratégia do Executivo estadual é usar o valor obtido com a venda da Copasa, além da federalização de outros ativos, para amortizar 20% da dívida estadual com a União, estimada em R$ 172 bilhões. Com isso, Minas passaria a ter o saldo restante parcelado por até 30 anos, com juros menores, o que daria fôlego às contas públicas.
Apelidada por sindicatos e movimentos sociais de “PEC do Cala a Boca”, a versão original do texto, enviada por Zema à Assembleia dois anos atrás, também incluía a Cemig e a Gasmig no mesmo dispositivo. No entanto, um substitutivo aprovado em setembro na Comissão de Constituição e Justiça, após acordos entre os deputados, restringiu o alcance apenas às empresas de saneamento.
A PEC 24/2023 chegou ao plenário nesta quinta-feira (23/10) após cumprir, em três dias, as seis sessões regimentais de discussão em ritmo acelerado ditado pela base governista para acelerar a tramitação, antes do feriado legislativo, marcado para a próxima segunda-feira (27/10). Em todas, a sessão foi aberta e encerrada em poucos minutos, apenas para contabilizar o rito mínimo exigido. O regimento da Assembleia permite que, após esse rito, o texto possa ser votado na sétima reunião, mesmo diante de obstruções.
Oposição critica votação na “calada da noite”
Sob protestos de servidores da Copasa, que ocuparam as galerias do plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o texto foi aprovado por 52 votos a favor e 18 contrários. Apresentada pelo governador em 2023 e retomada no contexto das discussões Propag, a proposta precisava de, no mínimo, 48 votos entre os 77 deputados.
Logo após a votação em primeiro turno, deputados da oposição acusaram a base do governo Romeu Zema (Novo) de votar o texto “na calada da noite”. A sessão, iniciada às 18h da quinta-feira (23/10), atravessou a madrugada e terminou por volta das 4h20 desta sexta-feira (24/10), após mais de dez horas de debates e tentativas de obstrução.
Dos parlamentares, 71 participaram da sessão; o presidente da Casa, Tadeu Martins Leite (MDB), não vota, e seis estiveram ausentes. Apesar de o Partido Verde ter se posicionado em peso contra a proposta, o deputado Betinho Pinto Coelho destoou da legenda e apoiou a retirada da exigência de consulta popular, embora o voto não fosse ter peso para mudar o jogo.
Em coletiva de imprensa, logo após o encerramento da votação, o líder da oposição, deputado Ulysses Gomes (PT), avaliou que a estratégia do governo revela “oportunismo” e “falta de transparência” no processo legislativo. “É triste pra nós, que ao longo do tempo, sempre estivemos aqui, dispostos a debater. O governo se negou, nega a informação, nega a participação, não faz o debate. Então, obviamente, tem o lado triste no processo democrático. Mas isso não faz com que a gente, em nenhum momento, recue do nosso convencimento e da nossa disposição de continuar”, disse.
Foram mais de dez horas de obstrução, com sucessivos requerimentos e discursos da oposição na tentativa de retardar a votação. Em diversos momentos, os parlamentares contrários ao texto pediram verificação de quórum, enquanto o plenário se esvaziava. Governistas que haviam deixado o local então precisaram retornar às pressas para registrar presença e impedir que a sessão fosse suspensa.
Os oposicionistas argumentaram que não havia urgência na votação, já que o governo federal prorrogou o prazo para adesão ao Propag. Destacaram ainda que experiências de privatização no setor de saneamento em outros estados não trouxeram os resultados prometidos.
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Por outro lado, aliados de Zema argumentam que a exigência de referendo tornaria inviável qualquer tentativa de privatização até as eleições de 2026, quando, segundo a Justiça Eleitoral, seria a única data possível para realização da consulta, o que fragiliza as tratativas em prol da renegociação da dívida estadual.