Entenda relação entre sigilo de documentos da Codemig e a dívida de Minas
Decisão do governo mineiro de impor sigilo por 15 anos a 13 documentos da estatal que controla ativos minerários acende questionamentos sobre transparência
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A decisão do governo de Minas Gerais de classificar como sigilosos, por 15 anos, 13 documentos da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) desencadeou uma nova disputa em torno da transparência e do valor de mercado da estatal. A medida foi tomada na última terça-feira (7/10), no mesmo dia em que o governo federal ampliou o prazo para os estados apresentarem ativos que poderão ser utilizados na renegociação das dívidas com a União, dentro do Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag).
A coincidência entre os dois movimentos não passou despercebida por deputados da oposição na Assembleia Legislativa (ALMG), que enxergam na classificação dos documentos uma tentativa do Executivo mineiro de restringir o acesso a informações sensíveis da estatal para evitar questionamentos sobre seu real valor e sobre a condução da agenda de privatizações. O governo, por sua vez, sustenta que o sigilo se justifica pela natureza estratégica das informações.
Responsável por administrar reservas de nióbio, lítio e terras raras, a Codemig é considerada o ativo mais valioso do Estado e peça central da estratégia de Minas para aderir ao Propag, mecanismo federal que permite alongar o pagamento de débitos estaduais por até 30 anos, com juros reduzidos.
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Para alcançar o benefício máximo de redução das taxas, o governo mineiro pretende amortizar 20% do estoque da dívida, que gira em torno dos R$ 172 bilhões, o que representaria R$ 34 bilhões. A transferência da Codemig à União, já autorizada pela Assembleia Legislativa, é vista como essencial para atingir esse valor mínimo de abatimento.
A avaliação de mercado da estatal, no entanto, é um ponto ainda indefinido. Deputados da oposição acreditam que a Codemig, sozinha, seria suficiente para cobrir a parcela exigida, o que dispensaria a inclusão de outras empresas estatais em eventuais negociações. A ausência de dados públicos sobre o valor da companhia, contudo, mantém essa expectativa no campo das estimativas.
Documentos sob sigilo
Os 13 documentos classificados como confidenciais abrangem pareceres jurídicos, notas técnicas, avaliações econômicas e relatórios financeiros. Entre eles estão dois arquivos que, segundo descrições oficiais, tratam de instituições financeiras habilitadas para avaliar o do valor de mercado da companhia, como é o caso da Goldman Sachs.
Outros documentos envolvem informações sobre a renovação do contrato entre a estatal e a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), parceira da Codemig na exploração do nióbio em Araxá, na Região do Alto Paranaíba, além de registros de negociações com empresas que mantêm contratos de mais de R$ 35 milhões em vigor.
Em nota, o governo informou que a decisão de impor sigilo decorre de “estratégia empresarial”, sustentando que a divulgação das informações poderia comprometer negociações em curso para renovação do contrato com a CBMM ou expor dados sensíveis sobre ativos de valor estratégico.
A decisão de impor sigilo aos documentos da Codemig ocorreu no mesmo dia da edição de um decreto presidencial, que estendeu os prazos e flexibilizou regras para a adesão dos estados ao Propag. O texto assinado pelo presidente Lula (PT) deu mais tempo para que os entes federativos concluam a análise dos ativos a serem federalizados.
Com o novo decreto, o prazo, que se encerraria agora em outubro, foi prorrogado até 31 de dezembro de 2025, com possibilidade de conclusão das negociações até 31 de dezembro de 2026, nos casos em que houver interesse da União pelos ativos oferecidos. A publicação permite ainda a contratação de auditorias independentes para os estados avaliarem o valor de seus ativos, prerrogativa que antes cabia exclusivamente ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O prazo estendido dá mais fôlego a Minas e outros estados endividados na corrida para ajustar suas legislações locais e concluir tratativas com a União. Até o momento, apenas Goiás concluiu o processo de adesão ao programa. Ainda assim, o governador de Minas Romeu Zema (Novo) disse, em coletiva de imprensa, que a prorrogação do prazo para adesão não muda os planos da gestão estadual e o objetivo segue sendo resolver “o mais rápido possível”.
Questionamentos sobre a transparência
Com a lista de documentos da Codemig tornados sigilosos, a oposição na Assembleia Legislativa se mobiliza para ter acesso aos registros, sob o argumento de que os dados deveriam ser públicos, já que envolvem patrimônio estatal e impactam diretamente a renegociação da dívida mineira.
Críticos da decisão afirmam que o governo busca esconder o valor real da Codemig para evitar comparações que poderiam enfraquecer o discurso de que a venda de outras estatais, como a Copasa. Em 7 de outubro, o presidente da Casa, Tadeu Martins Leite (MDB), decidiu suspender as votações em plenário da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 24/2023, proposta por Zema há dois anos e resgatada em meio a discussões do Propag, que autoriza a venda da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) sem a necessidade de referendo da população.
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"Nós desconfiamos é que a avaliação atingiu muito mais do que os R$ 34 bilhões, e isso faz com que não tenha mais nenhum discurso para vender a Copasa. Estou entrando com um pedido de quebra do sigilo desse documento, porque a Assembleia, enquanto ente fiscalizador, tem o total direito de ter acesso a esse documento para sabermos quanto vale a Codemig", alegou o deputado estadual Professor Cleiton (PV).